
Aos 20 anos, muitos acreditam que a vida está em suspenso. Depois da escola ou da faculdade, vem a liberdade: amigos, viagens, experiências, a sensação de que tudo é possível. Só que, ao virar da esquina, surgem também os estágios, o primeiro emprego, as contas, a procura de casa, a dúvida sobre o que fazer a seguir. É um período de escolhas, mas também de adiamentos.
A psicóloga clínica Meg Jay chama-lhe a “década decisiva”. No livro A Idade Decisiva (edição Lua de Papel), defende que os anos entre os 20 e os 30 não são um intervalo, mas sim o momento em que se desenha grande parte da vida adulta. As pesquisas que apresenta indicam que 80% dos acontecimentos determinantes — do salário ao parceiro amoroso, da identidade profissional ao bem-estar emocional — são definidos antes dos 35 anos.
Dividido em três partes — Trabalho, Amor e Cérebro/Corpo — o livro combina ciência, estatísticas e histórias de pacientes que Jay acompanhou no consultório. O objetivo é mostrar como as decisões tomadas nesta década têm efeitos duradouros. Entre os conceitos que introduz está o “identity capital”, ou capital de identidade, que corresponde às experiências, competências e redes de contactos que cada um acumula e que funcionam como investimento no futuro.
Outro ponto-chave é o papel das chamadas “ligações fracas”: não são os amigos próximos, mas sim conhecidos, colegas ou contactos distantes que muitas vezes abrem as maiores oportunidades profissionais. No campo das relações, Jay alerta para escolhas feitas sem reflexão, como a coabitação por conveniência, que pode influenciar de forma duradoura os projetos familiares.
A mensagem central não é de alarme, mas de responsabilidade. Para Jay, “não escolher é também uma escolha”, e a inação tem consequências. Ao mesmo tempo, a autora reforça que há espaço para experimentar, errar e ajustar, desde que esse processo seja encarado como parte ativa da construção da vida adulta.
Meg Jay é professora adjunta de Desenvolvimento Humano na Universidade da Virgínia e doutorada em Psicologia Clínica e Estudos de Género pela Universidade da Califórnia, Berkeley. O seu trabalho é citado em publicações como The New York Times, The Wall Street Journal e Harvard Business Review, e já foi entrevistada por meios como a NPR e a BBC.
A Idade Decisiva foi traduzido para mais de uma dezena de línguas e a sua TED Talk “Why 30 Is Not the New 20” soma mais de 13 milhões de visualizações.
Do livro, fazemos a pré-publicação do excerto abaixo.
A minha vida devia parecer melhor no Instagram
Se só quiséssemos ser felizes, seria fácil. Mas queremos ser mais felizes do que os outros, o que é quase sempre difícil, uma vez que pensamos que eles são mais felizes do que são na realidade.
– Charles de Montesquieu, escritor/filósofo
Não se compare com as outras pessoas; compare-se com a pessoa que era ontem.
– Jordan Peterson, psicólogo
– Acho que estou a ter um esgotamento nervoso – disse Talia quando desatou a chorar.
– Um esgotamento nervoso – disse eu, sem nunca a ter visto antes. – Pode dizer-me o que é que sente?
Talia pôs-me a par com uma torrente de palavras e soluços.
– Terminei o mestrado há quase um ano. Estive na faculdade cinco anos e, por ridículo que pareça, saí da escola a pensar que estava prestes a embarcar na melhor fase da minha vida. Há quase quinze anos que me torturava com perfecionismo e via a vida após a escola como o derradeiro escape. Infelizmente, as intermináveis noites de borga e a liberdade para fazer o que bem me apetecesse não se tornaram tão fabulosas quanto eu esperava.
Procurou lenços de papel dentro da mala.
– Sinto que estou a viver uma vida solitária e depressiva aqui em São Francisco. A maioria dos meus amigos está dispersa pelo país e a amiga com quem estava a viver, de repente, deu uma reviravolta na sua vida e abandonou-me. Passo os dias à procura de emprego e no ginásio. Sinto-me a desmoronar. Não consigo dormir. Estou sempre a chorar. A minha mãe acha que eu preciso de tomar medicação.
Escutei mais um bocado.
– E é suposto estes serem os melhores anos da minha vida! – implorou Talia.
– Ai é? – perguntei.
– Sim – disse ela, desta vez parecendo um bocadinho menos segura.
