No domingo à noite, centenas de pessoas, sobretudo entre os 18 e os 35 anos, realizaram uma manifestação — coisa muito incomum em Pequim — nas margens do canal de Liangma, um local ladeado de árvores, onde as pessoas habitualmente passeiam.
Pacificamente, os manifestantes colocaram à sua frente folhas brancas de formato A4 para representar a censura, cantaram o hino nacional e repetiram palavras de ordem contra as restrições impostas pelas autoridades de Saúde chinesas, que os impedem de se deslocar livremente há quase três anos.
“Acompanhei isto nas redes sociais e quis vir ver. Por fim, há uma mobilização contra esta política de Saúde”, declarou em voz baixa, junto ao canal, um quadragenário que solicitou o anonimato, citado pela agência noticiosa francesa AFP.
“Atualmente, os jovens estão preocupados. O preço da habitação tornou-se quase inacessível, eles não sabem se conseguirão arranjar trabalho. Estas restrições de combate à covid-19 aumentam a sua frustração”, explicou.
“Com toda esta política de Saúde, é como se se tivesse colocado uma tampa sobre a China. Estamos a tornar-nos alvo de troça do mundo, não é?”, acrescentou.
Em ambas as margens do canal, os polícias efetuavam patrulhas, aos pares ou em grupos de três, mais ou menos de cinco em cinco minutos, de forma bem visível, envergando as suas fardas azuis escuras. Outros postaram-se à entrada das ruas adjacentes.
Nas imediações, estavam estacionados cerca de 20 veículos ou carrinhas da polícia, alguns equipados com câmaras, tornando qualquer concentração de pessoas quase impossível.
“Emocionou-me o que estes jovens fizeram ontem (domingo). Eles estão a defender os seus direitos, eu apoio-os”, afirmou uma mulher na faixa dos 30 que aproveitava hoje a calma à beira do canal, apesar da chuva miúda e da temperatura de apenas quatro graus centígrados.
“Acho que eles se sentiram inspirados pelo acontecimento de outubro”, observou, quando um cidadão anónimo pendurou numa ponte de Pequim duas faixas contra a política de combate à pandemia e o Presidente chinês, Xi Jinping, antes de ser detido, logo a seguir.
Também ela tem motivos para se sentir frustrada: “O meu passaporte expirou há dois anos e as autoridades recusam-se a renovar-mo devido às restrições sanitárias. Nem sequer podemos ir para o estrangeiro. Mas onde havemos de viver?”.
As autoridades chinesas já não emitem novos passaportes aos seus cidadãos, salvo em casos excecionais, como para ir visitar familiares próximos, continuar a estudar ou se é enviado para o estrangeiro em trabalho pela entidade patronal.
Um pouco mais à frente, uma jovem que veio correr junto ao canal disse ter acompanhado os acontecimentos da véspera nas redes sociais.
“Foi bom. Enviou um sinal de que as pessoas estão fartas das restrições demasiado rígidas”, declarou, enquanto fazia alongamentos.
“Acho que o Governo entendeu a mensagem e vai aligeirar a política para dar, a si próprio e a toda a gente, uma saída”, disse esperar.
Foi também o que afirmou o quadragenário: “Vemos os nossos dirigentes irem ao estrangeiro e não usarem máscara. Então, por que é que nós ainda temos que as usar aqui? É incompreensível!”.
Outros locais politicamente sensíveis em Pequim, como a praça de Tiananmen, estavam hoje desertos. Nas imediações, numerosos polícias realizavam verificações de identidade — mesmo aos ciclistas, algo que não é habitual.
Uma manifestação marcada para hoje à tarde na capital chinesa, perto da ponte onde foram colocadas as faixas de protesto, não se realizou também devido à forte presença policial.
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