O cancro do pulmão é um dos tipos de cancro mais comum e com maior taxa de mortalidade em todo o mundo. Em Portugal, estima-se que ocorram 4 mil novos casos por cada ano, o que representa 11,4% dos tumores entre os homens (3 mil casos) e 4,2% entre as mulheres (mil casos).

A deteção precoce é bastante importante, mas dificultada pelo facto de, muitas vezes, os sinais e sintomas tardarem anos a desenvolver-se e só se manifestarem num estadio avançado da doença. No entanto, a cada vez maior aposta na investigação científica nesta área e a melhoria substancial ao nível do diagnóstico e tratamentos nas últimas décadas, tem permitido um aumento significativo da sobrevida destes doentes.

Por que motivo o cancro do pulmão é ainda um dos que mais mata, em Portugal e no mundo?

O cancro do pulmão é um dos tipos de cancro mais comuns, ultrapassado apenas pela mama, na mulher, pela próstata, no homem, e em Portugal ainda também excedido pelo cólon. É, contudo, o mais fatal. Existem 3 razões fundamentais para que isto se suceda. Em primeiro, ao contrário dos tipos de cancro mencionados, não existe uma estratégia nacional de deteção precoce para tumores do pulmão, pelo que estes são habitualmente diagnosticados em fases mais avançadas da doença. Em segundo lugar, porque o cancro do pulmão inicia-se e evolui de forma silenciosa até muito tarde, pelo que quando surgem os primeiros sintomas, é habitualmente demasiado tarde para oferecer um tratamento curativo. Por último, o pulmão é um órgão vital, de função insubstituível. Embora dramático, uma mulher consegue viver (talvez sobreviver) sem mama, e o homem sem próstata, mas nem um nem outro sobrevivem facilmente sem pulmões normalmente funcionantes.

Quais são os sintomas mais menosprezados pelos doentes? E os que devem fazer alguém procurar um médico?

De forma semelhante a qualquer outro tipo de doença oncológica, são frequentes os sintomas gerais, também designados como constitucionais, particularmente em casos de doença avançada. Estes incluem a perda de apetite, emagrecimento involuntário, fraqueza geral e cansaço. Geralmente os sintomas evoluem ao longo de várias semanas ou meses, e são facilmente desvalorizados. O cansaço é facilmente atribuível ao trabalho excessivo, ou a noites mal dormidas, tal como o emagrecimento poderia até ser desejado em alguém com excesso de peso. Este tipo de queixas devem motivar a avaliação por um médico para o seu esclarecimento e, felizmente, na maioria dos casos são provocadas por doenças benignas, como a disfunção da tiróide, entre outras, e não é diagnosticado nenhum cancro. Os sintomas precoces são incomuns, mas existe um em particular que deve fazer soar um alerta, que é a expectoração com sangue, ou a hemoptise, em termos médicos. A tosse é também frequente, mas pode ser causada por uma multiplicidade de situações, como uma vulgar constipação, ou bronquite. No doente fumador, que tenha uma pneumonia, é também importante reavaliar com uma radiografia do tórax semanas depois de ter completado o antibiótico, para verificar se a consolidação do pulmão “limpou” completamente, ou se subjacente a esta não estará uma lesão que bloqueia total ou parcialmente um brônquio.

Quais os principais fatores de risco?

Toda a gente sabe, não adianta sequer refutar, que o tabaco é o principal fator de risco para o desenvolvimento de um tumor no pulmão. Quase todos os nossos doentes (>85-90%, de acordo com os dados oficiais) são, ou foram em alguma fase da sua vida, fumadores. É evidente que nem todos os fumadores terão cancro do pulmão (porventura, terão outras complicações), e que há pessoas que nunca fumaram que são diagnosticados com cancro do pulmão (15% dos homens e cerca de 50% das mulheres com este diagnóstico são não fumadores). Mas é factual que cancro do pulmão era relativamente raro até que o consumo de tabaco na forma de cigarros se ter generalizado em todo o Mundo. Outros fatores de risco não controláveis incluem a idade, a história familiar e a suscetibilidade genética, e os potencialmente modificáveis incluem a exposição ambiental a fumo de combustão, poluição e outras partículas inaladas que são tóxicas para o pulmão.

médico Helder Novais e Bastos, Pneumologista do Hospital São João e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Helder Novais e Bastos, médico e pneumologista no Hospital São João

Como se pode diagnosticar mais precocemente o cancro do pulmão?

O método de eleição para diagnosticar o cancro do pulmão na fase mais precoce e curável é através de uma tomografia computadorizada (TAC) do tórax. É um exame muito mais disponível nos dias de hoje, mas a sua requisição deve obedecer a critérios, guiados pela idade, carga de hábitos tabágicos, história familiar e sintomas. O rigor na sua prescrição permite atenuar o desperdício de gastos em saúde, e evitar a exposição desnecessária a radiação, que pode trazer efeitos nefastos a longo prazo. Existem estudos, com evidência científica robusta, sobre o papel da TAC torácica de baixa dose de radiação na deteção de nódulos pulmonares em doentes selecionados de acordo com critérios bem definidos. O primeiro país a avançar com um rastreio de âmbito nacional foram os EUA, seguindo-se pouco tempo depois a China. Na Europa, existem iniciativas de rastreio locais nos Países Baixos e no Reino Unido. Entretanto, a European Respiratory Society e a European Society of Radiology juntaram esforços para empreender contactos ao nível das instâncias políticas Europeias para implementar programas de rastreio nacionais em toda a comunidade de países que compõem a União Europeia. Enquanto se aguardam mais desenvolvimentos sobre este tema, precisamos de nos ir preparando para uma enorme pressão sobre os serviços de saúde que daí poderá advir. Mesmo que quiséssemos implementar um rastreio hoje, não estávamos minimamente preparados quer a nível técnico, quer a nível de recursos humanos, sobretudo neste momento hostil para o Sistema Nacional de Saúde que hoje presenciamos.

