Em Portugal, a discussão pública sobre a prevenção e controlo do tabagismo é cada vez mais rara e superficial, apesar de este ser o principal fator de risco para doenças crónicas, incluindo cancro, e causar elevada mortalidade e morbilidade. Também afeta negativamente a fertilidade, o desenvolvimento fetal e a saúde infantil. Tal situação deveria causar convulsão social, mas não. Esta omissão e descaso resulta de uma fraca vontade política, lobbying da indústria junto dos decisores políticos, marketing agressivo com novos produtos atraentes, manipulação da opinião pública, incapacidade para implementar medidas de saúde pública sem desvios e recuos para alcançar resultados de saúde.

A OMS defende claramente que o progresso do controlo do tabagismo requer ação concertada de governos e sociedade civil, sendo necessário excluir a interferência da indústria quer na tomada de decisão política, quer na implementação de medidas. Contudo, em Portugal, os decisores políticos parecem defensores da indústria do tabaco, as propostas legislativas eficazes são rejeitadas, a sociedade civil é ignorada e a própria comunidade de saúde não reconhece o seu papel político. O resultado é a estagnação de políticas essenciais à proteção da saúde pública, ambiente e desenvolvimento sustentável.

Efetivamente, Portugal está na cauda da Europa em políticas de controlo do tabaco. Nunca cumpriu o papel previsto na Convenção-Quadro de Controlo do Tabaco da OMS (CQCT-OMS): envolver a sociedade civil na promoção e avaliação das medidas. Não se faz uma avaliação da efetividade da Lei do Tabaco e suas medidas. Na DGS, o Plano Nacional de Saúde não define metas quantificadas nem ações concretas de redução do consumo, o programa referente ao controlo do tabaco está paralisado e o Grupo Técnico Consultivo não se reúne há anos. Falta investimento nos serviços de saúde para identificar e apoiar fumadores. A fiscalização do cumprimento da lei é quase inexistente, faltam recursos. É incompreensível que Governo, Ministério da Saúde e DGS não priorizem o tema, quando enfrentam uma crescente carga de doenças ligadas ao tabaco. A inércia — seja imposta, espontânea ou fruto de desmotivação na administração pública — é só mais um sinal de como o assunto está a ser negligenciado.

Sem perder tempo, a indústria do tabaco continua a lançar novos produtos como cigarros eletrónicos, tabaco aquecido e nicotina oral, cada vez mais consumidos por jovens e adolescentes, atraídos por embalagens coloridas, sabores e design apelativo, promovidos em pontos de venda e redes sociais. Apesar de ainda não se conhecerem todos os efeitos a longo prazo, cresce a evidência de que estes produtos são altamente viciantes, tóxicos e causadores de doenças graves, incluindo novos riscos para a saúde.

Para mudar esse cenário, é urgente uma regulação eficaz dos novos produtos de tabaco e nicotina (PTN) e a implementação plena das medidas preventivas da CQCT-OMS, ratificada por Portugal em 2005, mas ainda sem concretização efetiva. Até agora, as ações políticas nesse sentido têm sido tímidas, limitadas ou restritas a adaptações parciais de diretivas europeias. A ação necessária, que vem sendo exigida desde sempre pela unanimidade dos especialistas, deve contemplar: i) Reduzir a oferta, disponibilidade e acesso aos PTN; ii) Eliminar o marketing desregulado, oculto e dissimulado; iii) Taxar com aumentos regulares e transversais todos os PTN; iv) Eliminar a poluição tabágica ambiental com ambientes totalmente sem fumo; v) Consciencializar a população e capacitar a sociedade civil; vi) Apoiar a cessação tabágica e nicotínica nos serviços de saúde e comunidade.

Estas medidas são custo-efetivas e baseadas em evidência científica comprovada. O seu conjunto, reduz significativamente o consumo, sobretudo nos jovens. Porém, sempre que apresentadas, enfrentam resistência de setores económicos e políticos, e campanhas nos media, que dificultam a ação. A população, que apoia maioritariamente as medidas, segue à espera, enquanto adoece e morre cada vez mais.