
“Se largares os hidratos, vais ter o teu corpo de sonho!”; “O óleo de coco no café vai derreter toda essa gordura que aí tens!” — promessas como estas inundam redes sociais, sites e até conversas de café. São rápidas, apelativas e perigosamente sedutoras. Carregam um outro atributo: são falsas. Contra esta corrente, levanta-se a voz do nutricionista Alexandre Azevedo.
Com mais de 20 anos de experiência como nutricionista clínico, Alexandre Azevedo insurge-se contra as dietas milagrosas. No seu mais recente livro, O Teu Último Nutricionista (edição Contraponto), o autor recusa fórmulas prontas e propõe um método claro: perder peso com ciência, sem modas nem dogmas, e com responsabilidade individual.
“Culpar o Estado é mais fácil do que assumirmos a nossa própria responsabilidade”, afirma. Para Azevedo, o primeiro passo para mudar está em deixar de procurar desculpas e começar a fazer escolhas conscientes. “Somos adultos, temos a nossa vida organizada... também deveríamos assumir a responsabilidade de termos mais saúde.”
Um dos alvos do autor é a chamada “normalização da obesidade”. Para Azevedo, reconhecer que há um problema não é crueldade — é o princípio da mudança.
De acordo com o autor, o livro assume-se como mais do que um grito contra as falácias da indústria do emagrecimento. É também uma proposta concreta, prática, acessível. Ensina a calcular défices calóricos, a ajustar macronutrientes, a planear refeições sem cortar no prazer.
Neste caminho, o nutricionista pede-nos trabalho, coerência e persistência. A missão, diz, é clara: “Não desistir de ninguém que queira ser ajudado”.
Na capa do seu livro podemos ler: “100% científico. Livre de aldrabices”. É um alerta para a realidade que vivemos atualmente no que respeita à alimentação? Quer detalhar?
Podemos considerar um alerta sim. O mundo da alimentação saudável atrai uma atenção enorme nas redes sociais e a falta de regulação permite que milhares de perfis, feitos por pessoas sem formação académica em ciências da nutrição criem páginas com o objetivo de dar acompanhamento nutricional ou vender cursos.
O marketing hoje, sobrepõe-se muitas vezes ao conhecimento e à formação, como se qualquer pessoa, pudesse inventar a sua própria profissão e pudesse ser jornalista, médico, nutricionista, advogado ou arquiteto sem passar pela faculdade. Com isso abre-se um espaço enorme para a criação de qualquer conteúdo, sem que ninguém seja responsabilizado. Falando de saúde, na melhor das hipóteses, gera desinformação.
Na introdução ao livro talha-lhe os objetivos, mas também deixa um alerta: “este livro poderá não ser para ti”. A quem não se destina o seu livro?
Os meus clientes costumam dizer que sou bastante direto e frontal na minha forma de trabalhar e nem todas as pessoas gostam dessa abordagem. Gosto muito de aproveitar o tempo que tenho com as pessoas com quem trabalho para nos focarmos naquilo que podemos fazer e menos naquilo que não controlamos.
Com isto quero dizer quem nem todas as pessoas gostam de ouvir que são responsáveis pelas suas escolhas e decisões.
O marketing hoje, sobrepõe-se muitas vezes ao conhecimento e à formação, como se qualquer pessoa, pudesse inventar a sua própria profissão.
Em sentido oposto, a quem se destina o seu livro?
A todos que querem saber mais sobre nutrição, numa vertente descomplicada e direta, mas ao mesmo tempo com um toque pessoal. Trouxe para este livro muito mais do que apenas informação, partilho momentos da minha vida e episódios que me marcaram e muitas das ferramentas e sistema que uso com os meus clientes e comigo. E apesar de não ser um livro de receitas, tem algumas muito simples que costumo usar na minha casa.
No léxico atual do políticamente correto no que toca à perceção dos corpos há alguma frase que o irrite em particular?
Odeio a normalização da obesidade. Existem demasiados estudos para que alguém nos dias de hoje questione as suas consequências na saúde, longevidade e qualidade de vida das pessoas.
Entendo que para alguém que tenha procurado ajuda muitas vezes sem sucesso, estas ideias possam funcionar como um analgésico emocional, mas considero que um pouco de desconforto e de dor são importantes.
