Neste artigo, analisa-se o papel das Parcerias Público-Privadas (PPP) no sistema de saúde português, reconhecido internacionalmente pela sua eficácia face ao contexto económico nacional. Discutem-se as formas existentes de PPP, desde farmácias comunitárias até PPP hospitalares complexas, destacando resultados positivos e desafios atuais, como a escassez de profissionais e o aumento de custos operacionais.
Introdução: A Saúde é um bem essencial para um país mais justo e equilibrado, um eixo fundamental para a equidade social. O Sistema de Saúde Português é considerado um caso de sucesso internacional no que respeita ao desempenho na Saúde, o que, comparando com o seu contexto económico, é notável.
O Sistema de Saúde Português é referenciado como exemplo em termos de cobertura universal e equidade no acesso, tendo sido classificado como o 12º melhor sistema de saúde do mundo pela Organização Mundial de Saúde em 2000, mantendo-se com um índice de cobertura entre os 20 melhores do mundo em 2023. Comparando com a sua economia, com um PIB per capita classificado no 45º lugar do mundo em 2023 pelo Fundo Monetário Internacional, se o nível de desempenho da economia portuguesa fosse comparável ao dos serviços de saúde à população, o país estaria entre os mais competitivos do mundo.
O Conceito de Parceria Público-Privada na Saúde
Muito se discute sobre a existência de Parcerias Público-Privadas (PPP) na Saúde em Portugal e sobre se as mesmas acrescentam valor aos serviços públicos de Saúde. Na realidade, numa perspetiva abrangente, o conceito de Parceria Público-Privada como uma colaboração entre o setor público e o privado na prestação de serviços de interesse público, financiados total ou parcialmente pelo Estado, as farmácias e o setor convencionado (como clínicas privadas e laboratórios de análises clínicas convencionados) são formas mais simples ou até informais de PPP (Observatório Português dos Sistemas de Saúde, 2022).
Financiamento e Funcionamento: Estas PPP têm um financiamento misto, coberto pelo Estado, uma prestação de serviços pública por entidades privadas e uma responsabilidade partilhada em que o Estado regula, fiscaliza e comparticipa financeiramente, sendo as entidades privadas responsáveis pela gestão operacional dos serviços e infraestruturas.
Modelos Simples de PPP: Apesar das diferenças, fatores contextuais concorrem para que estas PPP sejam úteis e efetivas na prestação de serviços às comunidades, muito pelo seu ecossistema ser quase exclusivamente concretizado neste modelo, existindo uma concorrência leal entre todas para a prestação do serviço aos cidadãos. São também estruturas menos complexas que as grandes PPP hospitalares ou das recentemente abordadas PPP de unidades locais de saúde. Reconhecendo que, num modelo concorrencial para uma prestação de serviços similares e que concorrem pelos mesmos recursos e pelos mesmos clientes, as farmácias e o setor convencionado das clínicas e laboratórios de análises clínicas apresentam-se robustos e permitem um bom nível de acesso a estes serviços pela população.
PPP Hospitalares – Histórico e Resultados
No caso das PPP hospitalares, em Portugal estas surgiram como uma resposta à necessidade de modernizar infraestruturas e melhorar a eficiência dos serviços prestados. Repare-se que todas as PPP da Saúde realizadas em Portugal tiveram como pressuposto uma construção e uma gestão clínica, o que levou a que tenham iniciado ou exercido a sua gestão clínica em condições ótimas para a prestação e em organizações otimizadas para a atividade clínica. Acresce a esta situação que todos os equipamentos pesados destas unidades estiveram durante o seu ciclo de vida útil em atividade, com baixos custos de manutenção e de investimento para a sua substituição.
