Nos anos mais recentes, alguns autores defendem que a utilização de psicadélicos inaugura “um novo paradigma” na psiquiatria. Gostaria que contextualizasse este novo mundo que se abre com a utilização dos psicadélicos nas terapêuticas.

Os psicadélicos são substâncias que causam uma alteração profunda e temporária do conteúdo da consciência. Por consciência entendemos o que vemos, o que pensamos, o que sentimos e, mais importante ainda, a forma como nos vemos e sentimos a nós próprios. Os psicadélicos classificam-se em psicadélicos clássicos, que atuam num recetor específico do neurotransmissor serotonina, como a psilocibina, o LSD, o DMT e a mescalina; e psicadélicos atípicos, que atuam de formas distintas, como a cetamina, o MDMA e outros. É importante também referir que quando usados com o objetivo de tratar problemas de saúde mental, quer seja em contexto de investigação ou em contextos clínicos, estas substâncias são tipicamente administradas com suporte interpessoal e combinadas com alguma forma de suporte psicoterapêutico. Para além disso, o número de administrações da substância é relativamente baixo (uma a duas sessões no caso da psilocibina, cinco a seis no caso da cetamina), uma diferença importante em relação à maioria dos tratamentos farmacológicos na área da saúde mental, que requerem administrações diárias de medicamentos durante meses.

Se inauguram ou não um novo paradigma na psiquiatria, é uma questão cuja resposta ainda permanece em aberto. Infelizmente quando alguém se refere a algo como um novo paradigma os seus intuitos são mais comerciais do que científicos ou filosóficos. O paradigma mais universalmente aceite em Psiquiatria, e na Medicina, é o modelo biopsicossocial, que vê a doença mental como manifestação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Mas este paradigma não passa de uma visão teórica: na prática, a maioria das pessoas vai a um psiquiatra que lhe passa medicamentos e/ou a um psicoterapeuta quando precisa de fazer psicoterapia. Na minha opinião, mais do que trazerem um paradigma radicalmente diferente, uma das principais características dos psicadélicos é contribuírem para uma maior aproximação entre os diferentes componentes do paradigma biopsicossocial.

Crescemos com avisos sobre o uso de substâncias que alteram estados de consciência. O que nos pode dizer de abonatório em relação aos psicadélicos que desmonte alguns mitos e lugares-comuns?

O maior mito sobre os psicadélicos, e sobre as drogas em geral, é que são ilegais porque são perigosos. Na verdade, a investigação científica tem mostrado que psicadélicos clássicos são muito mais seguros do que as principais substâncias psicoactivas legais, sobretudo muito mais seguros do que o álcool e o tabaco. O termo técnico “substância psicoactiva” refere-se a drogas, ou seja, a todas as substâncias com efeitos psicológicos ou na mente. A maioria das pessoas não vê o álcool e o tabaco como drogas por um motivo muito simples: pela influência enorme que a indústria do álcool e do tabaco têm na nossa sociedade. Ao contrário destas substâncias, os psicadélicos não são substâncias aditivas e, em vários estudos, têm vindo a demonstrar potencial como tratamento de várias dependências.

A razão pela qual os psicadélicos se tornaram ilegais teve pouco a ver com a ciência e muito mais com factores políticos. Nos anos de 1960, o seu uso ficou associado ao movimento da contracultura americano, que se opunha à Guerra do Vietname e desafiava os valores tradicionais. Este contexto político teve um papel central na sua criminalização. Nunca existiu evidência científica sólida que justificasse a sua proibição — pelo contrário, tanto a investigação mais antiga como a mais recente aponta para o seu potencial terapêutico, seguro e significativo, quando utilizados de forma responsável e em contextos apropriados.

Com isto não quero dizer que os psicadélicos não têm quaisquer riscos - todas as substâncias, e todas as actividades humanas, os têm. Os principais são de natureza psicológica, como ter uma experiência desafiante ou emocionalmente intensa, vulgarmente conhecida como uma "bad trip".

O que sucede ao nosso cérebro sob o efeito de psicadélicos?

