Qualquer pandemia tem inevitavelmente enormes custos em vidas humanas e reais custos económicos, por causas diretas e indiretas, e tem-se verificado que estes dois aspetos têm aumentado de forma consistente ao longo dos séculos XX e XXI. Detetar e conter zoonoses emergentes, tem sido a intervenção de decisores políticos, mas a principal ação tem surgido depois de haver um número significativo de pessoas doentes. Segundo um estudo publicado na revista Science Advances (Bernstein et al., 2022), que analisa os gastos anuais com zoonoses provocadas por vírus e a sua respetiva prevenção, mostra que o que está a ser feito não chega para prevenir novas pandemias, pelo que a estratégia tem que mudar.
Está consistentemente documentado que a passagem de vírus de animais para humanos, é o primeiro e principal risco para o início de uma pandemia e que as pandemias zoonóticas são cada vez mais frequentes e mais caras. Os autores mostram que há diferenças significativas entre fazer verdadeira prevenção primária e intervenções após o início de uma pandemia, principalmente, porque a primeira tem uma visão geral e global de todas as situações que estejam a emergir e a segunda tem o foco unicamente na patologia que deu origem à pandemia. A aposta na prevenção primária e a implementação de políticas de controlo e vigilância de zoonoses, é tão importante, que mesmo que levasse apenas a uma redução de 1% do aparecimento de doenças provocadas por vírus, já seria rentável em termos de gastos económicos.
A importância de se investir mais na verdadeira e efetiva prevenção de zoonoses, reside no facto de que são cada vez mais frequentes, independentemente de terem um aparecimento irregular. Há também cada vez mais surtos, há cada vez menos anos sem surtos, o espaço de tempo entre os surtos é cada vez mais curto e os surtos dissemina-se mais rapidamente e por mais continentes. Como a taxa de emergências pandémicas é constante, isto significa que quanto mais pessoas houver no planeta, mais frequentes serão as pandemias e mais impacto terão num maior número de pessoas.
Sabendo que a passagem interespécies de vírus se faz de animais selvagens para humanos, muitas vezes tendo como intermediário, animais domésticos, e sabendo também, que o desmatamento, a caça, o comércio e o consumo de animais selvagens estão na base das pandemias, tem que se adotar medidas para evitar o que já se sabe que poderá acontecer.
O que podemos fazer para reduzir os riscos do aparecimento de futuras pandemias, como a deteção precoce dos agentes infeciosos e evitar uma disseminação global, é apresentado por Bernstein et al. (2022) no seu artigo. Os autores propõem o investimento na prevenção, uma vez que esta tem vinte vezes menos custos, que os gastos após a instalação da situação pandémica. Neste sentido, propõem:
1) Investir e desenvolver projetos globais para estudo e vigilância de vírus, uma vez que a deteção precoce encurta a propagação de surtos. Estudar os vírus implica: conhecer as famílias virais potencialmente zoonóticas, fornecer informação para a construção de bases de dados com distribuição geográfica, identificar de forma rápida o genoma do vírus, produzir com maior rapidez testes específicos, diagnosticar precocemente, desenvolver vacinas e medicamentos específicos.
2) Controlar as explorações pecuárias, uma vez que têm um papel significativo no aparecimento de agentes patogénicos. As explorações pecuárias de grandes dimensões, acrescem a probabilidade de transformar os animais em reservatórios de agentes patogénicos com potencial pandémico. No entanto, o risco fica substancialmente aumentado quando as explorações incluem a criação de animais selvagens. Uma análise dos maiores surtos zoonóticos nas últimas três décadas, concluiu que 100 deles estavam associados à forma como são desenvolvidas as explorações pecuárias e como foram responsáveis pelo reaparecimento de agentes patogénicos como a brucelose e o antraz.
3) Incluir a medicina veterinária na medicina humana, uma vez que há necessidade de desenvolver o conceito de One Health. Os médicos veterinários são muitas vezes os primeiros a alertar para o aparecimento de doenças com origem nos animais e os países com um menor número de profissionais na área da veterinária, são os que menos controlo têm na passagem de agentes patogénicos entre espécies.
4) Eliminar o comércio não controlado de animais selvagens. Em qualquer fase do comércio de animais selvagens pode haver a passagem de agentes patogénicos para animais domésticos e depois para humanos ou diretamente para humanos. Este risco é maior nos animais selvagens em cativeiro, uma vez que têm uma maior prevalência de agentes patogénicos, comparativamente com a mesma espécie na natureza. Um outro aspeto fundamental para que se possa prevenir próximas pandemias, obriga à análise individualizada e um maior controlo do comércio de animais na China. São vários os estudos que mostram que as situações de disseminação zoonótica nas últimas décadas, vieram da China. A SARS provocada por um coronavírus em 2002, a gripe aviária provocada pelo H5N1 em 2003, a transmissão de um coronavírus entre porcos em 2017 e a COVID-19 provocada pelo SARS-CoV-2 em 2019, surgiram todos na China. Por estas evidências, é essencial que haja importantes e sérias restrições ao comércio e consumo de animais selvagens de uma forma definitiva e permanente, em todos os países.
5) Controlar o desmatamento, como fator de emergência de agentes patogénicos, é decisivo para prevenir futuras pandemias. O desmatamento coloca seres humanos cada vez mais perto de animais com risco zoonótico, e esta proximidade favorece a transposição de barreiras interespécies para os vírus. As mais recentes investigações provam que o surgimento de doenças provocadas por vírus, quer seja em humanos, quer seja em animais, está diretamente associada ao desmatamento.
De acordo com a OMS a COVID-19 causou até 12 de maio de 2024, 7 049 376 mortes, causou a perda de 336,8 milhões de anos de vida em todo o mundo entre 2020 e 2021 e estima-se que já custou 12,5 triliões de dólares à economia global, segundo o Fundo Monetário Internacional. Em Portugal, em 2021, custou 7 743,7 milhões de euros (ME), devido ao aumento de 7 437,3 ME de despesa e à perda de 306,4 ME de receitas, segundo a Direção-Geral do Orçamento.
Mas a pandemia não teve apenas custos monetários. Estima-se que como consequência da pandemia, cerca de 25 milhões de crianças em todo o mundo durante o ano de 2021, ficaram pelos mais variados motivos, impedidas de realizar a vacinação de rotina. Os países menos desenvolvidos foram os que registaram os valores mais baixos de vacinação, estimando-se que subiu 37% o número de crianças que não recebeu qualquer imunização entre 2019 e 2021. Como resultado das baixas taxas de vacinação, em África o número de casos de sarampo subiu 400%.
Também não é contabilizável, o impacto psicológico das pessoas que perderem familiares próximos, amigos, o emprego, os gastos adicionais em saúde pela condição pós-COVID e todas as crianças que ficaram órfãs.
Aprendemos com a pandemia de COVID-19, que problemas planetários só podem ser resolvidos com uma cooperação planetária e que nenhuma intervenção isolada impede pandemias. Se a globalização é um dos fatores desencadeadores da disseminação de microrganismos que provocam pandemias, a estratégia de intervenção para a prevenção tem que ser globalizável para ser eficaz. Sabendo que com estratégias atempadas e adequadas, é possível evitar que um surto se transforme numa pandemia, formar e mobilizar profissionais das mais variadas áreas, ter profissionais especializados em prontidão e capacitar as populações de maior risco, são medidas mais baratas e eticamente mais responsáveis.

Referências
Bernstein, A.S. et al. (2022). The costs and benefits of primary prevention of zoonotic pandemics, Sci. Adv.8, eabl4183. DOI:10.1126/sciadv.abl4183
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