Uma sociedade mede-se pelo modo como cuida dos mais vulneráveis. Os inimputáveis são o espelho da nossa falha.
Quando alguém com doença mental grave comete um crime em Portugal, a lei não responde com pena, mas com uma medida de segurança de internamento. A diferença é crucial: a pena castiga, a medida trata.
O que mudou com o Decreto-Lei n.º 70/2019?
Este diploma veio tornar mais claro algo que já estava previsto no Código Penal e no Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade: os inimputáveis não devem ser apenas “guardados” atrás de muros; devem ter um plano individual de tratamento e reabilitação (PITR), desenhado para cada pessoa.
O Plano Individual de Tratamento e Reabilitação (PITR)
Na prática, o plano deve incluir: Avaliação clínica inicial — diagnóstico, história clínica e social, análise de risco; Tratamento médico e psicológico — fármacos, psicoterapia, programas psicoeducativos; Reabilitação social — treino de competências, atividades ocupacionais, envolvimento familiar; Gestão do risco — evolução faseada, com possibilidade de saídas acompanhadas e preparação da alta. É um instrumento multidisciplinar e dinâmico, que deve ser revisto regularmente.
O verdadeiro objetivo
O internamento de inimputáveis não é para punir. O objetivo é tratar a doença mental, reduzir a perigosidade criminal e promover a reintegração social, protegendo ao mesmo tempo a comunidade.
O problema português
A lei está no papel, mas a realidade fica aquém: Não existe em Portugal nenhum hospital psiquiátrico forense no SNS; As três unidades forenses existentes não têm segurança adequada; As duas clínicas prisionais funcionam sem condições terapêuticas suficientes. Assim, o PITR previsto no Decreto-Lei n.º 70/2019 existe mais como promessa do que como prática.
Sabia que Portugal tem uma das legislações mais avançadas da Europa em saúde mental forense?
O problema não é a lei — é a sua não execução.
O Decreto-Lei n.º 70/2019 consagra o tratamento individualizado dos inimputáveis. Mas, na prática, temos: unidades de psiquiatria forense do SNS (não prisionais), sem condições de segurança para doentes e profissionais; clínicas de psiquiatria em contexto prisional, que não oferecem tratamento digno.
Portugal não precisa de mais leis. Precisa de cumprir a que já tem: uma Política de Saúde Mental Forense digna e eficaz que una segurança, dignidade terapêutica e reintegração social.
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