A área da saúde pública, crescentemente interligada com as atividades de intelligence, consolida-se como um domínio crítico do conhecimento. Contrariamente à associação comum com a espionagem e o 007, a intelligence em saúde, refere-se à gestão estratégica da informação, essencial para a tomada de decisões informadas.
A vigilância epidemiológica incorpora cada vez mais os princípios da intelligence epidemiológica no contexto de epidemias e pandemias. A intelligence epidemiológica dedica-se ao estudo das condições, eventos e padrões espaço-temporais de ocorrências de danos na saúde, bem como dos determinantes que impactam a saúde das populações.
O ciclo da informação é central na intelligence epidemiológica. Este ciclo, compreendido como um processo interativo, envolve a produção de conhecimento a partir de etapas distintas: recolha de dados, processamento e análise, e disseminação para fins estratégicos. A análise de risco, integrada ao ciclo de produção de informação, é uma ferramenta essencial para a gestão otimizada de emergências, catástrofes e epidemias.
As fontes de informação (sources) em intelligence são diversificadas e complementares. A fonte humana, designada pela sigla HUMINT (Human Intelligence), é particularmente relevante. Em saúde, as fontes HUMINT incluem os utentes/doentes dos serviços de saúde, os processos clínicos, inquéritos epidemiológicos, inquéritos relacionados com as condições de saúde, ensaios clínicos e estudos de investigação em seres humanos. As informações obtidas caracterizam as populações e fornecem dados sobre seu estado de saúde, permitindo que os centros de vigilância em saúde detetem e respondam a emergências de saúde pública.
A SIGINT (signal intelligence) é uma fonte de informação que se baseia em códigos de doenças e bancos de dados, permitindo o acesso a informações relevantes de um grande número de indivíduos. A IMINT (imagery intelligence), que abrange fotografias, lâminas microscópicas de amostras histológicas ou agentes infecciosos, radiografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e outros métodos de diagnóstico por imagem, também é importante para a intervenção em saúde.
A MASINT (measurement and signature intelligence) é utilizada para verificar a autenticidade de relatórios, comunicações e registos, através da mensuração de parâmetros biométricos e assinaturas. A OSINT (open source intelligence) compreende informações provenientes de fontes abertas, como a internet, redes sociais, documentos oficiais públicos (por exemplo, boletins da Direção-Geral da Saúde – DGS e da Organização Mundial da Saúde – OMS), revistas científicas, relatórios de entidades oficiais e bibliotecas virtuais. As informações obtidas por meio da OSINT requerem validação criteriosa.
A combinação estratégica destas fontes de informação é fundamental para atingir os objetivos da saúde pública. A otimização dos sistemas de informação em saúde e a seleção rigorosa das fontes contribuem para a melhoria dos ciclos de informação. Em consequência, sistemas de intelligence eficazes podem fornecer informações que norteiam a tomada de decisões.
A intelligence epidemiológica é um processo essencial em saúde pública que envolve a deteção, filtragem, verificação, análise, validação e investigação de eventos que representam ameaças à saúde pública, tanto em contextos de surtos quanto em pandemias. O objetivo da intelligence epidemiológica é produzir informações detalhadas e oportunas sobre situações relevantes para a saúde pública, que exigem intervenções coordenadas e articuladas entre autoridades sanitárias de diversos países. Possui duas componentes principais: a vigilância de saúde baseada em indicadores de saúde (que envolve a recolha, análise e interpretação de dados de sistemas de vigilância epidemiológica) e a vigilância baseada em eventos (que envolve a identificação, filtragem e verificação de eventos que podem representar um risco para a saúde pública).
A inteligência artificial (IA) tem o potencial de aprimorar e acelerar o processo de intelligence, gerando resultados e intervenções cada vez mais rápidas.
Ao analisar grandes volumes de dados em tempo real, incluindo dados de pandemias anteriores, a IA pode identificar padrões que indicam o início de um surto numa determinada localidade, mesmo antes que os sintomas sejam detetados por profissionais de saúde, através do processamento de linguagem natural em redes sociais.
Através de técnicas de machine learning e modelos matemáticos, a IA consegue integrar dados demográficos, informações de processos clínicos, padrões de deslocamento populacional, informações de localização de dispositivos móveis, dados sobre eventos com aglomeração de pessoas e informações climáticas, obtendo uma visão abrangente dos indicadores de saúde e determinando com precisão as áreas de propagação de agentes infecciosos.
Ao analisar padrões, os algoritmos de IA podem identificar zonas de alto risco, trajetórias de propagação e velocidade de contágio. Com base nessas análises, é possível fornecer informações para a preparação de instituições de saúde, a implementação de medidas preventivas e de contenção, e a alocação eficiente de recursos humanos e logísticos.
Ao analisar dados e comportamentos populacionais, os algoritmos de IA podem identificar grupos de risco e desenvolver campanhas de saúde pública personalizadas, segmentadas por características como etnia, faixa etária e gênero, otimizando os processos de comunicação.
Para que a IA possa trazer benefícios na identificação, prevenção e controle de surtos, epidemias e pandemias, a qualidade, a representatividade e a integração dos dados fornecidos e pesquisados são fundamentais para os resultados do modelo.
Contudo, a aplicação da IA na saúde pública apresenta desafios éticos significativos.
O processamento de dados sensíveis exige a implementação de medidas de segurança para proteger a privacidade dos indivíduos. A transparência e a explicabilidade dos algoritmos são essenciais para manter a confiança, garantindo que os utentes/doentes compreendam o uso da IA e consintam de forma livre e informada. A autonomia e a responsabilidade profissional também são cruciais, sendo imperativo que os profissionais de saúde utilizem a IA, como uma ferramenta complementar, à sua com inteligência natural e analógica, para tomar decisões.
Para mitigar os desafios éticos, é necessária uma cooperação interdisciplinar que inclua profissionais de saúde, investigadores, especialistas em tecnologia, legisladores e especialistas em ética.
A gestão da informação subsidia a tomada de decisões, mas a análise criteriosa dos resultados é essencial. Neste sentido, os profissionais de saúde devem desenvolver a literacia digital para interpretar e identificar informações úteis.
Num mundo cada vez mais interconectado, a inteligência artificial, aliada à intelligence epidemiológica, não é apenas uma ferramenta, mas um imperativo estratégico para antecipar, mitigar e, em última instância, vencer a batalha contra as pandemias que sempre ameaçaram a saúde da Humanidade.

Referências
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