A empreitada para reconverter o antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, num centro de apoio à covid-19, foi motivada pelo contexto pandémico e a necessidade de instalações hospitalares, mas a obra, que tinha como orçamento inicial cerca de 750 mil euros acabou a custar 3,2 milhões.
Eis uma cronologia dos principais acontecimentos desde 2020 até hoje:
2020
24 junho 2020
Numa audição parlamentar na comissão de Defesa, João Gomes Cravinho é questionado sobre a “derrapagem” dos custos da reabilitação do antigo Hospital Militar de Belém, noticiado pelo Diário de Notícias dois dias antes, em 22 de junho, que dava conta que o custo estaria entre os 1,5 e os dois milhões de euros.
Questionado pela deputada Ana Miguel Santos, do PSD, Cravinho adiantou que a tutela estava a “fazer o levantamento” das verbas utilizadas.
“Em meados de março quando dei instruções para que se ativasse essa estrutura, (…) o despacho que eu escrevi naquela altura dizia que era urgente ativar a infraestrutura por modo a que pudesse receber infetados covid-19 que não requeressem tratamentos hospitalares intensivos. E que se deveria utilizar as verbas necessárias apenas para esse efeito”, disse.
07 de outubro 2020
João Gomes Cravinho é ouvido mais uma vez no parlamento, no âmbito de novas notícias e adianta que pediu, em 24 de julho, à Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) uma auditoria à “derrapagem” do custo da requalificação do hospital, indicando que face aos resultados seriam tiradas as “devidas consequências”.
“Se, perante este cenário, eu envio matéria para a IGDN é porque há perguntas para as quais eu não tenho resposta, e quero ter essa resposta”, para esclarecer o parlamento e “outras entidades que possam estar interessadas”, acrescentou.
Gomes Cravinho assinalou que houve “um desvio muito significativo em relação à estimativa inicial”, que “tinha sido de 750 mil euros mais IVA”.
No entanto, segundo o ministro, a intervenção em questão não tinha sido dinheiro perdido porque tinha permitido uma “valorização do ativo que é superior ao que inicialmente estava previsto”, e criado “uma infraestrutura renovada”, que estava “devoluta há quase uma década”, e que “será aproveitada em benefício dos portugueses”.
Na mesma ocasião, o ministro reforçou a ideia de que, “no futuro mais longínquo”, o Hospital Militar de Belém passaria a ser uma infraestrutura destinada a “cuidados continuados” que iria surgir após a “negociação devida” com a Santa Casa da Misericórdia e a Câmara Municipal de Lisboa (CML).
2021
07 de abril 2021
A TSF avança que o relatório da auditoria pedida pelo Ministério da Defesa sobre a requalificação do antigo Hospital Militar de Belém, feita pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional, conclui que "os atos e procedimentos administrativos e financeiros auditados denotam inconformidades legais".
De acordo com o texto citado o relatório dava conta de uma “falta de evidência do pedido expresso à tutela para autorizar a despesa (...) e consequente ausência de competência por parte do Diretor-geral da DGRDN [Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, na altura Alberto Coelho] para autorizar a despesa, escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação".
Em resposta à TSF, o ministério adiantou que tinha enviado o relatório ao Tribunal de Contas, após recomendação da IGDN.
O diretor-geral visado nesta auditoria era Alberto Coelho. Em fevereiro desse ano, no parlamento, Gomes Cravinho tinha justificado a substituição de Alberto Coelho na DGRDN com as necessidades de um "olhar e abordagens novos" e negou tratar-se de uma exoneração do anterior responsável.
07 de julho 2021
Cravinho admite desclassificar o relatório sobre a execução dos contratos da requalificação do antigo Hospital Militar de Belém, acrescentando que vai aguardar pela análise do Tribunal de Contas.
Quanto a Alberto Coelho – que após a saída da DGRDN tinha sido nomeado para presidente do conselho de administração da ETI – Empordef Tecnologias de Informação, Gomes Cravinho salientou as “quatro décadas de experiência” na área da Defesa e sustentou que foi proposta a nomeação já que “os desafios que essa empresa tem e as qualidades que Alberto Coelho traz são adequados um para o outro” e, nessa medida, “o que está a ser defendido e promovido é a defesa do interesse público”.
15 de julho 2021
A Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) desclassifica o relatório da auditoria ao concluir que a classificação estava limitada pelo “tempo estritamente necessário”.
17 de agosto 2021
O Ministério da Defesa anuncia que enviou ao Ministério Público a auditoria da Inspeção-Geral de Defesa, na altura já em análise pelo Tribunal de Contas.
O Governo decide manter o antigo Hospital Militar de Belém sob o domínio das Forças Armadas e o ministro vinca que o objetivo de estabelecer uma unidade de cuidados continuados neste hospital se mantém, negando qualquer recuo e apontando que tal só era possível mantendo o imóvel na esfera militar.