Impacto Económico e Operacional: As PPP da Saúde foram, durante os seus contratos, consideradas mais eficientes que os hospitais comparáveis e de dimensão semelhante, em particular a eficiência financeira e operacional (Tribunal de Contas, 2021). No que respeita aos custos por doente padrão, estes foram inferiores aos hospitais de dimensões similares, sendo estes resultados particularmente relevantes a partir de 2015, quando medidas políticas tiveram como consequência um aumento significativo dos custos operacionais dos hospitais comparáveis, nomeadamente com a redução do horário semanal na função pública para 35 horas semanais, o descanso compensatório para os médicos e as negociações sindicais que levaram a aumentos generalizados de despesa nos hospitais públicos, o que levou a um aumento de custos e ao aumento de recurso a horas extraordinárias, que levaram a aumentos não previstos nos orçamentos da saúde e contribuíram e continuam a contribuir para uma apresentação de contas negativas para as organizações de saúde públicas.
Infraestruturas e Equipamentos: No âmbito das PPP da Saúde foram ainda garantidas as condições de manutenção das infraestruturas hospitalares para um período de 30 anos, que não é enquadrado nos custos da gestão clínica das PPP e que podem também ter levado a custos por doente padrão mais reduzidos, algo que nas instituições públicas tem de ser garantido e que, pelas condições de degradação de muitas das estruturas, requerem fortes investimentos.
Avaliação e Limitações: Considerando estas diferenças, as PPP hospitalares conseguiram apresentar resultados positivos no que respeita aos sistemas de avaliação de desempenho disponíveis, estando em nível similar aos restantes hospitais e, em alguns casos, com resultados superiores, ainda que maioritariamente autorreportados, nomeadamente no SINAS da Entidade Reguladora da Saúde.
De forma geral, as PPP hospitalares na Saúde revelaram-se úteis no contexto e situação em que foram lançadas, sendo que terão tido custos inferiores a hospitais de dimensão similar durante o seu período contratual, ainda que as comparações tenham múltiplas limitações, nomeadamente relativas aos resultados financeiros para as entidades privadas, cujos resultados financeiros das PPP não estão disponíveis para análise, sendo reportados publicamente os resultados globais dos operadores privados.
Desafios atuais e as Novas PPP
Na atualidade, propõe-se a criação de PPP para a região de Lisboa, onde a carência de profissionais de saúde, nomeadamente médicos e enfermeiros, é muito evidente, e para Braga, onde, genericamente, existe maior abundância de profissionais de saúde médicos. O atual contexto é muito diferente daquele que existia quando foram desenvolvidas as últimas PPP, numa fase em que existia um mercado de trabalho com mais profissionais disponíveis, com um setor privado em crescimento e a pretender aumentar a sua escala para cativar mais clientes.
Existem várias condicionantes que podem levar a um desinteresse do setor privado português da Saúde em regressar às PPP e que também podem limitar o seu sucesso.
No presente, existe um mercado de trabalho em que os salários dos profissionais médicos e enfermeiros aumentaram significativamente e, no caso dos enfermeiros, os salários de entrada na carreira já concorrem com o setor privado. Acresce que estes profissionais escasseiam no mercado e, na região de Lisboa, tanto o setor público como o privado têm dificuldades na sua contratação, o que levará a que, para uma PPP conseguir contratar, os salários tenham de ser aumentados e atualizados.
Concretizando a intenção de entregar várias ULS para PPP, os recursos que estas terão de contratar apenas poderão provir dos próprios quadros dos operadores que ficam com a PPP, que poderão ser insuficientes para garantir a atividade destas unidades ou das unidades públicas adjacentes, transferindo o problema da carência de recursos para outra unidade pública, o que pode não beneficiar a população. Esta situação manterá as desigualdades e pode não concretizar o propósito que se pretende atingir de servir mais e melhor a população.
Outra situação a considerar neste processo é que as PPP poderão ter conflitos de interesse por também possuírem oferta privada na mesma região, cuja procura depende em parte da falta de capacidade de resposta do setor público. Num contexto de melhoria da resposta, as próprias unidades privadas podem perder clientes, criando uma tensão entre o interesse público de garantir melhores cuidados na PPP e o interesse privado em manter ou aumentar a sua carteira de clientes particulares.
