O desafio lançado por Carlos Cortes surge no dia em que a Ordem dos Médicos divulgou os resultados do Inquérito de Satisfação do Internato Médico 2022, promovido pelo Conselho Nacional do Médico Interno, que revela que a maioria dos internos está satisfeita com o internato, mas lamenta a ausência no horário laboral de tempo para o estudo autónomo e o pouco apoio financeiro para participação em atividades formativas.

Comentando à agência Lusa os resultados do estudo, o bastonário da Ordem dos Médicos realçou, conjugando com o que conhece e vê no terreno, a “necessidade de um tempo protegido” para os médicos internos estudarem, o que não existe, mas também para os seus orientadores de formação.

Segundo o bastonário, a pressão assistencial, que “é um pilar” dos hospitais e dos centros de saúde, impede muitas vezes esse tempo de formação e os internos que são colocados em hospitais são muitas vezes desviados de “forma incorreta” para outras instituições para “taparem buracos de escalas”.

Adiantou que já denunciou “algo absolutamente inacreditável” que aconteceu nos últimos meses: internos que estavam fazer o seu estágio num determinado hospital do país foram chamados para irem fazer uma noite de urgência noutro hospital, numa distância de 300 a 400 quilómetros, porque faltavam médicos para completar a escala.

“Há um desrespeito do Ministério da Saúde que acaba depois por se alastrar aos dirigentes intermédios ou aos conselhos de administração dos hospitais e um médico interno é sempre alguém mais frágil, com menos capacidade de reivindicar, porque está num período de avaliação e muitas vezes eles têm de se sujeitar, mas sujeitam-se a situações completamente injustas e, obviamente, que isso não pode ser”, vincou.

No seu entender, é fundamental que as instituições valorizem a formação médica, proporcionem melhores condições aos internos e que não os usem apenas para resolver as insuficiências nas escalas.

Outro aspeto destacado por Carlos Cortes, que disse já ter transmitido ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, é “a obrigação que o Estado tem de financiar as ações de formação dos médicos internos”, lembrando que têm vencimentos mais baixos e necessidades formativas “muito maiores”, que obrigam, por exemplo, a estágios noutros locais, inclusivamente no estrangeiro.

“O Estado e os hospitais não têm dado esse apoio e esta insuficiência vai ser alvo, já tem sido, de intervenções da Ordem dos médicos junto do Ministério da Saúde” que, defendeu, “tem de apostar, tem de priorizar estas questões da formação, nomeadamente em termos de apoio financeiro para estas formações”.

Carlos Cortes manifestou também preocupação com a classificação da especialidade de Medicina Interna, “pilar da resposta em termos de cuidados de saúde do país”, que é a que reúne mais insatisfação por parte dos internos, porque sentem que é a especialidade onde há “menos condições para desenvolverem a sua formação”.

Segundo o estudo, entre 44 especialidades, a Medicina Interna surge no fim da lista de satisfação dos inquiridos, sendo a única que tem uma classificação abaixo dos 3,5 numa escala de 1 a 5.

Para o bastonário, não se trata apenas de um problema para a formação dos internos, mas sim de um problema para o país.

Avisou que esta especialidade está a perder recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde, considerando ser “inédito o que tem acontecido nestes últimos anos”, em que muitas vagas ficam por ocupar, “o que reflete o desinvestimento” do Ministério da Saúde nesta “especialidade de linha de frente”.

Advertiu ainda que, se nada for feito, o SNS vai ter cada vez mais dificuldade em captar e fixar estes médicos.

“Quero lembrar que o ministro da Saúde é internista, portanto, ele muito melhor do que eu sabe quais são as dificuldades desta especialidade e aquilo que me incomoda neste momento é esta inanição, esta incapacidade de dar as condições a esta especialidade para continuar a fazer o belíssimo trabalho que tem feito e, por causa disso, os médicos internistas estão desmotivados e saem do Serviço Nacional de saúde”, declarou.