– Pela minha experiência, estes são os anos mais incertos e alguns dos anos mais difíceis da vida.
– Porque é que ninguém nos diz isso?!
– Estou a dizer agora – afirmei.
– Sinto-me uma falhada – continuou Talia. – Na escola havia uma fórmula. Era fácil perceber o que fazer e como é que nos estávamos a sair. Sabemos que estamos a viver de acordo com o nosso potencial. Às vezes penso que devia voltar para a universidade para fazer um doutoramento porque soaria melhor e conseguiria obter outra vez notas altas. Não sei como obter nota máxima nos meus vinte anos. Sinto, pela primeira vez, que estou a fracassar.
– O que é que significaria teres nota máxima nos teus vinte anos? – questionei-me em voz alta.
– Não sei. Esse é que é o problema. Sinto apenas que não devia ficar aquém.
– Aquém do quê?
– Acho que pensei que a vida devia ser grandiosa, seja qual for a forma como definimos grandiosa. Quando estava na escola, ter nota vinte era grandioso. Depois pensei que talvez fosse um emprego incrível ou um tipo fantástico. Sentia que a minha vida devia se em grande! O trabalho devia as pessoas dizer “Uau!” Mas não faz. Nada faz.
– Claro que não – afirmei.
– Mas olhe para o Facebook! É suposto estes serem os meus dias de glória!
Quando escrevi a primeira edição de A Idade Decisiva, este capítulo chamava-se “A minha vida devia parecer melhor no Facebook”. Isto porque escrevi estas páginas em 2010, não muito depois de o Facebook se ter difundido para além das universidades e entre a população em geral. Pela primeira vez na história, o pessoal de vinte anos estava a usar o Facebook diariamente e em massa e, para a maioria, era onde tudo tinha começado. De repente, havia um novo assunto de conversa no meu consultório: “Porque é que as redes sociais me fazem sentir tão mal com a minha própria vida?”
Na altura, quando procurei pesquisa sobre os efeitos das redes sociais para incluir nestas páginas, não havia muita. Havia alguns estudos dispersos sobre como as pessoas usavam as plataformas das redes sociais para fazer vigilância social. Ou sobre como passavam mais tempo a olhar para as publicações das outras pessoas do que a publicar sobre si mesmas. Ou sobre como decidiam que as pessoas mais bonitas são as que têm os amigos mais bonitos. Demora tempo a recrutar assuntos e a recolher informação e a publicar estudos e, em 2012, quando A Idade Decisiva foi inicialmente publicado, ainda não havia dados.
Por isso, escrevi aquilo que Talia e outros clientes me contavam, e acabou por se verificar que este capítulo foi um dos primeiros sítios onde foi levantada a questão dos efeitos negativos das redes sociais. Como é que eu sabia sobre esses efeitos negativos? Ouvia falar deles no consultório, todos os dias, desde o início. Quase assim que os meus clientes criavam esta ou aquela conta, começavam as conversas. Hora após hora, contavam-me acerca dos amigos e conhecidos e desconhecidos com melhores empregos ou melhores corpos ou melhores roupas ou melhores parceiros ou melhores férias ou melhores vidas ou melhores coisas. Hora após hora, ouvia-os refletir sobre como isto os fazia sentir acerca das suas vidas aos vinte anos.
Atualmente, a maioria do pessoal que tem vintes passa mais tempo no Instagram do que no Facebook (que pertence ao Facebook, por isso, é tudo a mesma coisa). O Facebook ainda existe, claro, e continua a ser a maior plataforma de redes sociais do mundo. De qualquer forma, a maioria das pessoas na faixa dos vinte anos utiliza mais do que uma rede social, clicando diariamente numa combinação de Instagram, Snapchat, YouTube, WhatsApp, Linkedin, Twitter, Reddit, Tumblr, Facebook, TikTok, entre outras. Com as apps nos telemóveis, o alcance das redes sociais não pode ser sobrestimado, uma vez que se encontra nos bolsos – e cérebros – da geração que está nos vintes, em todo o mundo. “Se o YouTube fosse um país”, afirma um relatório da London School of Economics and Political Science, “seria o terceiro maior do mundo, com mais de mil milhões de utilizadores.”
