O HPV é um tipo de vírus muito frequente, de transmissão sexual. Por ser muito contagioso, é responsável por um elevado número de infeções – muitas delas não apresentam sintomas e desaparecem espontaneamente. Porém, há pessoas em que o vírus não desaparece e pode causar doenças genitais ou até mesmo cancro.
Em 2020, a Organização Mundial de Saúde lançou a Estratégia Global para Eliminar o Cancro do Colo do Útero, que prevê três etapas: vacinação, rastreio e tratamento, e só com uma implementação bem sucedida é que será possível reduzir mais de 40% dos novos casos e cinco milhões de mortes relacionadas à doença até 2050.
Falámos com a médica ginecologista Rita Sousa.
Fala-se muito mais sobre HPV hoje em dia, mas ainda persistem muitos mitos. Quais são os mais frequentes?
Os mitos mais frequentes são, por um lado, a conotação de promiscuidade, comportamentos de risco e infidelidade e, por outro, a associação com cancro, por se tratar de um vírus com potencial oncogénico. Outras falsas ideias são a de que a transmissão é exclusivamente por via sexual e a de que a infeção pelo HPV é para toda a vida.
O vírus HPV tem especial afinidade pela pele e mucosas e consegue iludir o nosso sistema imunitário, podendo persistir por longos períodos de tempo. Sendo a infeção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo, a sua transmissão não é exclusivamente sexual, podendo ocorrer por contacto pele a pele ou com outras mucosas infetadas e, mais raramente, durante o parto.
Apesar de alguns tipos poderem provocar cancro, a maioria das infeções é transitória e eliminada espontaneamente pelo nosso organismo, sem precisar de qualquer tratamento. Só uma pequena percentagem é que pode evoluir para cancro.
O uso de preservativo diminui o risco de contágio, mas não o elimina devido ao contacto pele-pele
Todos os tipos HPV podem provocar cancro?
Há cerca de 40 tipos de HPV que podem infetar a região genital, mas só alguns tipos de HPV podem causar cancro. São os vírus de “alto risco oncogénico”.
Há 14 tipos de vírus considerados “oncogénicos”, mas a capacidade de provocar cancro é diferente para os diferentes tipos. O HPV 16 e 18 são os de maior risco, responsáveis por cerca de 70% dos casos de cancro do colo do útero a nível mundial.
Além do cancro do colo do útero, o HPV pode provocar outros cancros e lesões pré-cancerosas da vulva, vagina, ânus, pénis e orofaringe. Os HPV de baixo risco são os principais responsáveis pelas verrugas genitais e pela papilomatose laríngea recorrente juvenil.
Como prevenir?
A principal arma na prevenção da infeção HPV é a vacina. Atualmente temos uma vacina muito eficaz contra nove tipos de HPV (vacina nonavalente), que inclui os 7 sete tipos oncogénicos (entre os quais o HPV 16 e 18) e dois tipos não oncogénicos (o HPV 6 e 11), os principais responsáveis pelas verrugas genitais.
Esta vacina protege cerca de 90% dos casos de cancro do colo do útero a nível mundial, cancros e lesões pré-cancerosas da vulva, vagina, ânus, pénis e orofaringe e cerca de 90% das verrugas genitais.
A vacina está incluída no Programa Nacional de Vacinação (PNV) para jovens, mas pode ser administrada em qualquer idade, a título individual.
O uso de preservativo diminui o risco de contágio, mas não o elimina devido ao contacto pele-pele.
Os estilos de vida saudáveis, incluindo a cessação do consumo de tabaco, não eliminam a infeção mas são muito importantes para acelerar a eliminação do vírus. A persistência da infeção é um importante fator de risco de progressão para cancro.
A prevenção secundária assenta na vigilância clínica e nos rastreios, que não prevenindo a infeção, permitem identificar os indivíduos em risco de ter lesões bem como a sua deteção precoce e tratamento.
Como compara a prevalência nacional com a de outros países?
A infeção por HPV é a infeção sexualmente transmissível mais comum em mulheres e homens em todo o mundo. Estima-se que cerca de 80% dos indivíduos adquira infeção ao longo da sua vida.
