Muitas vezes estamos 12 ou mais horas sem comer. O pequeno-almoço é a primeira refeição que quebra o jejum, devendo por isso ser a principal do dia. Curiosamente, em inglês chamamos Breakfast, que significa quebra do jejum. Mas será que o jejum deve ser quebrado nos minutos a seguir ao acordar?
Muitos estudos mostram que devemos quebrar o jejum somente algum tempo após acordarmos para deixar o corpo reparar-se e produzir algumas hormonas cuja maior produção se dá com o estômago vazio, como a hormona do crescimento implicada no anti-envelhecimento. Essencialmente, o jejum intermitente ensina o seu corpo a queimar a gordura acumulada e não apenas glicose (açúcar), como veremos adiante.
Está cientificamente provado que o jejum é benéfico?
Está. Desde há muito que se fala dos benefícios do jejum intermitente. O prémio Nobel da Medicina de 2016, cujo tema incidiu na descoberta de mecanismos de autofagia, atribuído ao Japonês Yoshinori Ohsumi, veio mostrar como as células sobrevivem em períodos de jejum e infeções.
O nosso corpo armazena uma pequena parte do açúcar proveniente da alimentação, sob a forma de glicogénio e o restante transforma-o em gordura e acumula-a
Segundo Ohsumi, as células têm a capacidade de se desenvolver em autofagosomas e depois em lipossomas (vesículas que existem no seu interior). Estes organismo celulares, como têm esta capacidade de fagocitar, eliminam proteínas problemáticas para o corpo e restos de células danificadas, permitindo a reparação e regeneração celular.
Este processo de autofagia constitui uma resposta fundamental da célula e acontece em fases de privação de alimentos ou outras situações de stress celular como as infeções. A autofagia é de extrema importância para a regulação celular, cuja desregulação está implicada no envelhecimento prematuro e associada a doenças crónicas como Parkinson, cancro, diabetes, obesidade, entre outras.
Se fizermos uma pesquisa, na biblioteca científica virtual Pubmed por exemplo, encontraremos mais de 1000 artigos que concluem a existência de benefícios na introdução de períodos de jejum durante o dia ou 24 horas de jejum por semana.
O seu corpo aos poucos deixa de ser uma máquina de queimar glicose para ser uma máquina de queimar gorduras
O nosso corpo está preparado para esta prática milenar, que há milhares de anos está vinculada a saúde e longevidade. Senão vejamos alguns exemplos presentes ao longo da história: No Paleolítico só se comia quando havia comida e fazia-se jejuns prolongados de três ou mais dias. A Natureza fez-nos assim, adaptados à escassez de alimentos e capazes de ficar mais atentos, lúcidos, energéticos e alerta para poder caçar após três dias de jejum.
No seculo XIV, Philip Paracelsus, escreveu: "Jejum é o melhor de todos remédios"; Benjamin Franklin (1706-1790) escreveu: "O melhor de todos remédios é o descanso e o jejum". Gregos ortodoxos do Cristianismo podem fazer tipos diferentes de jejum durante 180-200 dias no ano.
Os muçulmanos, no Ramadão, fazem jejum o dia inteiro, todos os dias, só comendo à noite ou antes do nascer do sol. O profeta Maomé incentivava jejum todas as segundas e quintas-feiras. O Catolicismo também defende a prática do jejum, ainda que hoje em dia, a Igreja não a promova e quase ninguém siga estas directrizes.
O que acontece no seu corpo durante o jejum?
O nosso corpo armazena uma pequena parte do açúcar proveniente da alimentação, sob a forma de glicogénio e o restante transforma-o em gordura e acumula-a. No nosso corpo podemos ter cerca de 1600 a 2000 calorias armazenadas em glicogénio nos músculos, enquanto que em gordura podemos acumular mais de 40 000 calorias. Acontece que o corpo usa preferencialmente a energia sob a forma de glicogénio, acumulada no músculo. Quando é necessário mais energia temos vontade de comer.
No início do jejum, quando se deixa de comer, o seu corpo está a usar a glicose, como fonte de energia, proveniente do que comeu na refeição anterior. Quando esta fonte esgota, existem duas hipoteses: come novamente recomeçando o ciclo, ou seja, o seu corpo continua a usar essa energia recentemente chegada, sob a forma de comida; a outra hipótese é fazer algum tempo de jejum.
Neste último caso, a energia é fornecida pela reserva de glicogénio acumulado nos músculos. Se prolongar o seu jejum, as reservas em glicogénio acabam por se esgotar e inicia-se o processo de gliconeogénese, ou seja, formação de glicose no fígado e rim. Este processo assegura a quantidade mínima de açúcar que é necessário para o cérebro e glóbulos vermelhos. Todo o resto do corpo vai usar, como fonte calórica, a gordura que tem acumulada.
A glicose, metabolizada pelo nosso fígado e rim é suficiente para manter as necessidades que o corpo tem em açúcar. Isto significa que com a prática do jejum, o seu corpo aos poucos deixa de ser uma máquina de queimar glicose para ser uma máquina de queimar gorduras.
