Contudo, precisamos de nos questionar para onde o teletrabalho/telescola nos conduzirá. Trará assim tão inúmeras vantagens? Muitos acreditam que sim.
- O teletrabalho aumenta o tempo para a família. Sim, para quem teve a sorte de a construir antes da exclusividade virtual.
- O teletrabalho aumenta o tempo para o meu marido ou namorado. Sim, para aqueles que tiveram a sorte de conhecer o seu amor antes de terem sido obrigados a ficar em casa.
- O teletrabalho liberta tempo para estar com os amigos. Sim, para quem os conseguiu conhecer numa altura em que ainda nos encontrávamos com pessoas.
- O teletrabalho permite-me manter o contacto com os colegas de trabalho. Sim, para quem conseguiu conhece-los e criar uma rede de contactos antes do teletrabalho.
Claramente que, o teletrabalho tem trazido tempo útil a algumas pessoas, de modo a que estas o possam gastar com as pessoas que gostam. A possibilidade de trabalhar a partir de casa tem permitido tempo para estar com as pessoas que conhecemos quando estamos fora de casa. Parece existir algo de antagónico nisto.
Mas pensemos em quem não teve a sorte de ter uma rede social e familiar prévia ao trabalhar/estudar a partir de casa?
- Aqueles que ainda não tinham uma relação antes do teletrabalho? Será que veem diminuir o seu número de contactos pessoais e as probabilidades de “encontrar alguém”? Muitos assim o têm dito. “Onde vou agora conhecer pessoas?” Lembremo-nos que muitas relações amorosas têm início em relações profissionais ou contactos criados a partir delas.
- Aqueles que acabaram de entrar numa universidade, esperando conhecer novas pessoas e criar os tais “amigos para a vida da faculdade”? Conseguirão faze-lo através de uma plataforma onde assistem às suas aulas? Talvez consigamos conviver virtualmente num bar, onde tanta gente passou horas a reforçar laços de amizade.
- As crianças que se encontram no início do processo de socialização e que estão também a perder a hipótese de criar os “amigos de infância”. Ou conseguirão faze-lo virtualmente?
- As pessoas que esperam entrar numa empresa e alargar a sua rede de contactos profissionais, criando um sentimento de pertença a um grupo e a uma instituição? Conseguirão criar esse compromisso sem nunca ter visto os colegas de trabalho? Conseguirão criar uma ligação com uma empresa em cujas instalações nunca estiveram?
Algumas empresas têm aproveitado o teletrabalho para diminuir custos. Será que a longo prazo não verão a sua mais-valia, as pessoas, partir da empresa por falta de vínculo, uma vez que nunca conheceram o espaço e as pessoas da mesma? Estaremos disponíveis para ir a festas da empresa com colegas que não conhecemos?
São apenas questões que nos deverão fazer refletir. Sempre que saímos para trabalhar ou ir à escola não estamos apenas a sair para trabalhar ou estudar, mas também para socializar. Façamos o exercício de recordar com quantas pessoas falamos ao longo de um dia em que saímos de casa.
O teletrabalho/telescola é uma necessidade atual e permitiu que nos mantivéssemos ativos e protegidos, mas cuidado quando olhamos para ele como uma solução definitiva, exclusiva e de longo prazo. Esta poderá inviabilizar a construção das tais redes sociais e conduzir ao isolamento a médio prazo, de uma sociedade que já vinha em processo de tendência ao isolamento e individualismo.
Um artigo da psicóloga clínica Catarina Lucas.
Comentários