A vacinação completa contra a COVID-19 com Pfizer-BioNTech foi apenas 39% eficaz na prevenção de infeções e 41% eficaz na prevenção de infeções sintomáticas causadas pela variante Delta de acordo com o Ministério da Saúde de Israel, valores abaixo das estimativas iniciais de 64% reveladas há duas semanas por aquele país.
Os números, baseados em dados recolhidos entre 20 de junho e 17 de julho e com base num número não especificado de pessoas, são significativamente menores do que as estimativas anteriores da eficácia da vacina contra outras variantes, que os ensaios clínicos iniciais descobriram ser de 95%.
A propósito deste tema conversámos com João Carlos Winck, médico pneumologista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e Coordenador da área da ventilação não invasiva da Sociedade Respiratória Europeia.
Esta quebra na eficácia da vacinação em relação à vacina da Pfizer deve ser vista com uma ameaça?
É algo a que temos de estar atentos. Temos visto em Portugal pessoas com a vacinação completa que ficam doentes. Quando isto acontece em pessoas jovens, o problema é pequeno. Quando acontece em pessoas debilitadas, como é o caso das pessoas que estão nos lares, isso pode provocar um aumento do recurso aos hospitais. O que precisamos de saber é se as pessoas que nós temos agora internadas nos hospitais estavam completamente vacinadas ou não. Isso pode sugerir que esta variante Delta consegue escapar mais facilmente à nossa imunidade induzida pelas vacinas face à variante anterior como se tem visto em outros países com a vacinação mais avançada.
Estes 39% de eficácia é um número muito baixo, concorda?
Estamos a falar dos 39% para a doença em si, não para a doença grave. Para a doença grave continuamos a ter uma eficácia bastante elevada, estima-se que acima dos 80%. Portanto, não se espera que uma pessoa que fique com a COVID-19 mesmo estando completamente vacinada venha a desenvolver doença grave ou vá ser internada. Espera-se que desenvolva doença ligeira, o que não impede que esta pessoa contagie outras. A meta de atingirmos a imunidade de grupo pode ser atrasada por esta situação.
Daí a importância da terceira dose?
Essa é uma possibilidade que muitos países já colocam em cima da mesa. Aqui em Portugal ainda não se tomou essa decisão, talvez porque ainda não temos as pessoas com a vacinação completa. Os países que têm mais vacinas para oferecer à população já colocaram isso em prática. Penso que as pessoas com doenças que lhe baixam a imunidade – como os transplantados – devem fazer uma terceira dose. Pessoas em que a vacina, mesmo com as duas doses, não conseguem ter uma proteção máxima devem fazer uma terceira dose. Portanto, há subgrupos que necessariamente vão ter de receber uma terceira dose mais cedo.
E em relação ao resto da população? Também faz sentido uma terceira dose?
O que estão a fazer na Islândia, por exemplo, é vacinar com Pfizer quem fez a vacina de dose única da Janssen. Está a verificar-se que algumas destas pessoas foram mais suscetíveis a serem contagiadas com a variante Delta. Há um xadrez que é muito importante gerir, mas nós em Portugal não dispomos dos dados. A Direção-Geral da Saúde (DGS) e o Ministério da Saúde não nos fornecem essa informação e nós não sabemos o que está a acontecer e quem se está a contagiar na comunidade, nos hospitais e na população em geral. Quem é que se está a contagiar? Serão as pessoas que têm as duas doses? São as pessoas que só têm uma dose? Porquê? Recusaram-se a fazer uma segunda dose ou foram esquecidas? São dados que não temos e que são fundamentais para saber o que está a acontecer.
Esses dados também são essenciais para produzir conhecimento científico e apoiar a tomada de decisões.
Exatamente. Nós só temos dados de dois dos países que estão mais avançados, que são Islândia e Israel. Falei pessoalmente com uma colega da Islândia e eles estão a recuar no levantamento das restrições. Não tinham as máscaras como prioritárias e voltaram a introduzi-las. Aumentaram o controlo das fronteiras, porque de facto houve um ressurgimento da pandemia. Esses países que têm já uma grande percentagem da população vacinada é que nos estão a fornecer estas informações. Mas nós não somos todos iguais, somos diferentes e temos hábitos diferentes. Não temos nenhum estudo publicado que nos forneça dados sobre a efetividade da vacina na população portuguesa.