A vida é uma sentença de morte. Aprendo muito com os meus doentes, que conseguem lidar de forma muito sóbria com uma doença frequentemente incurável

Qual o papel da prevenção?

A prevenção é essencial para diminuir a incidência e a gravidade dos casos diagnosticados. Antes de investir num programa de rastreio, importa reforçar as campanhas de promoção de um ambiente sem tabaco e criar condições para que os fumadores que pretendam deixar de fumar tenham um acesso facilitado a uma consulta especializada em cessação tabágica. Mas creio que ainda mais importante do que tudo isto é atuar nas escolas para evitar que os jovens comecem a fumar. Se formos bem sucedidos, poderemos evitar a maioria dos casos de cancro do pulmão.

Quanto à prevenção na forma de rastreio em indivíduos fumadores, está provado que conseguimos aumentar em cerca de 4 vezes o número de doentes diagnosticados no primeiro estádio, na qual temos as melhores hipóteses de oferecer um tratamento curativo.

Qual é o percurso de um doente com cancro do pulmão desde o momento dos primeiros sintomas até ao tratamento?

Um doente sintomático deve, primeiro que tudo consultar um médico e obter uma TAC torácica. Após a análise das imagens, o Pneumologista irá planear a realização de uma biopsia e o estadiamento da doença, para determinar o diagnóstico e a extensão da doença, respetivamente. Este processo não deverá exceder, idealmente, um mês. Podem ser necessários estudos adicionais, incluindo a realização de provas de função respiratória e ecocardiograma, para avaliar as condições adequadas para uma eventual resseção tumoral por cirurgia torácica. Os casos são discutidos numa reunião multidisciplinar, onde se tomam as decisões sobre o tratamento, que incluem a cirurgia, a radioterapia, a terapêutica sistémica (quimioterapia, imunoterapia, terapêutica-alvo), ou uma combinação destas diferentes modalidades, de acordo com o doente em questão e o estádio da doença.

Que avanços se têm registado na área do cancro do pulmão e o que permitem em termos de sobrevida?

O termo da medicina personalizada entrou definitivamente no nosso léxico. Atualmente não olhamos para o cancro do pulmão como uma doença só, precisamos de o olhar à lupa, no detalhe, para distinguir as características que o tornam mais ou menos sensíveis a uma terapêutica específica. Nem tão pouco os doentes são todos iguais, muitos têm outras condições ou doenças que nos obrigam a adaptar o plano terapêutico. Hoje em dia recorremos a um painel largo de estudo genético do tumor, pesquisando mutações em genes que promovem a proliferação celular, e que nos permitem efetuar tratamento dirigido a esse alvo, com resultados clínicos muito superiores à quimioterapia convencional e, geralmente, com menos efeitos adversos graves. A terapêutica-alvo, assim designamos estes tratamentos dirigidos às mutações específicas nos tumores, revolucionaram a abordagem do cancro do pulmão metastático, oferecendo respostas com uma longevidade notável. A segunda revolução ocorreu com a chegada da imunoterapia, que hoje entra no regime terapêutico de quase todos os doentes com cancro do pulmão metastático, quer isoladamente, quer combinado com a quimioterapia, que tem em si o princípio extraordinário de aumentar a capacidade das nossas células imunitárias em combater as células tumorais. Daí resulta um efeito que pode perdurar durante anos, mesmo em doentes que suspenderam a terapêutica.

O cancro do pulmão já não é uma sentença de morte?

Esta questão deixa-me inquieto. A vida é uma sentença de morte. Aprendo muito com os meus doentes, que conseguem lidar de forma muito sóbria com uma doença frequentemente incurável. Costumo pedir-lhes que entreguem em mim as suas preocupações, nomeadamente em relação aos resultados dos exames, e que evitem pensar na doença. O meu papel, como médico, é de lhes oferecer o máximo de tempo de vida possível, com o máximo de qualidade de vida possível, e consigo fazê-lo de forma mais ou menos eficaz de acordo com características específicas do tumor e do próprio doente. Com os avanços atuais na terapêutica, pelo menos para alguns tipos de tumor, e em certos doentes, conseguimos evoluir para o paradigma do tratamento de uma doença crónica, controlável a longo prazo, em que conseguimos efetivamente modificar a causa de morte, que já não é provocada diretamente por complicações oncológicas. Essas situações são cada vez mais comuns, e a inovação terapêutica beneficia uma proporção progressivamente maior de doentes, inclusive com casos de resposta completa, isto é, desaparecimento do tumor. É uma área que está a evoluir a um ritmo alucinante, com uma transição muito rápida dos tratamentos em fase experimental, para a prática clínica real. Estamos, contudo, ainda longe de declarar que os cancros do pulmão metastáticos são curáveis. Mas podemos afirmar que há novas esperanças no horizonte.

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