A hemofilia é causada por um défice de produção de fatores da coagulação - proteínas do sangue, designadas por números romanos (I a XIII), que são fundamentais para evitar sangramentos excessivos.
A hemofilia A (resultante do défice do fator VIII) e a hemofilia B (défice do fator IX) são doenças raras, ocorrendo em 1:5000 e 1:30000 nascimentos do sexo masculino, respetivamente. Têm uma causa genética, habitualmente herdada mas, em 1/3 dos casos, não existe história familiar (resultam de uma alteração “de novo”). Por terem uma transmissão ligada ao cromossoma X, afetam essencialmente as pessoas do sexo masculino (podendo, no entanto, haver mulheres portadoras destas alterações genéticas com risco hemorrágico aumentado).
Pode ser classificada em ligeira, moderada ou grave em função da quantidade de fator da coagulação residual a nível do sangue: quanto maior o défice, maior a gravidade.
Risco acrescido de hemorragia
Todas as pessoas com hemofilia apresentam um risco acrescido de hemorragia em contexto de traumatismo ou cirurgias. As formas graves caracterizam-se por hemorragias espontâneas (sem causa aparente) desde a infância, especialmente a nível articular e muscular, condicionando o risco de lesão crónica e sequelas incapacitantes na ausência de tratamento adequado. Por outro lado, as formas ligeiras podem ser só diagnosticadas na adolescência ou idade adulta (por exemplo após uma cirurgia), mesmo estando presentes desde o nascimento.
O acesso generalizado à terapêutica (que consiste maioritariamente na administração intravenosa - injecção nas veias - dos fatores da coagulação em défice) mudou drasticamente as complicações da doença e as sequelas articulares graves (artropatia hemofílica) já não são a realidade das gerações mais novas. A maioria das crianças e adolescentes consegue ter uma vida ativa, incluindo desportiva, sem limitações significativas.
Continuam a existir importantes desafios
No entanto, continuam a existir importantes desafios para as pessoas com hemofilia e suas famílias, como a necessidade de punções venosas para tratamento muito frequentes, desde a infância, nas formas de doença grave ou o aparecimento de inibidores (anticorpos produzidos pelo próprio organismo que tornam a terapêutica convencional ineficaz).
Neste sentido, a evolução das terapêuticas (umas já disponíveis e outras em estudo) tem um papel determinante e inclui: factores da coagulação com duração mais prolongada, a possibilidade de administração por via não intravenosa e a terapia genética, entre outras.
Concomitantemente, é fundamental a literacia e capacitação das pessoas com hemofilia e o trabalho em parceria de doentes, familiares e equipas de saúde multidisciplinares que garantam o acesso a cuidados de excelência e uma abordagem global (biopsicossocial) que culmine numa melhoria contínua da qualidade de vida.
Um artigo da médica Raquel Maia, Assistente Hospitalar de Pediatria Médica na Unidade de Hematologia do Hospital Dona Estefânia (HDE) e no Centro de Referência de Coagulopatias Congénitas do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC).
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