"Só tem de suster a respiração para dar conta de que não pode prescindir de oxigénio durante muito tempo", explicou Gregg Semenza por telefone horas depois do anúncio em Estocolmo que lhe deu acesso ao seleto clube de cientistas premiados com um Nobel. "Cada célula do corpo precisa de oxigénio continuamente", prossegue. "Milhões de células funcionam e recebem exatamente a quantidade de oxigénio necessário. O sistema que descobrimos é o mecanismo molecular de tudo isso", resume.
Gregg Semenza e os seus colegas não imaginaram na ocasião que a descoberta teria tantas aplicações contra o cancro, doenças cardiovasculares ou outras patologias. Um dos seus usos mais concretos diz respeito a pessoas com doença renal crónica, que hoje recebem tratamento com injeções de EPO, um tratamento penoso. Atualmente, existem quatro testes clínicos em curso - com 25.000 participantes - que visam desenvolver um comprimido que substituiria estas injeções. Estas pílulas "ativariam" esse sistema descoberto em 1995 e que foi agora premiado.
Formado em Medicina, Semenza enfatiza que sempre fixou o seu objetivo em "construir pontes entre os dois mundos" da medicina e da investigação e com o objetivo de "traduzir as descobertas científicas em novas terapias". Ao mesmo tempo, admite que "algo tão fundamental teria sido descoberto cedo ou tarde" por outros investigadores.
Aceita críticas
O professor subscreve uma parte das críticas ao Prémio Nobel, que distingue um punhado de cientistas ignorando potencialmente outros que também contribuíram de forma importante. "Eleger algumas pessoas é uma decisão arbitrária", diz. Por outro lado, "a vantagem é que sempre se põe em destaque a ciência, porque as pessoas não escutam muito sobre a ciência em geral, especialmente nos Estados Unidos".
Sobre a questão da idade avançada dos vencedores, insiste em que são os jovens cientistas que fazem as grandes descobertas. Destaca que no seu laboratório emprega uma dezena de investigadores, inclusivamente estudantes de doutoramento e pós-doutoramento, que entre todos publicam entre cinco e dez artigos científicos por ano.
O Prémio Nobel vai afetar a sua vida de cientista? "Não pode ser mau, isso é certo", responde. Sem dúvida, as publicações científicas vão analisar mais de perto os artigos procedentes do seu laboratório.
O prémio ajuda as pessoas a "compreenderem que a pesquisa é fundamental por levar a novos tratamentos para as doenças, e é por isso que a investigação básica deve ser financiada".
"A descoberta de muitas terapias inovadoras provém de pontos de inflexão inesperados em projetos que originalmente eram pesquisas muito básicas".
William Kaelin, outro vencedor do prémio - ao lado de Semenza e do britânico Peter Ratcliffe - dirige um laboratório no instituto de pesquisas do cancro Dana-Farber em Boston e ensina na escola de Medicina de Harvard.
Coração a palpitar
Ao perceber a importância do telefonema, "o meu coração começou a bater muito rapidamente", revelou o investigador de 61 anos à AFP.
Kaelin pensou na sua mulher, Carolyn, uma médica que morreu de cancro em 2015. "Imaginei-a a rir lá de cima e a dizer: 'eu disse que lhe dariam" o Nobel.
O médico interessou-se pelo estudo do cancro quando investigava a doença rara de Hippel-Lindau, cujos portadores desenvolvem tumores malignos em vários órgãos, e identificou o papel da regulação do oxigénio no desenvolvimento dos tumores. "Sou um biólogo do cancro e acabei por contribuir para o desenvolvimento de um medicamento contra uma doença do sangue, a anemia. A ciência funciona assim...".
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