No último relatório da Agência Internacional de Investigação em Cancro (IARC) sobre infeção por HPV e doenças relacionadas a nível mundial (www.hpvcentre.net), observa-se uma prevalência média de infeção de 30% aos 25 anos, havendo uma diminuição progressiva com uma prevalência média de cerca de 8% após os 65 anos. O continente mais afetado é o africano, com um pico de infeção de 45% aos 25 anos, mantendo-se elevada em todas as faixas etárias.
Em Portugal, estima-se uma prevalência global de infeção HPV de 17,8%. Num estudo recente da região norte, no rastreio do cancro do colo do útero, observou-se uma prevalência média na população feminina de 12,5%, variando de 20,8% aos 25 anos a 8,3% aos 64 anos. Os tipos infetantes predominantes foram os tipos incluídos na vacina.
Estes dados mostram que a infeção pode ocorrer ao longo de toda a vida, o que reflete a necessidade de manter a vigilância e os rastreios.
Por outro lado, espera-se uma redução significativa da infeção e da carga de doença que lhe é atribuída, devido à vacinação.
Pode dizer-se que o HPV está associado a comportamentos de risco ou na sua opinião é um efeito de uma vida sexual ativa?
O HPV é muito frequente, facilmente transmissível e pode passar totalmente despercebido. A infeção é tão prevalente que a sua presença é quase inevitável, logo não deve ser conotada com promiscuidade ou comportamentos de risco.
O contágio é predominante, mas não exclusivo, por via sexual, e o contacto com um único indivíduo infetado é suficiente para contrair infeção.
Por isso, podemos considerar que a infeção por HPV pode apenas ser reflexo de uma vida sexual ativa. Além disso, a infeção pode persistir por longos períodos, não sendo muitas vezes possível estabelecer uma relação temporal com o momento do contágio.
O estigma associado à infeção pode originar sentimentos de culpa, vergonha, revolta, falta de confiança no parceiro, medo de outras infeções sexualmente transmissíveis, problemas existenciais e de autoestima. Tudo isto resulta, frequentemente, no fim de uma relação.
Também a importância da infeção como fator de risco de cancro não deve ser ignorada. Os cancros associados ao HPV são evitáveis. Devem ser eliminados quaisquer preconceitos ou estigmas que possam interferir com a sua deteção.
Na ausência de sintomas, a possibilidade de uma infeção latente não deve condicionar a vida sexual
A que sintomas devemos estar atentos?
Na grande maioria dos casos a infeção é assintomática. Daí a importância dos rastreios e da vigilância clínica regular.
A principal manifestação clínica da infeção por HPV são os condilomas ou verrugas genitais que podem aparecer na vulva e períneo, ânus e pénis. Os sintomas mais frequentes são o prurido, dor ou ardor e desconforto genital.
Os sinais de alarme incluem a hemorragia genital anómala, corrimento vaginal, dores pélvicas e dores ou sangramento com as relações. No caso das lesões genitais externas, a presença de lesões endurecidas, sangrantes ou ulceradas e resistentes aos tratamentos, não deve ser ignorada.
Uma vez infetado, para sempre infetado? Ou a atividade viral diminui e desaparece? Pode contagiar-se um parceiro cinco ou seis anos depois de se ter a infeção?
A infeção é transitória na maioria dos casos, independentemente do tipo de HPV. Em 70 a 90% dos casos o vírus é eliminado do organismo ao fim de 12 a 24 meses.
No entanto, a infeção pode persistir por vários anos, e manter-se numa forma latente, inativa, não sendo detetada pelos teste de rastreio. A persistência de infeção aumenta com a idade, havendo vários fatores de risco desta persistência, como o consumo de tabaco e alterações do sistema imunitário.
Apesar de ser muito contagioso, na infeção assintomática não é possível saber se o HPV se mantém ativo, capaz de contagiar. De qualquer forma, o uso consistente de preservativo confere uma proteção importante, embora não elimine a transmissão.
No entanto, na ausência de sintomas, a possibilidade de uma infeção latente não deve condicionar a vida sexual.
Aqui, uma vez mais, saliento o papel da vacinação na prevenção da infeção, reinfeção e reativação do vírus.
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