As plataformas podem ter-se alterado, mas as conversas não. Podemos substituir a palavra Facebook por Instagram (como fiz no título do capítulo), mas continuo a ouvir falar de amigos e conhecidos e desconhecidos com melhores empregos ou melhores corpos ou melhores roupas ou melhores parceiros ou melhores férias ou melhores vidas ou melhores coisas. Continuo a ouvir que as redes sociais fazem os jovens sentirem-se mal consigo mesmos, mas, atualmente, a informação não é apenas empírica.
Hoje em dia, claro, os dados existem. Muitos estudos – mas não todos – demonstraram que quanto mais tempo as pessoas nos vinte anos passam nas redes sociais, e mais plataformas utilizam, mais problemas podem ter. Têm maior probabilidade de se sentirem ansiosas ou deprimidas. Têm maior probabilidade de referir uma menor autoestima. É mais provável debaterem-se com transtornos alimentares. E é mais provável que se sintam encurraladas pelo chamado FoMO, ou medo de estarem a perder alguma coisa. Analisada em conjunto, a pesquisa mostra que a utilização das redes sociais – sejam quais forem os sites preferidos – tende a tornar o pessoal nos vinte anos mais infeliz do que feliz. Só tu é que podes saber se isto é verdadeiro no teu caso.
Na primeira edição de A Idade Decisiva, sugeri que um fator-chave da relação entre a utilização das redes sociais e a infelicidade de que eu ouvia falar, era aquilo a que os psicólogos chamam comparação social ascendente. Uma década mais tarde, a pesquisa concorda.
A comparação social ascendente surge quando comparamos as nossas vidas com aqueles que têm – ou parecem ter – vidas melhores. Por vezes, isto pode ser benéfico ou até motivador, mas por norma é prejudicial e desmotivante. Não é de surpreender que quando vemos outras pessoas com empregos melhores ou corpos melhores ou roupas melhores ou parceiros melhores ou férias melhores ou vidas melhores ou coisas melhores, tenhamos tendência para nos sentirmos mal sobre quem somos ou aquilo que temos. É uma reação humana real que acontece no cérebro – em milésimos de segundo – quando tentamos perceber onde é que nos situamos no mundo.
Portanto, quase por omissão, o tempo passado nas redes sociais é tempo passado a fazer comparações sociais ascendentes.
Isto acontece porque, como já sabemos, quase tudo aquilo que seguimos nas redes sociais são pessoas com empregos melhores ou corpos melhores ou roupas melhores ou parceiros melhores ou férias melhores ou vidas melhores ou coisas melhores. É claro que é isso que as pessoas publicam e, quando comparamos essas fotos com a nossa vida real estamos, como se diz, a “comparar o exterior dos outros com o nosso interior”.
Estamos a comparar as fotografias editadas dos outros com as nossas vidas não retocadas. Estamos a comparar as coisas boas que as pessoas tornam públicas com as coisas não tão boas que guardamos só para nós. Estamos a bombardear os nossos cérebros com informação que – em milésimos de segundo – é provável que nos faça sentir mal. No entanto, demora mais do que apenas milésimos de segundo tentar corrigir o modo como passamos a sentir-nos.
Portanto, na próxima vez que se instalarem a fazer scroll nas redes sociais – ou talvez a pensar em não fazerem isso – lembrem-se destas três palavras: comparar e desesperar. Mas não precisam de acreditar apenas em mim. Tenham em conta esta amostra recente de comentários escritos pelos meus alunos desta geração, acerca das redes sociais:
• Não há dúvida de que o Instagram me provocou uma autoestima mais baixa. Estou constantemente a comparar-me a pessoas que parecem ter vidas muito melhores. Como é que posso não ter inveja dos seus cabelos, pele, corpos e roupas perfeitos?
• Acredito piamente que o Instagram é um dos sítios mais falsos da internet. Quase toda a gente que conheço (incluindo eu própria) passa horas por semana a fazer scrolling e a comparar-se com outras pessoas. A parte irónica é que quase todas as fotos são altamente editadas. Pessoalmente, não publico muito no Instagram e, ainda assim, passo lá uma quantidade horrível de tempo.
• As estrelas das redes sociais ganham tanto quanto os médicos e advogados. Isto é uma mudança recente e acho que afeta o pessoal de vinte anos que tem empregos convencionais e depois se compara com as vidas que vê no Instagram.
