
À luz das iniciativas da OMS com o fito de desencorajar a utilização de tabaco sob qualquer forma e apelar às pessoas, ao público e aos governos a adoção de medidas para promover um estilo de vida sem fumo, seria de alguma forma expectável o surgimento de questões colocadas no âmbito das relações laborais.
Se às iniciativas não pode ser apontada qualquer contrariedade, tendo as mesmas servido de base a uma resposta legislativa de proibição genérica de fumar em todos os locais de trabalho, no contexto laboral, apesar da consciencialização das restrições, os trabalhadores-fumadores procuraram respostas à sua “necessidade”: as pausas para fumar estão previstas na lei laboral ou são um privilégio concedido a quem é “dependente”?
Comecemos por registar o aspeto predominante: o Código do Trabalho não menciona, em momento algum, as pausas para fumar. Por outro lado, o mesmo diploma também não prevê a proibição ao trabalhador de fumar durante o horário de trabalho.
Nesse seguimento, importa distinguir dois conceitos que a lei laboral prevê: intervalo de descanso e pausa. O primeiro, de cariz obrigatório, encontra o seu regime plasmado no artigo 213.º do Código do Trabalho, consubstanciando uma contraordenação grave a violação por parte do empregador. No segundo caso, saímos do âmbito impositivo para o campo do bom-senso ou razoabilidade, não dissociando tratar-se de um dever. Melhor dizendo, a pausa no trabalho não está contemplada, no entanto, a lei laboral indica que o empregador deve observar o princípio da adaptação do trabalho à pessoa, com vista a atenuar o trabalho monótono ou cadenciado em função do tipo de atividade, nomeadamente através de pausas durante o trabalho.
Ora, a ideia de que a pausa no trabalho é um dever a ser cumprido pelo empregador, não é propriamente sinónimo de reconhecer ao trabalhador-fumador a sua pausa para fumar.
Contudo, partindo do pressuposto de que as pausas são consentidas pelo empregador, nada obsta a que o trabalhador faça delas o uso que bem pretende, mesmo que isso implique satisfazer o “vício” do tabaco. Ao mesmo tempo, essas pausas consentidas serão sempre consideradas como tempo de trabalho, impedindo qualquer penalização para o trabalhador. De facto, é isso mesmo que resulta da lei laboral emergente do regime do “tempo de trabalho”, onde é reconhecida a interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador. Destarte, e havendo o respetivo consentimento, a questão surge no enquadramento do ato de fumar (sendo este lesto e ocasional) no conceito de necessidade pessoal.
Talvez também não seja de todo desajustado que, para o trabalhador-fumador, a pausa para satisfazer a necessidade ou o vício do tabaco seja um comportamento de combate ao stresse e à atenuação dos riscos de sobrecarga de trabalho, podendo ser um estímulo à conciliação da atividade profissional e a produtividade.
Por outro lado, será seguro afirmar que a razoabilidade terá de partir de ambos os lados. Ou seja, autorizar as pausas ao trabalhador-fumador e que este não faça daquelas um uso abusivo ou comprometedor da produtividade ou até do próprio ambiente de trabalho.
Nesta senda, a concessão de pausa ou pausas aos trabalhadores-fumadores pode ser gerador de reivindicação de condições de igualdade, isto é, se são consentidas pausas para fumadores, então os não-fumadores também ganham direito a “micro-interrupções”.
Em suma, podemos assumir que não existe o direito a fumar durante o trabalho, tampouco será permitido fumar no próprio local por imposição das regras e regime específicos de prevenção e proteção da saúde pública. Porém, na prática, é comum que as empresas tolerem pequenas pausas para fumar, desde que isso não afete a produtividade ou o ambiente de trabalho (literalmente). Por outro lado, também existem empresa que descontam esse tempo no horário de trabalho, sobretudo justificadas pelas pausas frequentes ou prolongadas. Por via de prática generalizada, equitativa e ponderada, as pequenas pausas são reconhecidas a todos os trabalhadores (fumadores e não fumadores), sendo-lhes permitido satisfazer aí suas necessidades pessoais.
As iniciativas da OMS servem um propósito: alertar e mitigar os danos provocados pelo tabagismo. Numa perspetiva mais esmiuçada e transposta ao âmbito laboral, é seguro reconhecer a existência de uma proibição genérica desta prática, não sendo de todo descabido afirmar-se que é idóneo a afetar a produtividade ou as dinâmicas laborais.
Filipe Isidro Ferreira
Dower Law Firm
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik
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