O factor Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF, do inglês Brain-derived neurotrophic factor) é uma proteína fabricada pelos neurónios e indispensável na manutenção da plasticidade cerebral e neurogénese (formação de novos neurónios). A metabolização desta proteína no cérebro aumenta com o jejum e em presença de baixos níveis de glicose.
Em privação de comida é também reposta a sensibilidade dos recetores de insulina. A resistência periférica à insulina por alteração da sensibilidade dos seus recetores é hoje considerada a principal causa de obesidade no mundo. A sensibilidade de outros recetores de substâncias que regulam a saciedade e apetite, como a grelina e leptina, é também renovada. Muitos estudos descobriram que o treino em jejum é uma ótima maneira de construir a massa magra e melhorar a sensibilidade à insulina.
Se ingerirmos menos calorias, comer de três em três horas e aumentar o gasto calórico, pode conseguir perder peso mas apenas de forma temporária
Os benefícios do jejum intermitente
Os períodos maiores sem comida ajudam a baixar os valores da insulina e glicémia e o corpo começa a aprender a usar a gordura que tem armazenada no corpo, nomeadamente a mais perigosa armazenada na cavidade abdominal. Resumidamente o jejum intermitente permite:
- Queimar gordura e não músculo
- Aumentar a produção da hormona de crescimento (GH)
- Acelerar o emagrecimento
- Aumentar a sensibilidade à insulina
- Reverter a síndrome de resistência periférica à insulina
- Aumentar a sensação de bem-estar e saciedade
- Mais energia e aumento do metabolismo basal
- Um controlo estável da glicose no sangue
- Reverter diabetes tipo 2
O jejum intermitente emagrece?
Certamente, à medida que vai lendo este texto, pensou várias vezes que o que está a ler contaria tudo o que aprendeu relativamente a dietas e perda de peso.
A maioria dos nutricionistas aconselham a comer de três em três horas, fazer exercício e contar calorias. Pois bem, essa não é a minha opinião. Tenho a certeza de que não vai conseguir perder peso de forma consistente e definitiva com estas três medidas, apesar de serem universalmente aceites. Basta analisarmos à nossa volta e constatar que cada vez mais pessoas fazem dietas e cada vez há mais obesidade no mundo.
Se ingerirmos menos calorias, comer de três em três horas e aumentar o gasto calórico, pode conseguir perder peso mas apenas de forma temporária. Com o tempo o seu corpo vai deixar de reagir e com este mesmo protocolo deixará de perder peso e começará novamente a acumular gordura. Afinal, não corrigiu os fatores que estão na base do seu descontrolo metabólico e consequente ganho de gordura.
Não faz sentido comer açúcar e hidratos de carbono, fazer exercício para os gastar e comer de novo, com a agravante de que o seu corpo vai esquecer-se rapidamente de como usar a energia/gordura acumulada.
No entanto, o jejum intermitente, por si só, pode não ser suficiente para emagrecer, especialmente se escolher os alimentos "proíbidos" durante o período em que se vai alimentar.
Emagrecer e ganhar saúde e energia vai depender de dois outros fatores: o que come na janela das 8 horas em que se deve alimentar e a densidade nutricional dos alimentos que escolheu.
Como fazer jejum intermitente?
A forma de jejuar que reúne mais adeptos consiste em iniciar o jejum depois de um jantar leve por volta das 20h00 e prolongá-lo até às 11h-12h00 do dia seguinte. Ou seja, toma um café ou chá sem açúcar durante a manhã e às 12h00 faz um grande pequeno-almoço.
Há também a hipótese de não jantar, ou seja, a sua última refeição é um lanche por volta das 16h00. Só tomará o pequeno-almoço 14hoo depois, ou seja, às 8h00 da manhã. Pode jantar apenas um chá.
Existem pessoas que fazem jejum por períodos maiores, no entanto, pode ser contra-indicado porque normalmente é difícil gerir o que vai comer aquando da introdução das refeições. A tendência é comer demasiado e não controlar o tipo de alimentos. Por outro lado, jejuar um dia, que normalmente ocupa o fim-de-semana, não é socialmente simpático, afinal é durante os dias de descanso que aproveitamos para estar com a família e amigos. Por estas razões prefiro jejum intermitente ficando sem comer cerca de 14h00 a 16h00 por dia. É mais fisiológico, socialmente coerente e os efeitos são os mesmos.
O que comer durante o jejum?
Durante o período de jejum pode tomar café, águas, chás, tudo sem qualquer tipo de açúcar, adoçantes ou açúcares naturais.
No pós-jejum, a sua alimentação deve ser rica em gorduras boas, que além de fornecer a energia necessária, vão mantê-lo saciado por mais tempo, contrariamente aos hidratos de carbono e açúcares refinados que após 30 a 40 minutos o fazem voltar a ter fome.
Os conselhos são de Alexandra Vasconcelos, farmacêutica, especialista em Medicina Natural Integrativa e autora do livro "O Segredo para se manter Jovem e Saudável".
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