A enurese noturna, ou perda involuntária de urina durante o sono, manifestando-se por uma frequência de pelo menos duas vezes por semana, durante três meses consecutivos, ou causando sofrimento clinicamente significativo em crianças com mínimo de cinco anos de idade (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5.ª Edição) é uma situação relativamente comum em crianças, apesar de gerar apreensão nos pais, sobretudo quando a criança já tinha controlo dos esfíncteres. É, por isso, essencial perceber que esta condição não representa uma falha da criança, mas sim um processo que pode ter várias causas subjacentes – sejam elas fisiológicas, emocionais ou do foro do neurodesenvolvimento.

Antes de mais, é importante refletirmos sobre o momento do desfralde. Esta é uma etapa guiada pela criança, e por isso não deve ser apressada. Apesar da pressão ainda existente – como acontece, por exemplo, com os “desfraldes coletivos” promovidos por algumas escolas –, cada criança tem o seu próprio ritmo, que deve ser respeitado, tanto de dia como de noite. O papel do adulto deve ser o de criar um ambiente facilitador (como facilitar a apresentação do redutor, bacio, etc.), mas nunca forçar. A decisão deve partir da própria criança, na ausência de qualquer patologia relevante.

No que diz respeito especificamente à fralda noturna, a sua retirada deve basear-se em dois indicadores principais: a presença de fraldas secas com frequência e a vontade expressa da criança. Assim, tal como durante o dia, também aqui é importante respeitar a maturação neurológica e emocional da criança. Quando o processo natural de desfralde é apressado, externamente, a probabilidade de surgirem episódios de enurese noturna é muito superior. Até aos seis anos, a utilização de fralda durante a noite é considerada normal dentro dos parâmetros do desenvolvimento infantil.

Quando a enurese noturna se prolonga para além dessa idade, importa fazer uma avaliação cuidadosa para despistar outros fatores. Esta avaliação começa pela história clínica da criança, incluindo antecedentes familiares, eventuais problemas médicos e aspetos emocionais que possam estar a influenciar o sono. Em alguns casos, crises epiléticas noturnas, por exemplo, podem ser um fator a considerar. Deve também ser feita uma glicemia capilar para excluir diabetes mellitus ou outras condições metabólicas (como poliúria). Além disso, fatores psicológicos, como a chegada de um irmão, mudanças de casa ou problemas na escola, podem ter um peso relevante e devem ser abordados com sensibilidade.

Importa ainda distinguir entre os dois tipos principais de enurese noturna quando se descartam questões mencionadas anteriormente. A primária, em que a criança nunca chegou a ter controlo urinário noturno, sendo esta frequentemente associada a questões do neurodesenvolvimento. A secundária, em que a criança já tinha controlo e volta a perder essa capacidade. Aqui, o quadro costuma surgir sem sintomas vesicais durante o dia, com micções que ocorrem no primeiro terço da noite (fase NREM do sono). É nesta forma que se levantam mais vezes suspeitas de causas psicológicas ou psiquiátricas, sendo comum encontrar problemas de comportamento, perturbações depressivas mascaradas ou perturbações de adaptação, frequentemente associadas a eventos de vida marcantes ou traumáticos.

Em resumo, a enurese noturna deve ser encarada com empatia, paciência e um olhar atento ao ritmo e contexto da criança. Mais do que resolver rapidamente o “problema”, é essencial perceber o que ele pode estar a querer comunicar.

Filipa Maló Franco
Psicóloga

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