
Visa sensibilizar as novas gerações para a prevenção, promovendo conhecimento, escolhas conscientes e diálogo intergeracional sobre saúde. Ao capacitar as crianças como agentes de mudança, o projeto aposta numa intervenção precoce junto das famílias. Patrícia Vasconcelos, Assistente Hospitalar Graduada de Medicina Interna ULS Amadora-Sintra e coautora do projeto, detalhou a iniciativa em entrevista ao HealthNews.
HealthNews (HN) – Como surgiu a ideia de associar divindades egípcias (Hathor, Thoth, Anúbis) aos heróis que combatem a hipertensão arterial no projeto?
A inspiração nas divindades egípcias surgiu da vontade de criar personagens com identidade forte, valores universais e simbolismo intemporal. Hathor, Thoth e Anúbis formam com as suas iniciais a própria sigla da doença: HTA. Esta simbologia reforça a missão de cada um dos heróis como guardião de um dos pilares essenciais na prevenção da hipertensão: escuta emocional (capacidade de prestar atenção aos sinais do corpo e às emoções), conhecimento e a ação. Adaptá-los ao universo infantil permitiu criar personagens com uma identidade clara, um propósito e uma personalidade própria, mantendo uma linguagem acessível, com nomes fáceis de memorizar e mensagens impactantes, que ajudam as crianças a pensar, sentir e agir.
HN – Por que considerou crucial direcionar este programa especificamente para crianças entre os 5 e os 10 anos?
Porque esta faixa etária corresponde a um período do desenvolvimento infantil, em que se dá a formação e consolidação de hábitos alimentares, comportamentais e emocionais e em que as crianças são naturalmente curiosas, recetivas e influentes. Nessas idades, o jogo e a imaginação são formas privilegiadas de aprendizagem. Investir na literacia em saúde desde cedo é uma forma de capacitar, não apenas as crianças, mas também as famílias e as comunidades em seu redor.
HN – De que forma o conceito dos vilões (como Sr. Salgado ou Capitão Stress) facilita a compreensão dos fatores de risco da HTA por parte das crianças?
Os vilões transformam conceitos abstratos ou complexos (como o sal em excesso ou o stress crónico) em personagens tangíveis e com personalidade. As crianças identificam-se mais facilmente com histórias do que com explicações. Ao “enfrentar” o Capitão Stress ou o Sr. Salgado, a criança compreende melhor o impacto negativo destes fatores — e aprende, de forma lúdica, como neutralizá-los. É uma abordagem pedagógica com base em metáforas visuais e narrativas.
HN – Como é que o projeto pretende medir o impacto real das atividades lúdicas (jogos, e-books) na mudança de hábitos das comunidades?
A avaliação do impacto será feita através de inquéritos antes e depois das atividades, focados na literacia em saúde, na perceção dos riscos e nas mudanças de hábitos em casa. Além disso, o projeto prevê parcerias com escolas, municípios e centros de saúde, permitindo recolher indicadores qualitativos e quantitativos (como escolhas alimentares nos lanches ou rotinas de sono). O envolvimento dos cuidadores será um elemento-chave na medição de resultados.
HN – Que desafios antecipa na integração dos módulos educativos, como o “jogo da memória” ou “quebra-cabeças de relaxamento”, nos currículos escolares?
O principal desafio será encontrar espaço nos horários escolares já muito preenchidos. No entanto, ao alinharmos os conteúdos com os objetivos curriculares de Cidadania e Desenvolvimento ou Educação para a Saúde, torna-se possível integrá-los sem sobrecarga. Outro desafio é garantir formação e motivação dos educadores, algo que estamos a tentar colmatar com materiais simples, prontos a usar, e com sessões de demonstração.
HN – O documento menciona que as crianças atuam como “agentes de mudança”. Como é que o projeto potencia essa influência nas famílias?
Ao envolver as crianças em histórias, jogos e desafios com mensagens acessíveis, positivas e práticas, o projeto promove naturalmente o diálogo no contexto familiar. Ao levarem para casa um jogo ou um e-book para partilhar com os irmãos, pais ou avós, as crianças criam oportunidades para discutir temas como a pressão arterial, a alimentação, o sono ou o exercício. Os conteúdos foram concebidos para serem partilhados em família, com sugestões específicas dirigidas também aos adultos. Desta forma, a criança assume o papel de um “pequeno herói” que leva conhecimento para casa e influencia, com entusiasmo, os comportamentos familiares.
HN – Tendo em conta a Fase 5 da metodologia, que planos existem para expandir o “Heróis contra a HTA” para outras faixas etárias ou patologias crónicas?
O objetivo é que o projeto venha a ter uma dimensão nacional, abrangendo progressivamente diferentes públicos e áreas da saúde. Futuramente, podem ser desenhadas versões para adolescentes, incluindo ferramentas digitais interativas e/ou desenvolvidos conteúdos dirigidos à prevenção de outras doenças crónicas como a diabetes e a obesidade mantendo, sempre, a mesma lógica narrativa — personagens fortes, vilões simbólicos, jogos e histórias. Acreditamos que este modelo possa ter impacto real na promoção da literacia, na mudança de comportamentos e no envolvimento das comunidades.
HN – O projeto tem o apoio de instituições ou sociedades científicas? Que papel têm essas parcerias na sua implementação e expansão?
Sim. Contamos já com o apoio do Laboratório Tecnifar, no âmbito da sua política de responsabilidade social empresarial, bem como com o patrocínio científico de várias sociedades científicas, nomeadamente a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna e a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Estamos, também, em articulação com outras entidades, como a Sociedade Portuguesa de Pediatria, a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde e a Sociedade Portuguesa de Medicina do Estilo de Vida, aguardando oficialização do apoio. Estas parcerias são fundamentais para garantir a solidez científica do projeto e contribuir para a sua expansão e credibilidade a nível nacional.
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lusa/HN
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