
HealthNews (HN) -Quais foram os principais desafios enfrentados no desenvolvimento do programa Minuto Azul Saúde para atingir eficazmente a população mais vulnerável?
Isabel de Santiago – (IDS) O programa Minuto Azul Saúde teve a sua primeira edição em rádio e foi distinguido em 2016 com o apoio do Programa EDP Solidária, tendo sido um dos vencedores do prémio desse ano. Desde o início, enfrentou diversos desafios estruturais e institucionais. Um dos principais obstáculos foi a resistência à mudança por parte de determinadas estruturas, que, apesar de contarem com profissionais altamente competentes, se encontram muitas vezes condicionadas por dinâmicas internas que dificultam a inovação e a colaboração.
Outro desafio significativo prende-se com a integração de profissionais externos às instituições, que nem sempre têm um conhecimento profundo da cultura organizacional e que, ao ocuparem posições de decisão, podem comprometer a continuidade e a eficácia de projetos já implementados com sucesso. A ausência de liderança clara, de visão estratégica e de uma comunicação eficaz agrava estas dificuldades, criando entropias e barreiras à melhoria contínua.
Apesar destes constrangimentos, o projeto conseguiu afirmar-se com uma abordagem inovadora, centrada na utilização de linguagem acessível e de modelos de storytelling que facilitam a compreensão e retenção da informação por parte do público, especialmente os mais vulneráveis. O programa Minuto Azul Saúde tem uma importante componente de serviço público, com transmissão em diversas plataformas da RTP – Açores, Madeira, Internacional e África –, e visa a promoção da literacia em saúde, capacitando, nesta temporada, na parceria com o Infarmed e a Faculdade de Medicina e AIDFM, a população para o uso responsável do medicamento e das tecnologias da saúde.
O envolvimento de diferentes stakeholders, nomeadamente instituições públicas, equipas de comunicação e estudantes, foi determinante para o sucesso desta edição. Destaca-se, a título de exemplo, a colaboração com a equipa de comunicação do Infarmed, cujo trabalho em rede, nomeadamente com os SPMS, permitiu ampliar o alcance da mensagem e mobilizar públicos diversos. Este esforço coletivo demonstra que, quando existe articulação estratégica entre diferentes entidades, é possível comunicar melhor, chegar mais longe e, acima de tudo, promover de forma eficaz a saúde pública.
Como sublinhou o Professor Joaquim Ferreira, coordenador científico do projeto na área do medicamento, é fundamental “educar a população no sentido de comunicar efeitos indesejáveis ao médico”, reforçando uma cultura de segurança, responsabilidade e informação.
HN – Como avalia o impacto das diferentes temporadas do Minuto Azul Saúde, especialmente a parceria com o Infarmed focada no uso responsável do medicamento, na melhoria da literacia em saúde da população?
(IDS) – Neste momento, não estão ainda disponíveis dados quantitativos que permitam uma avaliação rigorosa do impacto do Minuto Azul Saúde. A atual temporada iniciou-se em abril e foi temporariamente suspensa durante o verão, considerando que esta é uma altura em que as famílias estão, em geral, menos recetivas a conteúdos deste tipo, porque saem para férias. A retoma está prevista para setembro, após o período eleitoral.
Está já em preparação um trabalho conjunto com a equipa da ALL ID – Associação Lusófona de Literacia em Saúde, Investigação e Desenvolvimento (entidade sem fins lucrativos) com o objetivo de analisar a tangibilidade das mensagens do programa junto dos diferentes públicos, tanto em Portugal como nas comunidades lusófonas no estrangeiro, tendo em conta também a difusão através das redes sociais dos SPMS e do Infarmed, cujas métricas de alcance se destacam positivamente. Refira-se que, em contraste, o envolvimento direto da Faculdade de Medicina de Lisboa tem gerado menor visibilidade nas suas próprias plataformas digitais.
Importa destacar o papel institucional do Infarmed, cuja liderança reconheceu o valor do projeto. O apoio do seu Presidente, Dr. Rui Santos Ivo, tem sido fundamental e é igualmente valorizado pela atual Ministra da Saúde, Prof.ª Doutora Ana Paula Martins, cuja carreira sempre esteve ligada à promoção da saúde pública. Esta parceria institucional, que inclui ainda a RTP enquanto operador de serviço público de televisão, foi formalizada através de um protocolo celebrado com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sob a direção do Prof. Doutor João Eurico da Fonseca. Esse acordo permitiu viabilizar e consolidar o projeto em termos operacionais e de difusão.
A próxima fase do Minuto Azul Saúde será orientada para temáticas ligadas a ONE HEALTH, saúde global com temas ambientais e sustentabilidade, em articulação com autarquias, incluindo parceiros no norte do país que trabalham a sustentabilidade local, bem como com parceiros em África. A saúde global — conceito que ultrapassa barreiras geográficas e culturais — visa melhorar a equidade e os resultados em saúde a nível mundial. Não se trata apenas de saúde ambiental ou internacional, mas também das desigualdades dentro dos próprios países, reconhecendo que a saúde de uma população está profundamente interligada com contextos globais.
Iniciativas como o Minuto Azul Saúde representam passos concretos no caminho para essa visão ampla e integrada da saúde. São projetos que, quando articulados com instituições sólidas e orientados por princípios de equidade, podem gerar mudanças sustentadas na literacia em saúde e na capacitação dos cidadãos e residentes com direitos.
HN – Qual é a importância de terem recebido o 1º Prémio Literacia SNS para o Minuto Azul Saúde, e que implicações este reconhecimento terá para o desenvolvimento e expansão futura do programa?
(IS) – A atribuição do Prémio Literacia SNS ao Minuto Azul Saúde constitui um reconhecimento público da relevância deste projeto na promoção da literacia em saúde e reforça a sua legitimidade enquanto iniciativa de serviço público. Todos os prémios, independentemente da sua dimensão, devem ser recebidos com humildade, representando, acima de tudo, uma valorização do trabalho coletivo das equipas envolvidas.
Este reconhecimento simboliza a valorização de um modelo colaborativo, sustentado pelo empenho de diversos parceiros institucionais e operacionais, entre os quais se destacam a equipa da Panavídeo e várias pessoas que, muitas vezes em circunstâncias adversas, têm contribuído de forma generosa e competente para o sucesso do projeto. Importa ainda referir que o valor simbólico do prémio foi encaminhado para apoiar uma colaboradora em situação de desemprego, refletindo a responsabilidade social que deve estar associada a projetos com impacto real na comunidade.
O prémio também reforça a necessidade de continuar a investir em novas gerações de profissionais de saúde, com uma visão mais integradora e humanista da medicina. Nesse sentido, o Minuto Azul Saúde tem procurado envolver estudantes e jovens profissionais em ações concretas, nomeadamente em projetos de terreno, como as missões previstas para São Tomé e Príncipe.
Este reconhecimento será um estímulo adicional para o desenvolvimento de novas temporadas e para a expansão do programa a contextos sociais mais vulneráveis, sempre com o foco em conteúdos acessíveis, informativos e cientificamente validados. A missão é coletiva e institucional, não individual. Projetos como este devem ser património das instituições que os acolhem e sustentam, e não iniciativas de cariz pessoal.
O Prémio Literacia SNS confirma que a comunicação em saúde, quando feita com rigor, empatia e visão estratégica, tem um papel determinante na capacitação das populações. É esse o compromisso que continuará a orientar o futuro do Minuto Azul Saúde.
HN/Entrevista de Antónia Lisboa
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