Se não sentisse dor quando coloco a mão no fogo corria o risco de sofrer queimaduras graves de vez em quando. Se não me incomodar ter 10kg ou 20kg a mais, provavelmente não irei corrigir os comportamentos que me fizeram chegar a essa condição, correndo o risco de engordar ainda mais. Mas é uma questão complexa e que por vezes requer uma equipa multidisciplinar recorrendo à ajuda de um psicólogo.
Em nutrição fala-se cada vez mais em 'dieta de precisão', ou seja, criar um plano individualizado que respeite a vida do cliente e os seus horários, gostos pessoais.
Considera que estamos viciados em dietas, muita delas sem qualquer base científica? Há, entre estas dietas, algumas que se lhe afigurem mais perniciosas?
Em nutrição fala-se cada vez mais em “dieta de precisão”, ou seja, criar um plano individualizado que respeite a vida do cliente e os seus horários, gostos pessoais, a substituição de alimentos que possam gerar algum desconforto digestivo e não só, e claro os seus objetivos. Faço isso na minha consulta, ensino a fazer no meu programa online e trago essa forma de trabalhar também para o meu livro. Não gosto de falar de dietas ou métodos específicos. Não gosto de “nutrição pronto a vestir”, entendo o objetivo de quem cria esses sistemas - ganhar dinheiro -, mas acho que se pode e deve trabalhar de outra forma. Mas, obviamente, é a apenas a minha opinião.
O título que o Alexandre Azevedo escolher para o seu livro é perentório. Porque se assume como o “último nutricionista” (de quem lê o livro, presumo)?
O título surgiu da frase que tenho no meu perfil de Instagram @dr.alexandreazevedo. Era uma frase que usava muitas vezes com os meus clientes que vinham de muitas experiências e tentativas; “espero ser o teu último nutricionista”. Com isso quero dizer que me preocupo bastante em usar as estratégias que funcionam com todas as pessoas e que estão comprovadas e validadas. Esforço-me em passar o máximo de informação e não apenas dar uma folha com um plano, para que os meus clientes aprendam a organizar a sua alimentação para o resto da vida.
A abrir o livro, o Alexandre Azevedo recorda um episódio da sua infância, o de ingressar no primeiro ciclo e o de perceber que era um menino gordo. Também recorda a resposta que a sua mãe lhe deu: “tu não és gordo, mas sim, neste momento estás gordo”. Há nestas palavras uma mensagem de esperança para as pessoas que enfrentam o excesso de peso e a obesidade e não sabem onde começar o caminho para a perda de peso?
Sem dúvida. De todas as características com as quais nascemos a gestão da nossa composição corporal é de longe a mais fácil de alterar. Acho perigoso quando nos caraterizamos com algo negativo, porque isso tira-nos energia para trabalhar os nossos pontos fracos. Recebi esta semana umas fotos de uma antiga cliente que perdeu perto de 60kg porque desconstruiu esta identidade de “gorda” e abriu espaço à possibilidade daquele peso não ser dela, ser apenas emprestado.
No livro também apela à responsabilidade de cada um no que toca aos hábitos de vida saudáveis, nomeadamente aqueles que evitam o aumento de peso. Escreve: “Culpar o Estado é mais fácil do que assumirmos a nossa própria responsabilidade”. Falta literacia neste domínio?
Falta. Mas infelizmente não encontro uma solução em massa para o problema. Existe muito ruído e muita informação contraditória. O que recomendo é aquilo que faço em áreas que quero saber mais e não domino. Contrato alguém para me ensinar, faço um curso e estudo sobre essa área.
Também destaca a indústria do emagrecimento que, não obstante os milhões investidos, não evita que cresça o número de pessoas com excesso de peso e obesidade. Será que também existe uma “indústria da obesidade”?
É uma excelente questão, mas pessoalmente não tenho muita paciência para as teorias da conspiração. Sou adulto, tenho a minha vida organizada e costumo definir objetivos semanais. Quando vou ao supermercado não tenho ninguém a oferecer-me alimentos que não quero levar para casa. Na minha cidade, em Torres Vedras, tenho quase dez hipermercados carregados de legumes, boas fontes de proteína, frutas e iogurtes. Dizer que é mais caro comer bem do que mal é completamente falso. Fiz um vídeo no Instagram com um orçamento muito baixo a comer de forma saudável. Se somos responsáveis para trabalhar, educar filhos e viver em sociedade, também deveríamos assumir a responsabilidade de termos mais saúde, pelo menos para quem quiser ter uma vida com mais qualidade e um envelhecimento melhor.