• Não são apenas os influencers. Também nos comparamos com as pessoas que conhecemos – tal como acontecia no Facebook. Só que agora é tudo fotos. As pessoas podem editar e ajustar tudo aquilo que querem publicar. No mínimo, a inveja nas redes sociais cresceu exponencialmente nos últimos anos.
• Eu gosto de fotografia e concordo que as fotos são uma forma ótima de capturar momentos especiais da vida e de ter memórias. Mas quando vejo pessoas a tirar fotos de cada refeição que fazem, fico um bocadinho triste. É como se as pessoas estivessem a viver para as suas stories no Instagram ou no Snapchat, para serem vistas e julgadas pelos outros, e não para si próprias.
• Não admira que a vida pareça descontrolada quando durante três ou mesmo seis horas por dia não vemos senão pessoas com vidas perfeitamente sob controlo. O Instagram faz muito mais mal do que bem, sobretudo a quem tem vinte anos.
• Sim, eu sei que as publicações são editadas, mas até a forma como as outras pessoas editam as suas fotos é muito melhor do que a forma como eu o faço!
• Até a minha meia-irmã de 12 anos insiste em fazer sessões de fotografia para o Instagram quando a levo a fazer caminhadas ou às termas, com pouco interesse em fazer aquilo que realmente ali fomos fazer.
• É triste ver o quanto uma única app impactou o mundo em que vivemos atualmente.
• A comparação diária e as expectativas irrealistas que se seguem são muitíssimo pouco saudáveis para mim. Fazem-nos sentir que estamos a ficar para trás na vida ou que não estamos a fazer o suficiente e talvez até nos desencoraje de avançar. Ou podem fazer-nos pensar que estamos em desvantagem porque as outras pessoas têm melhores oportunidades ou assim.
• Se eu estivesse sentado à frente de uma pessoa nos seus vintes, confusa ou em pânico, diria que a cura para os seus sintomas começa por se ver livre daquilo que causou ou mais influenciou a situação: o Instagram.

Na teoria, as redes sociais têm o poder de nos ajudar a nos sentirmos mais conectados e menos sozinhos. O que pode ser especialmente vantajoso quando temos vinte anos porque, como Talia afirmou, estes são dos anos da nossa vida em que nos sentimos mais desligados. No entanto, apesar de todas as suas promessas, as redes sociais podem transformar os vintes num concurso de popularidade, em que ter likes é o mais importante, em que ser o melhor é a única opção, em que o aspeto dos nossos parceiros é mais importante do que a forma como eles agem, em que existe uma corrida para casar, em que o dinheiro ou as roupas ou as férias são a única moeda que interessa e em que temos de ser sempre inteligentes. Seja qual for o nosso site preferido, pode ser apenas mais um sítio não para ser, mas para ser visto.
Antes, querer ser como os Joneses, do filme Uma Família com Etiqueta, costumava referir-se a desejar um carro ou uma casa tão bons quanto os dos vizinhos. Agora, todos querem ser como as Kardashian. Já agora, o nome do programa, Keeping Up With The Kardashians, é brilhante. A expressão tem um duplo sentido que implica não apenas seguir aquilo que a família anda a fazer em cada episódio, mas também, estar à altura do seu estilo de vida. Há algumas décadas só podíamos espreitar por cima da vedação, mas, agora, enquanto estamos sentados no metro ou deitados na cama, podemos espreitar as redes sociais e ver tanto o que se passa por perto como ao longe. Isso significa que sentimos a necessidade de seguir não apenas os nossos amigos mais próximos e vizinhos, mas também os inúmeros desconhecidos cujas atualizações fabricadas se imiscuem no nosso quotidiano a qualquer momento para nos lembrar quão gloriosa, ou pelo menos diferente, a vida pode ser.
Recentemente, uma cliente de 26 anos disse-me:
– Todas as minhas amigas estão a ter filhos. Isso faz-me sentir que estou a ficar para trás.
Estatisticamente isto não me parecia possível, por isso, perguntei que amigas: quem é que, das pessoas que ela tinha mencionado nas nossas sessões, estava a ter filhos?
– Oh, nenhuma dessas amigas – disse ela. – Apenas uma carrada das outras novecentas pessoas que não conheceria se não fossem as redes sociais.
Ou como outra rapariga referiu:
– Sentia-me bastante bem com a forma como a minha carreira está a correr até ir às redes sociais e ver o que os outros andam a fazer.
Comparar e desesperar, sem dúvida.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
Comentários