Os efeitos dos psicadélicos no cérebro podem ser divididos em dois momentos principais: os efeitos agudos, que ocorrem enquanto a substância está ativa no organismo, e os efeitos a longo prazo, que persistem depois da substância já ter sido eliminada.

Pedro Castro Rodrigues é médico psiquiatra e trabalhou durante 15 anos no Hospital Júlio de Matos, tendo implementado uma das primeiras unidades onde se realizam tratamentos com psicadélicos (cetamina em combinação com psicoterapia) no Serviço Nacional de Saúde. Doutorado em Medicina, desenvolveu o seu projecto de doutoramento na área das Neurociências na Fundação Champalimaud e na Columbia University, em Nova Iorque. Foi professor auxiliar de Saúde Mental na NOVA Medical School e é actualmente investigador no Centre for Psychedelic Research do Imperial College London.

Durante a fase aguda, os psicadélicos clássicos — como a psilocibina ou o LSD — provocam uma mudança temporária na forma como as redes cerebrais comunicam entre si. Aumenta a comunicação entre regiões do cérebro que normalmente não "falam" muito umas com as outras, e diminui a comunicação entre regiões que habitualmente estão muito ligadas entre si. Esta reorganização temporária da atividade cerebral está na base dos efeitos psicológicos agudos dos psicadélicos, como experiências emocionais intensas, alterações na perceção do eu e sensações de insight psicológico.

Já a longo prazo, os psicadélicos promovem um aumento da neuroplasticidade — um termo técnico que se refere à capacidade do cérebro de criar novos neurónios, novos ramos dos neurónios existentes e novas ligações entre eles. Este efeito, que pode durar vários dias ou até semanas depois da substância ter sido completamente eliminada do corpo, pode ajudar a explicar porque é que os psicadélicos têm mostrado potencial terapêutico em condições como a depressão, a ansiedade ou as dependências.

Os efeitos da cetamina em dose baixa no cérebro são semelhantes, embora tendam a ser mais breves e com mais alterações da percepção do corpo, enquanto que o MDMA atua de forma bastante diferente, diminuindo a atividade em áreas associadas ao medo e ansiedade e causando experiências de empatia e conexão social.

Usados no contexto certo, os psicadélicos podem trazer benefícios que, de outra forma, seriam difíceis de obter.

Sobre o tema, o da utilização dos psicadélicos como recurso terapêutico, alerta no seu livro para expectativas irreais. Fala mesmo dos “evangelizadores psicadélicos”. No fundo, quais são as limitações práticas que ainda impedem considerar os psicadélicos como uma “cura milagrosa”?

Não são apenas as limitações práticas que impedem de considerar os psicadélicos uma solução milagrosa. Os psicadélicos não são, nem poderiam alguma vez ser, uma solução milagrosa. Os problemas de saúde mental são altamente multifatoriais e complexos, não se compadecendo com as expectativas de quem vê nestas substâncias uma resposta simples para todos os males do mundo — ou, em alguns casos, uma oportunidade de negócio.

É verdade que os psicadélicos estão a gerar grande entusiasmo — e com razão, dado o seu potencial terapêutico. Mas é fundamental manter expectativas realistas. Um dos riscos que assinalo no meu livro é precisamente o surgimento de uma narrativa quase “evangelizadora”, que promove estas substâncias como respostas universais. Isso não corresponde à realidade científica.

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Outra questão importante é que o modelo atual de aprovação de novos medicamentos foi pensado para fármacos convencionais e não contempla bem a integração entre substância e suporte psicoterapêutico — que, no caso dos psicadélicos, é essencial. Não é a molécula por si só que conduz à melhoria, mas sim o processo terapêutico em que ela está inserida. Um exemplo desta limitação foi a aprovação recente de um derivado da cetamina, num modelo de tratamento que desvaloriza a experiência psicológica e que se limita a administrações semanais da molécula patenteada por um laboratório farmacêutico, durante meses a anos – exactamente o oposto daquilo que os centros de investigação com psicadélicos têm vindo a propor.

O verdadeiro potencial dos psicadélicos está longe de ser uma solução milagrosa. Está em serem mais uma ferramenta poderosa, quando usada com cuidado, responsabilidade e base científica, dentro de uma abordagem terapêutica ampla e humanizada.

