No Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala hoje, a agência Lusa acompanhou a psiquiatra Carolina Almeida e o enfermeiro António Mota, do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospital de Leiria, na visita à casa de uma idosa que padece de uma doença mental grave.
A medicação tinha sido ajustada na última consulta e as melhorias saltaram à vista: “Está muito melhor, tem essa perceção?”, perguntou António Mota.
“Sim, durmo um pouco melhor com os medicamentos e tenho menos dores. Quando vocês vêm, também fico mais bem-disposta”, respondeu a utente do serviço, admitindo que só toma os medicamentos para dormir “às vezes”.
A reprimenda gentil de Carolina Almeida foi ouvida com um sorriso: “Ainda bem que não fez nada do que lhe disse. O medicamento que lhe passei não cria habituação. Pode tomar todos os dias”, explicou a psiquiatra.
Sem tempo contado como sucede nas consultas, durante quase uma hora Carolina Almeida e António Mota conversaram e procuraram perceber o estado da doente, sempre com incentivos positivos. A simpatia e a meiguice com que abordaram aquela idosa deixou-a tranquila e à vontade para falar.
“Já tinha um sorriso bonito, mas agora tem brilho. Tem de sair de casa e começar a pensar em fazer refeições. Está em ‘ponto rebuçado’ para começar a fazer as suas coisas. Agora há que começar a planear o dia seguinte e as refeições, porque são operações mentais fixes”, disse-lhe o enfermeiro, sempre com um sorriso nos lábios.
A médica acrescentou que “os medicamentos ajudam, mas são precisos estímulos para treinar as capacidades cognitivas” e “só sair e ouvir os passarinhos e o barulho da rua já está a estimular a mente”.
A utente confessou à Lusa que “não tem palavras” para reconhecer o bem que a equipa lhe faz. “É bom ter alguém com quem conversar”.
O projeto “Psiquiatria Comunitária PsiCom” nasceu em 2018 e tem três vertentes: intervenção em crise, consultas domiciliárias e multidisciplinares e consultadoria psiquiátrica com os centros de saúde. Foram milhares os quilómetros já percorridos, pelas diferentes equipas que integram o projeto, que tem a mesma área de influência do CHL: desde o concelho de Pombal, no distrito de Leiria, até Ourém, no distrito de Santarém.
“Estas equipas têm mudado a vida dos doentes. Vão menos vezes às urgências e há menos reinternamentos”, revelou Carolina Almeida, que reconheceu que o “futuro da psiquiatria é o trabalho descentralizado voltado para a comunidade”.
“Poder intervir o mais rápido possível nas crises” é também uma mais-valia do Psicom.
Os profissionais de saúde intervêm não só no aspeto médico, mas também na área social, desafiando o doente a sair de casa, a ser autónomo e a fazer o seu dia-a-dia e atividades que lhe dão prazer, o que contribui para melhorar o seu bem-estar.
Uma senhora desafiada a voltar a conduzir com a equipa, um passeio ou uma ida a um café da preferência dos utentes fazem também parte do trabalho destas equipas.
Este ano, o Psicom já realizou mais de 100 intervenções em crise, 527 consultas domiciliárias e reuniões mensais com os centros de saúde da região, atividade que passou a ser realizada ‘online’, “com sucesso”, desde a pandemia.
António Mota acrescentou que a intervenção permite uma abordagem diferente com ganhos: “Vê-se na medição da tensão arterial. Às vezes altere só porque se está no hospital”.
O Psicom prevê ainda adotar o programa de acompanhamento por um terapeuta de referência, mas esta medida ainda não funciona por falta de recursos, adiantou o diretor da Psiquiatria, Cláudio Laureano.
“Este programa está orientado para as necessidades do doente, favorecendo o retorno a uma vida o mais normal possível, longe do internamento hospitalar”, explicou.
As patologias mais comuns dos doentes que são acompanhados no âmbito do Psicom são, “sobretudo, psicoses (esquizofrenia, perturbações delirantes), perturbações afetivas bipolares e perturbações personalidade grave (dados empíricos)”, afirmou Cláudio Laureano.
António Mota alertou para o estigma que ainda existe e que leva a que muitos casos cheguem à Psiquiatria num estado mais grave.
“Tivemos um caso de uma pessoa que sofria de esquizofrenia há décadas e nunca tinha procurado ajuda. Na saúde mental e na doença grave, a abordagem o mais cedo possível é fundamental. É preciso pedir ajuda. Uma depressão com mais de um ano pode tornar-se crónica se não for tratada”, advertiu.
Carolina Almeida reforçou, ao lembrar um doente que depois de ser medicado e melhorar a sua condição mental lhe disse que ‘achava que isso era para os fracos e que não precisava de pedir ajuda’, reconhecendo o bem que lhe trouxeram as consultas.
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