A legislação, que exige que as empresas farmacêuticas testem potenciais medicamentos contra o cancro em crianças e adultos, entrará em vigor em 2020.
“Estamos a viver um momento emocionante”, disse Crystal Mackall, investigadora ligada à oncologia pediátrica da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “Se antigamente tínhamos de pedir encarecidamente para falar com as farmacêuticas, neste momento são elas que estão a querer entrar em contacto connosco.”
Durante anos, as empresas farmacêuticas recusaram-se a dar início a testes de medicamentos contra o cancro infantil, pois estes eram considerados arriscados e pouco lucrativos.
Ao contrário do que acontece com o cancro em adultos, o mercado do “cancro infantil” é relativamente pequeno: segundo a American Cancer Society, dos estimados 1,7 milhões de novos casos de cancro nos Estados Unidos em 2018, apenas 10 590 envolveram crianças com 14 anos ou menos.
Para Norman Lacayo, oncologista pediátrico do Hospital Infantil Lucile Packard, nos Estados Unidos, a Europa tem tido um papel muito mais duro do que os Estados Unidos em conseguir que fabricantes de medicamentos testem terapias em crianças.
“Estávamos com ciúmes da Europa, onde forçaram todas as empresas a ter planos de investigação pediátrica para todos os fármacos, algo que nós não tínhamos”, disse o oncologista.
Mas, felizmente, esse cenário está a mudar.
Em 2019, Norman Lacayo irá lançar um ensaio clínico de um fármaco para a leucemia em adultos, feito pela Roche, em crianças cuja leucemia recaiu. O ensaio pode ajudar alguns dos seus pequenos pacientes, como Avalynn Wallace, de 6 anos, que contraiu uma forma agressiva de leucemia há dois anos atrás.
Depois de muitas rondas de quimioterapia, Avalynn continuou a recair e desenvolveu infeções, tendo sido sujeita a um transplante de células estaminais em setembro de 2018.
“Eu não acho que haja muitas opções para nós”, disse a sua mãe, Nicole Wallace, “daí ser tão importante que as empresas farmacêuticas ofereçam testes para medicamentos que possam curar estas terríveis doenças pelas quais as crianças passam”.
Mais de 80% das crianças com cancro conseguem curar-se. No entanto, alguns tipos de cancro pediátrico resistem ao tratamento e os médicos têm poucos recursos.
“É um pesadelo para as famílias que não têm opções, mas espero que este novo ensaio clínico da Roche lhes possa dar esperança”, conta Norman.
Hubert Caron, que lidera a equipa de oncologia pediátrica da Roche, chama a esta nova legislação de uma “divisora de águas” que trará mais tratamentos para crianças com cancros incuráveis.
Segundo o médico, há algum tempo que esta farmacêutica se andava a focar nos casos de cancro infantil espalhados pelo mundo, mas esta legislação norte-americana está a “estimular a empresa, e outros, a fazer mais e melhor”.
“Tenho a certeza que veremos grandes mudanças nas terapias para crianças entre os próximos 5 ou 10 anos”, prevê o Hubert.
Em 2017, o Congresso norte-americano aprovou a Lei de Pesquisa para Acelerar a Cura e a Equidade para Crianças, exigindo que as empresas realizem testes clínicos sobre medicamentos contra o cancro direcionados para crianças.
Dados os poucos medicamentos contra o cancro para crianças, os oncologistas pediátricos disseram ter usado aqueles destinados a adultos em pacientes jovens.
“A maioria dos fármacos que usamos para tratar e curar o cancro infantil foi desenvolvida nos anos 50, 60 e 70”, disse Peter Adamson, oncologista pediátrico do Hospital Infantil da Filadélfia.
Enquanto outros esforços legislativos tentaram, mas falharam, em fazer com que as empresas farmacêuticas fizessem mais pesquisas em crianças, a lei RACE deverá mudar isso.
Mary Tankersley, de 17 anos, diagnosticada com osteossarcoma aos 11 anos, está otimista em relação a esta nova legislação.
A menina superou a doença e hoje faz parte da Rally Foundation for Childhood Cancer Research, um grupo que promove e financia pesquisas para o cancro infantil.
“Eu não tenho medo que o meu cancro regresse, mas sinto-me melhor ao saber que, se isso acontecer, graças a esta legislação terei acesso a melhores tratamentos”, disse a sobrevivente.
Apesar desta legislação receber apoio por parte de todos os investigadores ligados à oncologia pediátrica, alguns temem que se esteja a elevar demasiado as expetativas, nomeadamente às famílias que têm que passar por este sofrimento.
“O cancro é algo muito desafiante, e os avanços não são, nem podem ser, dados adquiridos. Temos que ir com cautela e dar pequenos passos”, disse o presidente do Children’s Oncology Group, um consórcio internacional de mais de 220 centros de cancro infantil.
Fonte: PIPOP
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