24 de novembro 2021
O então presidente da idD Portugal Defence, Marco Capitão Ferreira, (e atual secretário de Estado da Defesa Nacional), numa audição parlamentar, afasta as polémicas relativas a algumas nomeações para empresas na área das indústrias da Defesa, apontando que os quadros neste setor “não abundam”.
Uma dessas polémicas, à data, era a nomeação de Alberto Coelho para a Empordef.
Segundo Marco Capitão Ferreira, era “imprescindível” que se pudesse contar com “pessoas que à partida conhecem o setor porque elas mais depressa acrescentam valor”.
2022
02 de abril de 2022
Alberto Coelho é alvo de um procedimento por eventual infração financeira relacionada com a derrapagem no custo das obras de requalificação do antigo Hospital Militar de Belém.
“Tendo a auditoria em causa sido transmitida ao Ministério Público junto do Tribunal de Contas, este, após apreciação, interpôs ação para a efetivação de responsabilidade financeira”, esclareceu a PGR.
28 de abril de 2022
A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma a existência de um inquérito-crime à gestão da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional durante a liderança de Alberto Coelho.
Em resposta a perguntas da agência Lusa, o ministério da Defesa – entretanto tutelado por Helena Carreiras, com a transição de João Gomes Cravinho para os Negócios Estrangeiros - adianta que o presidente da Empordef tinha terminado o seu mandato em dezembro de 2021 e pretendia solicitar a aposentação, aguardando uma Assembleia Geral eletiva.
Alberto Coelho acabaria por ficar na Empordef até 31 de julho de 2022.
Quanto à sua escolha para presidir à Empordef, em 2021, numa altura em que o seu nome já estava envolvo em polémica, o ministério da Defesa recusou que tenha havido uma nomeação governamental, afirmando que "os membros dos órgãos sociais de empresas públicas não são nomeados nem exonerados pelos membros do Governo".
10 de junho 2022
Alberto Coelho aceita pagar voluntariamente a multa de 15.300 euros na ação instaurada no Tribunal de Contas sobre a derrapagem na requalificação do Hospital Militar de Belém.
06 de dezembro 2022
A Polícia Judiciária (PJ), em coordenação com o Ministério Público (MP), desencadeia a Operação “Tempestade Perfeita” que resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos.
Fonte ligada à investigação confirmou à Lusa que o ex-diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) Alberto Coelho, o diretor de Serviços de Infraestruturas e Património, Francisco Marques, e o ex-diretor da Gestão Financeira do Ministério da Defesa Nacional Paulo Branco são os três altos quadros da Defesa detidos pelas autoridades.
O Ministério da Defesa Nacional confirmou nesse dia a presença da PJ e do MP nas suas instalações, na Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, no âmbito de averiguações a atos praticados entre 2018 e 2021.
A operação designada "Tempestade Perfeita", de acordo com a PJ, é "uma investigação criminal cujo objeto visa apurar da eventual prática, entre o mais, de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento, ilícitos relacionados com adjudicações efetuadas, por parte de organismo da Administração Central, a diversas empresas, as quais lesaram o Estado português em muitos milhares de euros".
20 de dezembro de 2022
Num debate de urgência no parlamento, requerido pelo Chega, Gomes Cravinho garante que não autorizou um aumento de despesa além dos 750 mil euros inicialmente previstos para a requalificação do antigo Hospital Militar de Belém quando tutelava a Defesa.
“Se eu autorizei algum acréscimo de despesa para além dos 750 mil euros? Não, a resposta é não, não autorizei, nem aliás me foi solicitado que autorizasse”, assegurou.
O ministro faz ainda uma cronologia dos acontecimentos, considerando que fez “exatamente aquilo que devia fazer”.
Cravinho sublinhou que, “no início da pandemia, em 19 de março de 2020, em apoio ao ministério da Saúde”, deu instruções para se “avançar com obras no antigo Hospital Militar de Belém”.
Na altura, continuou, tinha-se calculado que o custo da obra “rondaria os 750 mil euros mais IVA, ou seja, cerca de 920 mil euros”.
Cravinho referiu que, “em junho e julho de 2020, o então secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches, que tinha delegações de competência em matéria de património, procurou, no âmbito das suas funções, receber informações sobre os custos e procedimentos relacionados com a obra”.
“A 22 de julho, ele enviou-me um despacho resumindo a informação recolhida e sugerindo que enviasse a matéria à Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN). Foi o que fiz, logo no dia seguinte”, garantiu.
Segundo Gomes Cravinho, após o envio desse despacho, “a auditoria da IGDN identificou um conjunto de inconformidades legais e fez diversas propostas”, designadamente que “a auditoria fosse enviada ao Tribunal de Contas”, proposta que o ministro disse ter aceitado, agindo "em conformidade".
