No atual contexto pandémico de COVID-19, corremos o risco de muitas outras patologias ficarem esquecidas ou com diagnóstico adiado. É uma situação muito perigosa sobretudo porque algumas destas patologias terão consequências irreversíveis com o início tardio do tratamento. Isto é também verdade na prevenção da surdez.
Com que idade nos devemos começar a preocupar com a prevenção da surdez?
Esta prevenção deve começar logo durante a gestação. Preocupa-nos a falta de diagnóstico da infeção viral da grávida pelo citamegalovírus (CMV), uma vez que pode trazer ao recém-nascido uma surdez, eventualmente, irreversível (surdez neurosensorial). A infeção por CMV, a nível global, é a infeção viral congénita adquirida mais frequente. Trata-se de um vírus que ao infetar a grávida é transmissível ao feto e atinge, a nível mundial, 0,2% a 2,5% de todos os recém-nascidos nos países mais desenvolvidos, podendo chegar aos 5% nos restantes países. O vírus pode ainda ser transmitido durante o parto. As grávidas devem fazer o controlo analítico do CMV.
O diagnóstico de infeção congénita adquirida tem de ser feito até ao 21º dia após o nascimento. Porquê? Porque o tratamento com antivírico oral deverá ser iniciado logo nessa altura e prolongar-se até aos 6 meses de idade. Estima-se que, a nível mundial, cerca de 13% dos recém-nascidos infetados com CMV desenvolve surdez irreversível, que pode ser evitada se agirmos atempadamente.
A prevenção da surdez implementada e avaliada pelo Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU), realizado nos recém-nascidos, ainda durante o internamento pós-parto. É imperativo que se mantenha esta avaliação mesmo em contexto de pandemia. Temos de ser rigorosos e cautelosos, a interrupção do RANU poderá implicar ausência de diagnósticos com graves consequências para o futuro.
No entanto, o RANU, nos primeiros 30 dias de vida, no caso de mães infetadas por CMV não é suficiente. A situação clínica do bebé pode evoluir e a surdez só se revelar em idades mais avançadas, estas crianças devem ser acompanhadas em consulta de especialidade de Otorrinolaringologia, pelo menos até aos 6 anos de idade.
As otites provocam baixa de audição?
Outra patologia que não deve ser descurada é a otite que surge nas crianças de tenra idade. As otites infantis não tratadas podem trazer sequelas que perduram até à idade adulta. Por exemplo, a otite serosa ou sero-mucosa que é a acumulação de líquido no interior do ouvido. Trata-se de uma doença que provoca baixa de audição e, por vezes, dor intensa quando esse líquido infeta. Os pais e educadores devem estar atentos para os sinais como o atraso na linguagem, a dor ligeira e fugaz e o som da televisão com nível elevado.
Estas doenças são, habitualmente, de fácil resolução, havendo mesmo muitos casos de resolução espontânea. O tratamento cirúrgico deve ser reservado para casos em que o tratamento medicamentoso repetido não teve sucesso.
As crianças com otites devem estar curadas, impreterivelmente, até aos 5 anos de idade, ou seja, antes da entrada na escola. Caso contrário, corremos o risco de algum insucesso escolar por baixa de audição.
Ambientes ruidosos podem originar surdez?
Nas idades dos jovens adultos e adultos, além das sequelas de doenças do passado preocupa-nos a surdez por permanência ao ruído. Os jovens devem evitar ambientes ruidosos ou ouvir música com som muito alto. Alerta-se que as lesões provocadas pelo ruído são irreversíveis.
A surdez na terceira idade
Com o passar dos anos vamos perdendo a percepção de alguns sons, sobretudo, os mais agudos. Estas perdas, habitualmente, são de caráter permanente e traduzem-se numa dificuldade em entendermos o que nos dizem. Em idades mais avançadas, na consulta médica, é frequente dizerem-nos: “Eu oiço mas não entendo. Não percebo o que me dizem.” Trata-se de um “envelhecimento” do ouvido interno. Nas situações mais proeminentes temos as próteses acústicas como solução. As indicações e prescrições destas próteses acústicas devem ser feitas por técnicos competentes com aparelhos indicados para cada caso.
Em todas estas doenças a prevenção e rápida solução são importantes. O adiamento na procura do tratamento destas doenças é uma preocupação, porque, atempadamente, a probabilidade de sucesso é muito maior. Não deixe que a COVID-19 o impeça de cuidar da sua saúde. Em caso de necessidade procure o seu otorrinolaringologista que o irá receber com toda a segurança.
Um artigo do médico José Marques dos Santos, especialista em Otorrinolaringologia e coordenador de Otorrinolaringologia do Hospital CUF Viseu.
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