As áreas dos tumores sólidos com acesso limitado ao oxigénio, uma situação dita de hipoxia, são extremamente resistentes à quimioterapia e radioterapia. Há anos que os especialistas se perguntam por que é que, em particular, a proteína supressora de tumores – a bem conhecida p53 – é ineficaz contra as células hipóxicas tumorais.

Agora, um estudo anuncia a descoberta de um mecanismo que torna a p53 ineficaz contra as células cancerosas em hipoxia, promovendo de facto a sua sobrevivência. Estes resultados poderão ter importantes implicações para o desenvolvimento de futuras terapias.

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A falta de oxigénio, ou hipoxia, é um fator de stress biológico que surge em circunstâncias diversas, tais como a cicatrização ou os acidentes vasculares cerebrais (AVC). Para reparar o tecido, o corpo possui mecanismos inatos que se ativam de forma a tornar as células dos tecidos hipóxicos mais resistentes e a ajudar na reparação dos tecidos. Um desses mecanismos é a expressão de uma proteína chamada Fator de Indução da Hipoxia (FIH), que controla vários processos, tais como a captação de glucose, o crescimento dos vasos sanguíneos e a proliferação celular.

Apesar do seu papel benéfico nalgumas doenças, o FIH também parece contribuir de forma significativa para a progressão dos cancros. Há anos que os especialistas tentam perceber por que é que a proteína supressora de tumores p53 é incapaz de interferir com o crescimento das células cancerosas nas áreas hipóxicas dos tumores sólidos. Muitos estudos têm sido realizados para tentar elucidar a relação entre a hipoxia, o FIH e a p53, mas sem resultados conclusivos. Agora, uma equipa de cientistas liderados por Rajan Gogna, do Centro Champalimaud em Lisboa, Portugal, identificou a fonte da resistência do tumor à p53.

Os seus resultados foram publicados na revista científica Nucleic Acid Research.

Centro Champalimau
Centro Champalimau Equipa de cientistas liderados por Rajan Gogna, do Centro Champalimaud em Lisboa, Portugal, identificou a fonte da resistência do tumor à p53 créditos: PATRICIA DE MELO MOREIRA

Para estudar esta questão, esta equipa multi-institucional, que inclui grupos em Portugal, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Índia e no Japão, mediu e simulou cuidadosamente a hipoxia fisiológica em tecidos humanos e analisou as alterações moleculares induzidas nesses tecidos.

Utilizando esta abordagem, a equipa revelou a resposta à pergunta que se colocava há tanto tempo: a falta de oxigénio altera a forma da p53, inibindo, portanto, a sua capacidade de desempenhar o seu papel. “A nossa análise mostrou que quando a proteína p53 é submetida à condições de hipoxia, a sua conformação muda, tornando-a incapaz de se ligar ao ADN das células cancerosas”, explica Gogna, em comunicado.

Esta constatação permitiu esclarecer a razão da ineficácia da p53 em condições de hipoxia. Mas a seguir, a equipa fez uma descoberta surpreendente: as células cancerosas hipóxicas estavam de facto a produzir grandes quantidades de p53. Este resultado inesperado levou os cientistas a aprofundarem o estudo das alterações que aconteciam nos tecidos. Observaram então que, na realidade, a forma que a p53 adota em condições de hipoxia leva esta proteína a ligar-se ao FIH e a estabilizá-lo, facilitando assim a ação do FIH em prol da sobrevivência das células cancerosas.

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“A p53 não só é incapaz de suprimir o tumor, como de facto o ajuda a gerar alterações genéticas e moleculares nas células cancerosas que promovem a sobrevivência do tumor”, diz Gogna.

Segundo o investigador, estes resultados poderão ter importantes implicações clínicas: “Dado que as áreas hipóxicas e não-hipóxicas vão responder de forma diferente à quimio e radioterapia, os clínicos poderão adaptar o seu plano terapêutico depois de terem avaliado a proporção do tumor que se encontra em hipoxia. Além disso, a observação da expressão da p53 nos tumores poderá potencialmente indicar a agressividade do tumor.”

Gogna acrescenta que esta descoberta exemplifica como um projeto de investigação básica pode fornecer resultados com implicações clínicas. “Perceber esta nova via molecular é importante para o cancro e para outras doenças relacionadas com manifestações de hipoxia crónica. Doenças tais como, a inflamação crónica do intestino, a artrite reumatoide, as lesões isquémicas, a fibrose cística (mucoviscidose), a bronquite crónica, os AVC, a psoríase, a vasculopatia diabética, a epilepsia e a hipertrofia cardíaca, entre outras.”

Por último, Gogna conclui dizendo que esta investigação poderá ter uma particular relevância na luta contra o cancro do pâncreas, uma vez que “a resistência à quimioterapia mediada pela hipoxia é umas das ameaças mais frustrantes associadas a esta doença. O nosso estudo poderá ajudar a desenvolver novos medicamentos anticancro capazes de reduzir a resistência causada por esta via molecular.”