Escreve sobre a “dissolução do ego” como uma transformação potencialmente “bela e harmoniosa” quando bem orientada, mas adverte que, sem preparação, a mesma experiência pode ser “aterradora” e resultar numa “experiência desafiante” (“bad trip”). Do que falamos quando nos referimos à “dissolução do ego”? Porque se pode tornar uma experiência “aterradora”?

Quando falamos em “dissolução do ego”, estamos a referir-nos a uma alteração profunda na nossa perceção do “eu” — essa sensação de identidade separada, contínua e estática que todos temos. O ego é a estrutura mental que nos faz sentir que somos hoje a mesma pessoa que éramos ontem, que temos uma história, um nome, uma posição no mundo. É também aquilo que nos faz olhar para a natureza ou para os outros como observadores externos, distintos do que nos rodeia. Uma boa analogia é a roupa que usamos: o ego é como o nosso vestuário psicológico. Dá-nos forma, protege-nos e apresenta-nos ao mundo — mas não é a totalidade daquilo que somos.

Em experiências psicadélicas intensas, essa “roupa” pode ser temporariamente retirada. E, por instantes, é como se a pessoa visse o mundo e a si própria livre de filtros, julgamentos e hábitos mentais rígidos. Esta experiência pode ser profundamente libertadora, bela e harmoniosa — muitas pessoas descrevem um sentimento de unicidade ou conexão com o universo, de paz profunda ou de clareza emocional.

No entanto, essa mesma experiência pode tornar-se aterradora se surgir de forma súbita, sem preparação ou num ambiente inseguro. Afinal, o ego também cumpre funções importantes: organiza a nossa realidade, ajuda-nos a sentir controlo e continuidade. Quando ele se “dissolve” de forma abrupta, pode surgir uma sensação de desorientação, perda de controlo ou mesmo medo de estar a enlouquecer — o que muitas vezes se descreve como um bad trip ou uma experiência desafiante. Por isso é tão importante o contexto e o acompanhamento adequado. Com preparação, apoio e integração, mesmo uma experiência difícil pode transformar-se numa fonte de crescimento e compreensão. Sem isso, pode ser apenas confusa ou até traumática.

É também importante referir que as experiências de dissolução do ego não são exclusivas dos psicadélicos nem são assim tão fora do habitual como pode parecer: é possível atingi-las através de meditação, técnicas de respiração, jejum prolongado, cânticos religiosos, dança e performance musical, por exemplo.

A ciência está a reaprender a lidar com os psicadélicos – com cautela, mas também com entusiasmo.

O livro enfatiza a importância do set and setting – ou seja, do estado mental e do ambiente onde ocorre a experiência. Que recomendações nos pode trazer para definir um bom set e um bom settingem tratamentos psicadélicos, de modo a favorecer resultados positivos?

Um dos aspectos positivos da investigação com psicadélicos é que tem chamado a atenção da Psiquiatria em geral para a importância dos fatores extra-farmacológicos.

Para garantir um bom contexto em tratamentos com psicadélicos, é fundamental considerar vários fatores. Em relação ao set, o estado mental do paciente deve ser cuidadosamente avaliado; é ideal que a pessoa esteja num estado de espírito aberto, tranquila e receptiva. Isto nem sempre é fácil em pessoas que estão deprimidas ou ansiosas, sendo por isso fundamental a realização de sessões de preparação antes da primeira sessão de administração do tratamento. É recomendado que os pacientes façam uma reflexão prévia sobre as suas intenções e objetivos para a experiência, além de evitar utilizar substâncias que possam alterar o estado emocional nas horas que antecedem a sessão.

Quanto ao setting, o ambiente deve ser seguro, acolhedor e controlado. Podem ser criadas condições confortáveis, como uma sala tranquila, com iluminação suave, música relaxante e acesso a itens que tragam conforto emocional. É igualmente importante que a experiência seja acompanhada por profissionais treinados que possam oferecer apoio durante a sessão, ajudando a guiar o paciente, caso surjam emoções intensas ou desconforto. Assim, ao cuidar do contexto, aumentamos a probabilidade de uma experiência com valor psicológico e potencial terapêutico.

