“Estava a fazer pilates e comecei a sentir horríveis cãibras em todo o corpo”, começou por contar Vera Jordão, de 61 anos, que sentiu os primeiros sintomas da doença em janeiro de 2013 e foi diagnosticada 11 meses depois. De um mês para o outro, começou a sentir um “cansaço enorme” ao andar. “A fazer um quarteirão a direito ficava cansadíssima” e depois “foi tudo gradual”, até chegar à cadeira de rodas.
Em dezembro de 2011, Vera tinha perdido um irmão, vítima da doença, o que a fez desconfiar que também poderia estar a iniciar um processo semelhante. “Fui a um especialista no Hospital de Santa Maria, fiz uma eletromiografia e foi logo diagnosticada a doença”, disse, recordando as palavras do médico: “É um cenário igual ao do seu irmão”.
Quando ouviu estas palavras apanhou “um susto”, porque assistiu à “progressão rapidíssima” da doença no irmão. “Desde que a doença lhe foi diagnosticada até morrer foi um ano e meio, uma degradação total. Graças a Deus, eu não”, disse Vera Jordão, que continua a trabalhar e a valorizar todos os minutos do dia.
“Eu sou uma pessoa por natureza positiva, sempre fui e continuo a ser. Estou sempre bem-disposta, nem me lembro que estou doente”, contou. Vera confessou que vai “um bocadinho abaixo” quando percebe que deixou de conseguir fazer uma coisa que era importante para si, mas é só por “meia hora”.
“Não consigo fazer de uma maneira, faço de outra, é tudo uma conquista”, disse, com um sorriso. “Nunca tenho pena daquilo que perdi e agarro-me sempre àquilo que ainda tenho e quanto mais tempo a tiver, melhor”, comentou. Durante este percurso, houve “muitas mudanças importantes” na sua vida, entre as quais mudar de casa, que encarou sempre com uma atitude positiva: “Eu sei o estado em que posso ficar, mas vou começar já a chorar? Não, eu vivo o presente”.
Sobrevida pode atingir os 15 anos
A doença, que em cerca de 5 a 10% dos casos é hereditária, tem uma sobrevida entre três a cinco anos, mas há casos em que a progressão é mais lenta e os doentes vivem 10 a 15 anos.
A investigadora Dora Brites, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, disse que a esperança de vida não tem aumentado, porque “não há terapêutica” eficaz. “A doença é muito complicada, porque cada vez se chega mais à conclusão que a origem não é uma única. Há que provavelmente fazer terapêuticas combinadas dirigidas simultaneamente a vários alvos”, defendeu. Para esta investigadora, deveriam existir centros de referência para a Esclerose Lateral Amiotrófica.
No futuro, deve haver um tratamento diferente para todos os pacientes: “Há que perceber as semelhanças que os doentes apresentam, mas também as diferenças, porque se usarmos o mesmo tratamento pode não ser aceite da mesma forma pelos doentes”.
Isto exige um grande investimento na investigação, que “não tem sido feita”, disse Dora Brites. “São muito mais badaladas as doenças de Alzheimer e de Parkinson, mas a ELA tem tido poucos apoios internacionalmente e em Portugal ainda menos”, sustentou.
A investigadora acredita que se está “a caminho de atingir algumas formas de aproximação terapêutica que possam trazer melhor qualidade de vida e uma progressão mais lenta da doença”.
“Quanto à cura, como todas as doenças, acho que sim, quando, não sei responder”, disse Dora Brites, que lidera uma equipa que está a desenvolver uma investigação sobre a doença.
Que doença é esta?
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou doença do neurónio motor é uma doença neurodegenerativa de causa desconhecida e incurável. O seu curso é progressivo, sem remissões e a sobrevida é de meses a décadas mas geralmente é inferior a três anos, desde o início dos sintomas.
Os principais sintomas são fraqueza e atrofia muscular, cãibras, espasticidade, dificuldade em falar (disartria), dificuldade em engolir (disfagia) incluindo a saliva, falta de ar (dispneia) e labilidade emocional. Eventualmente todos os músculos esqueléticos são afetados e podem chegar a estado de locked-in, em que nenhum músculo esquelético funciona, a dependência é total e a comunicação é difícil ou impossível, mesmo com o olhar.
Atualmente reconhece-se que cerca de 60% dos doentes com ELA têm alterações executivas e do comportamento e 13% preenchem os critérios para demência frontotemporal.
"Os múltiplos problemas requerem uma abordagem multidisciplinar incluindo um controlo intensivo dos sintomas como: reabilitação para manter a função motora, ajuda na deslocação (bengala, canadianas, cadeira de rodas), outras ajudas técnicas na adaptação às atividades de vida diária como por exemplo comer, beber, higiene, suporte nutricional e respiratório, aparelhos de comunicação, suporte psicológico, social, financeiro e espiritual para os doentes e familiares", explica a médica Elga Freire, especialista em Medicina Interna no Centro Hospitalar do Porto.
A principal causa de morte associada a esta doença é a insuficiência respiratória. Foi demonstrado que, entre vários benefícios, a ventilação não invasiva (VNI) através de máscara ou peça bucal melhora a qualidade de vida e aumenta a sobrevida dos doentes.
A desnutrição e desidratação são comuns na ELA avançada. A gastrostomia (inserção de um tubo no estômago) assegura a nutrição e tem sido, cada vez mais, uma opção para estes doentes.
"A complexidade desta doença rara e o sofrimento que acarreta para o doente e cuidadores requer abordagens específicas por parte de uma equipa que inclua profissionais de saúde de múltiplas áreas com experiência específica: neurologista, enfermeiro, especialista, paliativista, nutricionista, gastroenterologista, fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta da fala, pneumologista, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional", acrescenta a médica.
Comentários