"A problemática das alterações climáticas prejudica tudo e todos, das mais diversas formas, e a doença alérgica não é excepção", começa por explicar o imunoalergologista João Gaspar Marques, da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC).
"As alterações climáticas promovem uma série de eventos que englobam o aumento da temperatura global e promovem ainda a poluição do ar exterior, contribuindo para eventos climáticos extremos e épocas polínicas ainda mais alargadas", acrescenta.
Todos os anos a World Allergy Organization elege um tema relacionado com a patologia alérgica que merece especial atenção, tanto por parte dos profissionais de saúde, como por parte das populações. Em 2023, o tópico que suscita particular preocupação é o impacto das alterações climáticas no desenvolvimento e agravamento das doenças alérgicas. Se, à primeira vista, lhe parece uma relação pouco provável, o especialista João Gaspar Marques explica-lhe por que outros motivos deve estar preparado.
Outra repercussão indireta "são os efeitos dos gases com efeito de estufa na estrutura dos pólenes, o que agrava a frequência e a gravidade da asma e da rinite alérgica", indica. Para além disso, está demonstrado que, em termos epidemiológicos, a exposição a poluição atmosférica se associa à sensibilização a alergénios inalados e a alergénios alimentares, bem como a um aumento na prevalência de dermatite atópica.
O aumento da temperatura global em associação com as alterações climáticas modificou a duração das épocas polínicas, os períodos de libertação dos pólenes, a quantidade de pólenes produzidos e, em alguns casos, a sua própria composição aumentando o potencial para causar alergias.
Pólenes e fenómenos atmosféricos nocivos
Mudanças nos padrões de precipitação, furacões e ventos mais fortes podem expandir o alcance das espécies de pólenes na atmosfera, transportando espécies de pólenes não nativas para diferentes regiões, potencialmente sensibilizando populações suscetíveis em áreas habitualmente não atingidas. As alterações climáticas contribuíram para o aumento da produção de vários alergénios inalados e alterações na sua distribuição geográfica. As mudanças nas épocas polínicas devidas às alterações climáticas prolongarão a exposição humana a pólenes. As mudanças a longo prazo modificarão inclusivamente as espécies vegetais existentes nas várias zonas do nosso planeta, podendo aumentar o risco de alergia aos pólenes.
Um outro aspeto que pode ser relevante e associado às alterações climáticas são os fogos florestais. Estes eventos são cada vez mais frequentes e associam-se a má qualidade do ar, com efeitos multissistémicos em termos de inflamação, nomeadamente das vias aéreas, assevera o médico.
Adicionalmente, as tempestades de poeiras do Sahara, que são cada vez mais frequentes e extensas com as alterações climáticas, associam-se a má saúde respiratória, idas à urgência por asma e aumento de mortalidade devida a causas respiratórias. Outras alterações potencialmente relavantes são as tempestades, ciclones e inundações associadas. As mudanças provocadas no ar interior por estes fenómenos podem propiciar o desenvolvimento de fungos e ácaros do pó doméstico que se associam com o aumento da frequência e gravidade da doença alérgica respiratória.
As mudanças na temperatura, poluição do ar e eventos climáticos extremos exercem efeitos multissistémicos adversos à saúde e afetam desproporcionalmente as populações desfavorecidas e vulneráveis, muitas vezes expostas a pior qualidade do ar, agravando ainda mais as desigualdades sociais. Adicionalmente, grupos potencialmente mais vulneráveis, nomeadamente as crianças e os idosos, são ainda mais vulneráveis aos efeitos terrivelmente nefastos das alterações climáticas.
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