O número de casos está aumentar na Islândia nas populações mais jovens, em pessoas que tomaram a vacina da Janssen e há mais fatores associados a este aumento do risco de infeção?
Aquilo que as autoridades islandesas acham é que pode haver alguma interferência dos turistas no país. Eles estavam a aceitar um teste PCR e um certificado de vacinação, mas agora o ministro da Saúde e o epidemiologista responsável pela luta contra a COVID-19 disseram que iam incrementar as medidas. Eles não estavam a ser tão rigorosos nas fronteiras como noutros países, como na Ásia. Provavelmente vão passar a exigir um PCR na hora, mas não sabemos ainda.
Em relação às outras vacinas, existem também esses dados sobre a eficácia na variante Delta?
Os resultados laboratoriais dos soros das pessoas que tomaram a vacina da Moderna e que foram expostos à variante Delta mostram-nos que a eficácia desta vacina baixa, mas a capacidade de neutralização ainda é significativa. Em relação à vacina da AstraZeneca, nós temos os dados do Reino Unido que nos mostram que a eficácia contra a variante Delta é bastante boa. Esses números entram um pouco em contradição com os dados de Israel que mostram que a vacina da Pfizer tem uma proteção apenas de 39% contra a infeção. Temos de ver estes resultados com alguma cautela, mas são sinais que têm de ser analisados e monitorizados.
Faria sentido pensar num cocktail vacinal, em que se daria uma dose de AstraZeneca a quem tomou duas doses de Pfizer, por exemplo?
Essa mistura de vacinas já se fez, não na terceira dose, mas por causa da questão de não se dar a vacina da AstraZeneca a pessoas com menos de 65 anos em Portugal. Isso fez todo o sentido e os resultados foram muito favoráveis em termos de eficácia da imunidade. Em relação a misturar duas doses de uma determinada marca com uma terceira dose de outra marca, não temos qualquer resultado. Aquilo que a indústria farmacêutica está a fazer, nomeadamente a Pfizer e a Moderna, é criar uma terceira dose de reforço, adaptada às novas variantes. Penso que isso faz mais sentido, porque reforça a imunidade que já existe e alarga a proteção contra as novas variantes.
Pessoas infetadas não devem abdicar da vacinação nem de um eventual reforço da mesma?
Pessoas que já tiveram COVID-19 e que estão hesitantes em tomar a vacina não devem hesitar. Por favor, não hesitem. Tomem a dose da vacina que vos corresponde, porque vão ficar muito mais protegidos. Tal como as vacinas não são 100% eficazes na proteção contra a infeção, ter tido a infeção também não protege totalmente contra a reinfeção. Ter a hipótese de fazer mais uma dose da vacina pode certamente contribuir para aumentar as defesas e diminuir o risco de doença grave e desenvolver a longo prazo o chamado COVID-longo. As vantagens da vacinação são imensas. A imunidade dispara e as pessoas ficam muito protegidos. Nós não sabemos o que aí vem, por isso se existe a oportunidade de se ser vacinado não se deve hesitar.
Que medidas se devem tomar para mitigar um eventual recrudescimento da pandemia no inverno numa altura em que é esperada a convivência com outras doenças como a gripe?
A vacina da gripe vai ser essencial e vai ter de ser alargada a mais pessoas. No ano passado, vimos que a vacinação só chegou a 600 mil portugueses. Este ano temos de alargá-la a mais pessoas. Vamos ter dois vírus a circular. Aquilo que se fala em alguns países é que ao mesmo tempo que estamos a tomar a vacina da gripe num braço, estamos a tomar o reforço da vacina contra o coronavírus no outro. Ainda não temos nenhuma recomendação atualmente. O vírus da gripe praticamente não circulou, porque estávamos mais confinados. Estando mais desconfinados, vamos certamente estar em maior risco. Ter dois vírus respiratórios entre os portugueses no inverno seria a tempestade perfeita.
Esta foi uma entrevista a João Carlos Winck, médico pneumologista, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e Coordenador da área da ventilação não invasiva da Sociedade Respiratória Europeia.
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