Em acréscimo a estas situações, as PPP beneficiaram, durante os seus 10 anos de gestão clínica, do ciclo de vida útil de infraestruturas e equipamentos hospitalares. Esta situação, que permitiu uma gestão com vantagens competitivas em termos de custos operacionais, já não irá ocorrer nas novas PPP, em que os equipamentos irão necessitar de investimentos para otimizar processos e cujas infraestruturas, ainda que em alguns casos ainda estejam na garantia de manutenção de 30 anos da PPP de construção dos edifícios na componente hospitalar, o mesmo já não ocorre nas infraestruturas dos Cuidados de Saúde Primários, nem em hospitais que não têm esta garantia. Isto significa que, no processo de parceria, os custos serão necessariamente maiores e que o financiamento, para ser interessante, terá também de o ser.
Um outro elemento que deverá ser considerado neste processo é que as Unidades Locais de Saúde são responsáveis pelo pagamento das vacinas que são administradas no seu território por entidades privadas e também têm a responsabilidade financeira pela atividade convencionada prescrita pelos seus profissionais, o que leva a que estes custos também sejam de considerar nas parcerias público-privadas, custos estes de difícil controlo pela entidade privada, o que pode limitar a sua capacidade de gestão.
De uma forma objetiva, as PPP na área da Saúde são diariamente elos essenciais para o setor da Saúde, nomeadamente as Farmácias Comunitárias, o setor convencionado e o próprio setor privado quando prescreve fármacos que têm comparticipação do Estado, na medida em que o Estado financia a prescrição privada, permitindo resolver problemas que muitas vezes poderiam acabar num setor público que não tem capacidade de resposta para todas as situações.
As PPP hospitalares revelaram-se úteis para garantir uma resposta à população aquando da criação de novas unidades hospitalares, com ganhos de eficiência pela sua flexibilidade de gestão, quer pelas condições ótimas em que estas unidades exerceram a sua atividade durante a gestão clínica privada. Do ponto de vista do operador privado, desconhece-se se as PPP apresentaram resultados financeiros positivos, pelo que este será sempre um fator a condicionar novas PPP. No caso do setor público, estas revelaram-se positivas por apresentarem custos controlados com um bom nível de serviço ao cidadão.
As novas PPP em ULS serão um desafio muito mais significativo na medida em que implicarão grandes mudanças nos processos gestionários, aumento de custos por via do atual mercado de trabalho e as mesmas poderão concorrer pelos mesmos clientes do mercado privado, o que poderá, no limite, levar a um desinteresse das mesmas, exceto se o financiamento for suficientemente elevado para suportar todas as novas despesas que não eram suportadas nos modelos anteriores, o que pode significar financiamentos superiores aos das atuais Unidades Locais de Saúde, cuja carência de recursos humanos se traduz em financiamentos inferiores àqueles que teriam se tivessem plenitude de profissionais.
O desafio de novas PPP para o Estado passará sempre por garantir como se irá conseguir melhorar os serviços à população, atribuir equipas de família a todos, manter serviços totalmente operacionais e com um bom nível de resposta, incluindo todas as responsabilidades das atuais ULS, sem que isso prejudique os serviços públicos adjacentes, a um custo aceitável e equiparável às ULS de características similares. No caso dos operadores privados, os principais desafios serão como obter esta resposta com um lucro adequado para os acionistas e que não prejudique a sua carteira de clientes, mantendo o seu crescimento no mercado privado, sendo a sua grande questão se realmente será útil regressar às PPP. Estes desafios serão fundamentais para que as novas PPP em ULS possam vir a existir e permitir melhorar os cuidados nas regiões onde se encontram.
O sucesso das futuras PPP dependerá da capacidade do Estado em garantir melhores serviços de saúde com custos controlados e do setor privado em assegurar rentabilidade sem comprometer o mercado existente. Será necessário acompanhar como as partes se posicionarão, garantindo uma utilização eficiente dos recursos públicos para beneficiar todos os cidadãos portugueses.
Referências:
- Organização Mundial da Saúde (OMS), Relatório de Cobertura Universal, 2023.
- Fundo Monetário Internacional (FMI), Relatório Anual, 2023.
- Observatório Português dos Sistemas de Saúde, Relatório Anual, 2022.
- Tribunal de Contas, Relatório sobre as PPP na Saúde, 2021.
- Entidade Reguladora da Saúde (ERS), Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS), 2022.
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