A outra proposta da IGDN, segundo o ministro, foi que, “face à falta de competência decisória do Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRN)”, Alberto Coelho, Gomes Cravinho fizesse “um despacho de delegação de competências autorizando a despesa com retroatividade a 20 de março”, para sanar “as irregularidades administrativas” – algo que recusou fazer.
Cravinho salientou também que, “considerando as dúvidas existentes”, e numa altura em que o mandato do então diretor-geral Alberto Coelho estava a terminar, decidiu “não reconduzi-lo para o mesmo cargo”.
“Todavia, tendo em conta a sua experiência e conhecimento acumulado na área de Defesa - e, sobretudo, sem que houvesse nessa altura qualquer suspeita dolosa - considerei adequada a sua nomeação para uma empresa das indústrias da Defesa [Empordef], um processo que começou em abril de 2021, passou pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e foi concluído a 08 de junho”, referiu.
Posteriormente, “em meados de julho, surgiram notícias na comunicação social levantando suspeitas graves sobre as empresas contratadas” para as obras de requalificação do Hospital Militar de Belém, tendo Gomes Cravinho determinado “de imediato à IGDN, a 20 de julho, que fizesse uma reavaliação da sua auditoria original”.
“A reavaliação, por parte da IGDN, diz essencialmente duas coisas. Primeiro, que, em relação à auditoria inicial, ‘a matéria então identificada não apontava per si para a existência de factologia que pudesse relevar para efeitos de eventuais responsabilidades criminais’. Segundo, a IGDN propunha que, face às novas informações e à nova investigação que tinha feito, a matéria deveria ser enviada ao Ministério Público. Foi exatamente o que fiz a 16 de agosto de 2021”, garantiu.
2023
20 de janeiro
O Expresso escreve que Gomes Cravinho foi informado em março de 2020 de que o custo das obras no antigo Hospital Militar de Belém estava a derrapar. O jornal cita um ofício de 27 de março desse ano, com as obras já a decorrer, no qual o diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) terá informado o ministro sobre “trabalhos adicionais” solicitados pelo Exército, que somavam quase um milhão de euros extra.
Este ofício já tinha sido noticiado em março de 2021 pelo DN, e questionado pelo Expresso o gabinete de Gomes Cravinho remeteu para a resposta à data: “todos os documentos relevantes respeitantes a este processo constam do processo de auditoria mandado instaurar pelo MDN, desenvolvido pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) e entregue no Tribunal de Contas, na sequência do despacho do ministro da Defesa”.
23 de janeiro
Em Bruxelas, o ministro dos Negócios Estrangeiros assumiu que em março 2020, quando tutelava a Defesa, ficou “claro” que o custo das obras no antigo Hospital Militar de Belém estava a derrapar, mas rejeitou categoricamente ter mentido ao parlamento português, depois de acusações do Chega.
24 de janeiro
Numa audição na Comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Gomes Cravinho rejeitou ter dado qualquer autorização tácita ao aumento dos custos com obras no Hospital Militar de Belém, reiterando que não recebeu qualquer pedido nesse sentido.
Questionado sobre o ofício noticiado pelo DN e o Expresso, o governante salientou: “Em nenhuma circunstância se pode imaginar que isso é um pedido de autorização, em nenhuma circunstância se pode imaginar que, não dizendo nada, tacitamente está aprovado”.
O ministro alegou que os valores não estavam discriminados, referindo que “quando se faz um pedido de autorização num regime de exceção ou não, os requisitos passam por ter uma cabimentação, uma identificação de fonte de financiamento, um compromisso associado à cabimentação”, algo que, alegou, não aconteceu.
O ministro citou ainda o relatório da Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) sobre a matéria, designadamente quando refere que “não foi evidenciado na documentação disponibilizada um pedido expresso da DGRDN à tutela para autorizar a despesa ao abrigo de regime excecional de contratação pública”.
Quanto à “questão de quem autorizou”, continuou, “é uma questão que está respondida no relatório da inspeção-geral: o diretor-geral [Alberto Coelho] assumiu essa responsabilidade quando não tinha competências para o fazer”.
Sobre a nomeação de Alberto Coelho para a Empordef, Cravinho afirmou que só se colocaram questões relacionadas com a idoneidade do antigo diretor-geral de Recursos da Defesa Alberto Coelho após a sua nomeação.
02 de fevereiro
O Expresso noticia que o hospital está sem uso desde setembro, após a saída dos últimos refugiados afegãos que lá se encontravam alojados.
De acordo com o gabinete de Helena Carreiras, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) está “a rever um estudo, realizado em junho de 2022, para conferir utilidade funcional ao antigo HMB”, estando a decorrer procedimentos administrativos para a infraestrutura passar para o EMGFA ainda em fevereiro.
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