As doenças da tiroide e paratiroide devem ser estudadas e tratadas por profissionais experientes e dedicados a estas patologias, inseridos num grupo multidisciplinar que inclui Endocrinologistas, Citologistas, Radiologistas, Otorrinolaringologistas, Cirurgiões de Cabeça e Pescoço e Anestesistas. A avaliação detalhada de cada caso originará a decisão do grupo no que diz respeito à orientação mais adequada a seguir.
Qualquer cirurgia está associada a riscos e estes devem ser explicados pormenorizadamente ao doente. A necessidade de obter o Consentimento Informado, consciente e livre, para os atos diagnósticos e cirúrgicos obriga a um esforço concertado na disponibilização de informação simplificada, mas objetiva, a cada passo, de modo a que o doente caminhe conscientemente para o tratamento da sua doença.
Os riscos da cirurgia da tiroide (e paratiroide) incluem a hemorragia, o hipotiroidismo (é necessária a reposição com hormona tiroideia nos casos de remoção total da tiroide), o hipoparatiroidismo (níveis baixos de cálcio no sangue) e a alteração da função motora do nervo recorrente laríngeo (nervo que inerva as cordas vocais).
Pode haver alterações da voz? Ficamos roucos para sempre?
A voz é um bem importante e que devemos preservar cuidadosamente. Infelizmente, a importância da voz é habitualmente menosprezada e apenas pensamos nela quando notamos alterações que poderíamos, na grande maioria dos casos, ter evitado.
O abuso da voz (gritar, falar ao telefone, beber bebidas gasosas, ingerir muitos líquidos ou fazer grandes refeições antes de deitar, pigarrear) associado ao tabaco, ambientes secos (atenção ao ar condicionado) e a baixa ingestão de água podem levar a lesões definitivas das cordas vocais.
A laringe é uma “caixa” onde é produzido e emitido o som. É constituída por músculos e cartilagens e rodeada por vários órgãos, como a tiroide, o esófago, vasos e nervos.
A produção da voz é um fenómeno complexo que envolve múltiplos fatores anatómicos, fisiológicos e físicos que, juntos, levam à transformação da vibração das cordas vocais em som.
O “motor” que leva à vibração das cordas vocais e à produção da voz e depende da conversão da energia aerodinâmica, gerada pela respiração, em energia acústica. O som produzido pela vibração das cordas vocais é de seguida modificado e filtrado pelos órgãos que se encontram na boca e na faringe, ou seja, depende da anatomia de cada um de nós.
Os nervos recorrentes laríngeos são responsáveis por fornecer às cordas vocais a mobilidade necessária para a emissão do som. Localizam-se por detrás da tiroide e percorrem a sua face posterior até entrarem na laringe para inervarem as cordas vocais que se encontram no seu interior. Esta íntima relação dos nervos com a glândula tiroide implica o descolamento minucioso e delicado de todo o seu trajeto durante a cirurgia, de modo a permitir a remoção da tiroide em segurança.
A observação da função laríngea e registo cuidado da mesma são obrigatórios antes da cirurgia ao pescoço. Geralmente, a equipa multidisciplinar que estuda e trata as doenças da tiroide e paratiroide, inclui um Otorrinolaringologista experiente.
É bastante frequente que na observação pré-operatória sejam diagnosticadas alterações da função laríngea que o doente desconhecia pelo facto de existirem mecanismos compensatórios da voz que permitem ocultar essas lesões. Por este motivo e pela possibilidade de despistar doenças das cordas vocais e da laringe pré-existentes, esta é uma consulta de rastreio importante.
Durante o procedimento cirúrgico, que pode ser mais ou menos complexo, o nervo é manipulado, podendo resultar desta manipulação a alteração da capacidade de transmissão do impulso nervoso e originar a diminuição da mobilidade da corda vocal respetiva.
A disfonia, comummente chamada de rouquidão, é erradamente considerada a consequência mais temida na cirurgia da tiroide, uma vez que, as alterações pós-operatórias da voz são habitualmente transitórias e ocorrem raramente em doentes operados por cirurgiões experientes.
A alteração da projeção da voz com diminuição do volume (não consegue gritar) e a impossibilidade de emitir sons agudos estão presentes em todos os doentes submetidos a cirurgias ao pescoço, causando impacto, essencialmente, naqueles que usam a voz profissionalmente. Esta é uma situação transitória, mas que deverá ser esclarecida e acompanhada pelo cirurgião. Por vezes, o doente pode necessitar de ser reobservado pelo Otorrinolaringologista, de preferência pelo mesmo, com a finalidade de comparar os dados atuais com os anteriormente recolhidos, esclarecer o doente e orientar o seu seguimento.
Não tendo havido lesão grave do nervo, a recuperação da mobilidade da corda vocal é habitualmente completa, podendo a recuperação ter duração variável de acordo com a capacidade de cada organismo.
Em alguns casos, pode registar-se a presença de paresia, menor mobilidade da corda vocal, que tem geralmente recuperação completa. Em cirurgias mais complexas com maior traumatismo dos nervos recorrentes laríngeos pode ocorrer paralisia da corda vocal, nestes casos a corda vocal não tem mobilidade. Felizmente, é frequentemente observada a compensação da voz pela mobilidade acrescida da outra corda vocal.
A terapia da fala pré-operatória permite melhorar a qualidade da voz para aqueles que a usam profissionalmente e, ainda, para aqueles que apresentam, antes da cirurgia, alterações funcionais da laringe.
A terapia da fala deve ser continuada após a cirurgia nos casos acima referidos e naqueles que apresentem alterações funcionais de novo.
Um artigo da médica Maria Olímpia Cid, especialista em Cirurgia Geral no Hospital CUF Infante Santo.
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