Assinala-se hoje, quinta-feira, o Dia Nacional do Doente Com AVC. Que significado tem este dia, para a comunidade de sobreviventes e cuidadores?

Ninguém se orgulha de ter sofrido um AVC, e somos os primeiros a estar de acordo que seja dada prioridade à prevenção e à divulgação dos sinais de alerta e como atuar. Mas, pelo menos uma vez no ano, é importante olhar para a vida após o AVC, para os sobreviventes de AVC. Por isso, é muito importante que esta data seja assinalada com atenção às pessoas que sofreram um (ou mais) Acidentes Vasculares Cerebrais. Que pode chegar em qualquer idade, e é a primeira causa de morte e, sobretudo, de incapacidade, em Portugal.

Uma em cada quatro pessoas vai sofrer um AVC. Sabe identificá-lo e como reagir?
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A Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos alerta para a importância da reabilitação multidisciplinar logo após o AVC. Que ganhos representa a reabilitação multidisciplinar na vida dos sobreviventes de AVC?

É muito importante que todos os sobreviventes de AVC tenham a possibilidade de acesso a uma reabilitação coordenada e multidisciplinar, com acesso aos diversos profissionais, com qualidade, diferenciação e eficácia, e sem tempos preestabelecidos.

A reabilitação após AVC pode marcar a diferença entre continuar a ser um cidadão contribuinte ativo, sentindo-se útil à sociedade, ou mais um sujeito passivo da Segurança Social, por largos anos, e com os prováveis problemas de saúde, também no âmbito da saúde mental, que podem advir.

Mas também ao longo da vida, mesmo quando já não são de esperar objetivamente melhorias muito significativas, o sobrevivente de AVC pode precisar da continuidade da reabilitação. Evitando, tão comuns, regressões e agravamentos, contribuindo para a melhoria ou manutenção da qualidade de vida possível, e evitando também o surgimento de acrescidos problemas de saúde.

Que retrato faz no que respeita ao tratamento e acesso a cuidados de saúde do sobrevivente de AVC?

Não posso, de maneira nenhuma, ser otimista… O "quadro" já não era bom antes, mas com a pandemia ficou francamente mais cinzento…

Os cuidados de acompanhamento e de reabilitação são os mais necessários num sobrevivente de AVC. Até no acesso ao acompanhamento, leia-se consultas, antes de mais, é imprescindível recuperar a plena normalidade, não só estatística. É preciso darmos passos em frente, também no sentido da prevenção secundária (evitar ocorrência de novos episódios de AVC) e na diminuição da possibilidade de ocorrência de outros problemas de saúde, inclusive no campo da saúde mental. Por exemplo, é muito urgente e importante a criação de consultas específicas para sobreviventes de AVC, referenciados, nos centros de saúde, como já existe para outras patologias.

A Portugal AVC defende uma reabilitação que envolva uma equipa multidisciplinar e sem tempos preestabelecidos. Porquê?

Porque é uma realidade reconhecida pelos melhores especialistas, em grande parte constante das Normas de Orientação Clínica emitidas pela DGS, mas não levada à prática na maioria esmagadora das situações.

António Conceição, presidente da Portugal AVC
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Frequentemente, nós, sobreviventes de AVC, consideramos a reabilitação como o nosso principal “medicamento”. Se fosse possível “aviá-lo” numa farmácia, se fosse tomado em comprimidos ou em xarope, por exemplo, seria muito mais fácil a sua prescrição. Apesar de os custos para o Estado, e comparando com custos de outras patologias, poderem até ser muito menores. É necessário que aconteça também uma mudança de perspetiva, antes de mais nos decisores.

Que outras mudanças devem ser implementadas com vista a uma melhor recuperação dos cidadãos sobreviventes de AVC?

Para além das que já abordamos, há, entre outras, uma preocupação que nos assola cada vez mais. O AVC é a primeira causa de incapacidade no nosso país. Tem afetado um número cada vez maior de pessoas em idade ativa. Não se pode aceitar que uma pessoa na casa dos 30 ou 40 anos seja “arrumada para um canto” na nossa sociedade, com consequências gravíssimas, antes de mais, a nível psicológico e num corte brutal nos rendimentos do próprio e do seu agregado familiar.

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Considera que os portugueses estão hoje mais sensibilizados para os sinais de alerta e consequências de um AVC?

Se me pergunta se hoje há um pouco mais de informação e conhecimento do que há 10 anos, por exemplo, penso que sim. Mas esses pequenos passos dados na literacia ainda são claramente muito insuficientes!

E no que respeita aos cuidadores, que medidas devem ser tomadas com vista a garantir-lhes um maior apoio?

A aplicação do Estatuto do Cuidador Informal ainda está muito longe do que seria razoável, satisfatório e plenamente justo, para quem está também a poupar imensos recursos ao Estado. Numa tarefa que ocupa as 24 horas do dia e 7 dias por semana. Isto tem implicações a nível da própria saúde do cuidador, laboral, social, psicológico, e outros aspetos.

Por isso pedimos que, pelo menos, tenham efetiva e integral aplicação, as medidas previstas na legislação já publicada. Apesar de serem claramente insuficientes, como disse.

Neste dia, que mensagem de sensibilização dirige à população?

Há vida após o AVC! Eventualmente, a começar num familiar, amigo ou conhecido. Sejam muitas ou poucas as sequelas, mais visíveis ou menos (quantas vezes, não menos incapacitantes…). É preciso haver ajuda à integração, a começar pelo trato com normalidade, inclusive na inclusão social. Os sobreviventes de AVC, por norma, não querem ser “coitadinhos”. São pessoas e cidadãos, como qualquer outro. Podem ter uma ou outra limitação. Como todos nós.

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