Numa carta aberta a que a Lusa teve acesso e que é assinada por mais de uma centena de médicos internos de centros hospitalares de Norte a Sul do país, os profissionais manifestam preocupação com o futuro da formação médica e insistem que “só há futuro de houver presente”.
“A formação de médicos internos exige que sejam dadas condições para fixar médicos especialistas”, consideram os internos, lembrando que “a qualidade dos cuidados de saúde está diretamente relacionada com o grau de especialização dos médicos”.
Questionado pela Lusa sobre se a formação dos internos estava já a ser prejudicada, Gonçalo Pinto Soares, que representa este movimento a que chamam “Internos pelos Internos”, afirmou: “Tenho mesmo que dizer que dizer que sim”.
“O facto de estarmos a perder aquelas pessoas que têm mais conhecimento e são mais capazes para ensinar e formar os médicos mais jovens, faz com que os médicos internos tenham que se desdobrar em muito mais trabalho, (…) estejam a ser chamados a realizar mais horas de enfermaria, mais horas nas urgência (…) não tendo o tempo precioso para realizar as técnicas mais diferenciadas e perdendo contacto com o bloco [operatório]”, afirmou.
E acrescentou: “Porque estarmos sempre ser chamados para trabalhos extra (…) acabamos por perder tempo necessário para aquilo que é uma coisa também muito importante que é o estudo autónomo, em casa, para podermos fazer investigação”.
Na missiva, os médicos internos lembram que são mais de 10.000 (cerca de um terço de todos os médicos no SNS) e afirmam que são os médicos internos que cumprem “uma percentagem extraordinariamente significativa da atividade hospitalar e nos cuidados de saúde primários, incluindo as mediáticas escalas de urgências”.
Defendem que a falta de perspetiva de estabilidade profissional “tem comprometido não só a prestação de cuidados especializados, mas também a capacidade de garantir uma formação de qualidade aos médicos internos”.
“Não podemos permitir que este aspeto seja ignorado na discussão pública, pois é nele que reside toda a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e é, por isso, urgente valorizar e respeitar os médicos especialistas, sob pena de se hipotecar o futuro da saúde em Portugal”, escrevem.
Exigem “saúde de qualidade para todos”, sublinhando que “não pode haver cuidados de saúde de primeira e de segunda categoria” e que o sistema de saúde português “tem de ser orientado pela excelência”.
Isto só é possível — insistem — “com processos rigorosos e transparentes que têm estado intrinsecamente associados ao internato médico, ao reconhecimento de qualificações e à sua supervisão técnica, impedindo a usurpação de tarefas de medicina especializada por quem não tem as competências exigidas para a prática clínica em segurança”.
Defendem ainda que a contratação de médicos “jamais deverá acontecer sem as devidas provas curriculares e académicas que garantam a sua competência e qualificação”.
“Defendemos uma medicina de qualidade para todos, e a única forma de o conseguir é não abrindo exceções no que diz respeito aos cuidados de saúde especializados”, escrevem.
Em declarações à Lusa, Gonçalo Pinto Soares acrescenta: “Nós podemos ser uma incubadora de mega projetos científicos, porque os médicos portugueses são todos carolas, é tudo malta que gosta de trabalhar, gosta de explorar e de criar coisas novas. Somos pessoas motivadas que, se continuarmos a levar estas caneladas, vamos desmotivando”.
A carta aberta é assinada por médicos internos de diversas unidades de saúde, entre elas o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, Centro Hospitalar de Leiria, o Hospital da Senhora da Oliveira (Guimarães), o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Hospital Garcia de Orta e Centro Hospitalar Universitário São João.
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