É fundamental distinguir entre o uso terapêutico e o uso recreativo dos psicadélicos.

A microdosagem é hoje uma prática comum. Contudo, há estudos, julgo que credíveis, que sugerem que os seus supostos benefícios podem ser explicados pelo efeito placebo. Como analisa esta questão?

A microdosagem refere-se ao uso de doses muito baixas de substâncias psicadélicas (cerca de 1/10 a 1/20 de uma dose completa), em contraste com a macrodosagem, que envolve doses completas que produzem alterações marcadas do estado de consciência.

O uso de doses elevadas de cogumelos com psilocibina, cactos com mescalina ou DMT sob a forma de ayahuasca acompanha a humanidade há muitos séculos, com evidência de utilização por várias culturas em contextos cerimoniais e religiosos há muitos séculos. Por outro lado, a microdosagem ganhou popularidade moderna em Sillicon Valley no início do século XXI, apesar de ter raízes na investigação com psicadélicos dos anos de 1950 e 1960.

Devido às atuais leis regulamentares, é difícil estudar adequadamente a microdosagem tal como é comummente praticada, tipicamente por pessoas saudáveis para aumentar o bem-estar e a criatividade. No entanto, os estudos controlados que foram devidamente conduzidos até hoje têm mostrado resultados que sugerem que os efeitos podem ser explicados por efeito placebo, ou seja, pela expecativa dos participantes.

É importante destacar uma contradição filosófica interessante: a utilização de microdosagem para aumentar a produtividade no trabalho representa, de certa forma, o oposto daquilo que muitos consideram serem os verdadeiros benefícios dos psicadélicos - nomeadamente, o aprofundar das relações humanas, das comunidades e de uma maior proximidade com a natureza. Esta apropriação utilitária pode desvirtuar o potencial transformador mais profundo destas substâncias.

Vários estudos revelam que utilizadores de psicadélicos relatam experiências com características espirituais ou místicas profundas – sensações de conexão cósmica, dissolução do ego, insights transcendentes. Do ponto de vista clínico e científico, qual a importância desses relatos subjetivos?

Qualquer relato subjectivo deve ser considerado importante tanto do ponto de vista clínico como científico. A Psiquiatria é o campo da Medicina que estuda a experiência subjectiva de cada indivíduo, aquilo a que chamamos o “mundo fenomenológico”. Como disciplina entre as ciências (biologia, neurociência) e as humanidades (antropologia, filosofia, artes), a Psiquiatria deve demonstrar curiosidade genuína sobre as experiências provocadas por estas substâncias. Infelizmente, nos últimos anos tornou-se excessivamente focada na biologia, perdendo interesse na experiência vivida dos pacientes e procurando apenas sintomas tratáveis farmacologicamente, muitas vezes pesquisados através de checklists.

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Os psicadélicos têm o potencial de trazer a experiência subjectiva do paciente de volta ao centro da prática psiquiátrica, criando uma ponte entre a neurociência e a fenomenologia. Os relatos das experiências dos pacientes não devem ser descartados como meros epifenómenos, mas compreendidos como manifestações significativas da consciência que podem ter implicações terapêuticas profundas e fornecer pistas sobre os mecanismos de acção destes compostos, assim como sobre a forma como o cérebro e o corpo dão origem à consciência.

Nas terapias psicadélicas, normalmente há acompanhamento psicológico antes, durante e depois da administração da substância. Como podemos diferenciar os benefícios trazidos pela química do próprio psicadélico daqueles que são fruto da relação terapêutica e do contexto de apoio?

Em teoria, poderíamos diferenciar estes benefícios administrando psicadélicos a dois grupos de pessoas: num grupo proporcionaríamos apoio interpessoal e noutro não. Na verdade, os primeiros estudos com LSD nos anos de 1950 administraram a substância sem apoio interpessoal e não se verificaram benefícios terapêuticos significativos.