Dizer que é mais caro comer bem do que mal é completamente falso. Fiz um vídeo no Instagram com um orçamento muito baixo a comer de forma saudável.
No livro também sublinha a sua missão enquanto nutricionista e o compromisso que tem para com os seus pacientes. Qual é a sua missão?
Em primeiro lugar fazer sempre o melhor que sei: praticar em mim aquilo que recomendo aos meus clientes. Acredito que se influencia pelo exemplo e não pelas palavras; e não desistir de ninguém que queira ser ajudado.

Porque chama ao saudável uma “armadilha”? É uma palavra traiçoeira?
No contexto do livro porque grande parte das pessoas que me chega não come mal, mas come muito. Não é por ter alimentos saudáveis na minha dieta que vou perder gordura. Quantificar o gasto energético o melhor possível, e ajustar a dieta para esse valor de acordo com os objetivos do cliente, é muito mais importante do que fazer jejum, cortar hidratos de carbono ou comer abacates.
Para além disso considerar um alimento saudável sem o contexto indivíduo leva a enormes disparates, como forçar uma criança com intolerância ao leite de vaca a bebê-lo porque é “saudável” ou recomendar o consumo de alimentos para todos, quando muitas pessoas não toleram todos os alimentos.
Não esquecendo também que não existe um “ministério” do saudável, qualquer pessoa pode colocar esse rótulo em tudo, até na obesidade.
Há uma frase no seu livro que me ficou a bailar no espírito: No capítulo 5 escreve que “nós não fazemos o que gostamos, fazemos o que somos”. De que forma se liga esta frase à mensagem que nos traz o livro?
Acredito muito no poder das palavras. Há uma frase amplamente conhecida na alimentação “somos o que comemos”, eu pessoalmente gosto de inverter a frase e dizer “comemos o que somos”. Daí a importância do nosso discurso interno e da forma como nos vemos. Uma pessoa que se considera fit e saudável permite comportamentos menos alinhados com a sua identidade apenas excecionalmente e em dias de festa. Uma pessoa que se assume como gorda ou desleixada, pelo menos neste contexto come mal e não treina porque “é” assim.
Esta semana numa consulta tive uma mulher com excesso de peso, dois empregos e a trabalhar 14 horas por dia, que me disse “eu sou preguiçosa”, ao que respondi, um preguiçoso não trabalha 14 horas.
Se ela conseguir mudar a forma como encara a alimentação e a atividade física e conseguir aos poucos fazer pequenas mudanças nos seus comportamentos, vai conseguir progressos. Esses progressos darão provas a esta mulher de que é possível alterar a sua condição atual. Essas provas, por sua vez, vão alterar aos poucos também aquilo em que ela acredita em relação à sua capacidade de fazer algo diferente. Se der tempo ao tempo, essas alterações poderão ser bastante profundas, ao ponto de deixar de reconhecer os seus comportamentos anteriores. Passando a comer e a se comportar de forma diferente porque ganhou uma identidade nova em relação à saúde.
Há livros que se prestam somente à leitura, outros convocam-nos à ação. No caso de O Teu Último Nutricionista, qual seria a melhor frase a escutar de alguém que leu o seu livro?
Vou tentar fazer uma coisa que o jiu-jitsu me ensinou nos últimos 25 anos e deixar o ego o mais fora deste processo possível. Sei que terei pessoas que vão adorar o livro e outras que não vão gostar, é assim em tudo na nossa vida.
Gostava que este livro trouxesse alguma lógica e uma linha de raciocínio simples para todos os que o lerem, no que diz respeito à nutrição e à saúde. Mas vou partilhar uma coisa que penso muitas vezes e que me faz acordar todos os dias para trabalhar: gostava que o meu trabalho servisse de ponte para que algumas pessoas — que talvez não fossem viver o suficiente para acompanhar o crescimento dos filhos, ou conhecer os netos — o consigam fazer, porque de alguma forma foram tocadas, alertadas ou transformadas pelo que faço no meu trabalho, pela leitura deste livro ou pelas minhas redes sociais ou podcast.
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