Contudo, não devemos esquecer a possibilidade de que estes benefícios sejam interdependentes e interajam de formas que podem não permitir que sejam separados. A experiência psicodélica é profundamente influenciada pelo contexto, e a presença de apoio terapêutico qualificado pode ser fundamental para que os efeitos neuroquímicos se traduzam em mudanças terapêuticas duradouras. Vários estudos têm demonstrado que a qualidade da aliança terapêutica antes da administração da substância está correlacionada tanto com a intensidade da experiência psicadélica como com os benefícios terapêuticos obtidos.

Talvez seja precisamente porque constitui uma intervenção integrada - simultaneamente farmacológica e com uma forte componente de relação humana - que a terapia com psicadélicos funciona tão bem em pacientes que não melhoraram com antidepressivos convencionais e psicoterapia isolada. A sinergia entre o composto e o contexto interpessoal pode ser a chave do seu sucesso clínico.

O que está em causa não é apenas tratar doenças, mas perceber como o cérebro dá origem à consciência.

Países como a Austrália legalizaram recentemente o uso terapêutico de psilocibina e MDMA sob condições rigorosas. Que impacto essa mudança de legislação pode ter na visão global sobre psicadélicos? Devemos seguir exemplos internacionais assim? O que aprendemos antes de alterar as nossas próprias políticas de saúde mental?

O impacto desta mudança legislativa é difícil de prever, pois depende de muitos factores relacionados com a forma como será implementada na prática clínica real. Uma das razões que levou o governo australiano a tomar esta decisão prende-se com as limitações das actuais autoridades regulamentares, que regulam medicamentos mas não psicoterapias, e o seu estigma contra drogas psicoactivas. Este estigma reflectiu-se na recente rejeição pela FDA da terapia com MDMA, apesar da evidência de eficácia e segurança, demonstrando como factores não-científicos podem influenciar decisões regulamentares importantes para a saúde mental. Em contraste, analisando os mesmos dados, o governo dos Países Baixos concluiu que a terapia assistida por MDMA é eficaz e segura, encontrando uma forma de dar acesso a este tratamento aos seus cidadãos.

Contudo, parece-me ser uma decisão sensata, uma vez que a evidência actual demonstra que a terapia com psilocibina é eficaz e segura na depressão e a terapia com MDMA é eficaz e segura na PTSD. Na Suíça, psiquiatras com licenças específicas podem utilizar psilocibina, LSD ou MDMA há vários anos, e a única consequência disso é que muitos doentes com depressão ou dependências receberam estes tratamentos e melhoraram.

revelar a mente
revelar a mente créditos: Oficina do Livro

O livro também discute a distinção entre descriminalização e legalização dos psicadélicos. Na sua opinião, qual modelo parece mais adequado no contexto português?

A descriminalização das drogas em Portugal nos anos de 1990 foi uma decisão corajosa e excelente para lidar com o problema da dependência de heroína. Contudo, actualmente sabemos que não é o melhor modelo de regulação de drogas.

Os seres humanos sempre utilizaram substâncias para alterar o seu estado de consciência e continuarão sempre a utilizá-las. Como tal, os governos deveriam assumir a responsabilidade de garantir que as pessoas usem as substâncias que desejam usar de forma segura, em vez de entregar essa responsabilidade a um mercado criminoso, como acontece nos modelos de descriminalização.

Existem essencialmente quatro tipos de políticas de drogas: proibição absoluta (em vigor na maior parte do mundo), descriminalização (como temos em Portugal), legalização com mercados livres, e mercados legalmente regulados sob controlo estatal. Existe hoje em dia evidência científica, baseada em consensos de peritos, de que o melhor modelo de regulação de drogas são os mercados legalmente regulados sob controlo do estado. Este modelo permite controlar a qualidade, pureza, dosagem e acesso, minimizando riscos e maximizando benefícios.

Contudo, os políticos sabem que ser "duro contra as drogas" recolhe mais votos do que apoiar aquilo que os cientistas que trabalham nesta área têm repetidamente defendido. Felizmente, o panorama legal parece estar a mudar nos últimos anos, com alguns países e alguns estados americanos a começarem a aplicar modelos de legalização de psicadélicos e de outras substâncias.

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