A ciência tem demonstrado, nos últimos anos, que para além do 1º ano de vida, o período que imediatamente o antecede (a gestação) e o 2º ano de vida, atualmente designados como “os primeiros 1 000 dias de vida”, são caracterizados por serem uma janela de extrema vulnerabilidade à programação do binómio saúde-doença, para o resto da vida. Daqui se depreende que, o estado de saúde da mulher antes de engravidar e durante a gravidez, são cruciais para a saúde futura do seu descendente, e este facto também se aplica ao metabolismo da vitamina D.
A vitamina D, descoberta há cerca de 90 anos, é conhecida como a “vitamina do sol” e desde sempre esteve associada ao crescimento. Efetivamente, níveis inadequados de vitamina D durante a vida, particularmente durante a idade pediátrica (0-18 anos), estão associados a compromisso da formação de uma adequada massa óssea e, consequentemente, comprometem o potencial individual de crescimento.
A gravidade deste compromisso apresenta uma relação direta com a gravidade e a duração do défice nesta vitamina, podendo ir desde situações extremas que cursam com restrição e deformidades do crescimento ósseo (raquitismo) até situações sem expressão clinica durante a idade pediátrica mas que resultam em patologia mais ou menos grave na idade adulta (osteoporose).
Para além da formação óssea
Trabalhos mais recentes têm demonstrado que a função da vitamina D, considerada uma pro-hormona, vai muito para além da influência na formação de massa óssea. Efetivamente, cerca de 3% do genoma humano é regulado, direta ou indiretamente, pelo sistema endócrino da vitamina D e existem recetores para esta vitamina (VDR) em, pelo menos, 38 tecidos do corpo humano, nomeadamente no tecido adiposo, supra-renal, ósseo, cerebral, mama, cartilagem, cólon, epidídimo, folículos pilosos, intestino, fígado, pulmão, linfócitos B/T, músculo (liso, cardíaco), ovário, pâncreas (células β, produtoras de insulina), paratiroide, parótidas, pituitária, placenta, próstata, retina, pele, esperma, estômago, timo, tiroide e útero.
Tal facto amplifica a importância de adequados níveis desta vitamina na promoção da saúde ao longo da trajetória da vida, mas também explica que, na idade adulta, esteja descrito um maior risco de ocorrência de patologia cardiovascular, inflamatória, neoplásica (cancro), respiratória, ginecológica e neurológica entre outras, na dependência de situações de défice em vitamina D.
A espécie humana está geneticamente programada para produzir vitamina D maioritariamente através da pele, na sequência da sua exposição à radiação solar UV. Efetivamente, cerca de 90% da vitamina D que o organismo necessita para o seu bom funcionamento é sintetizado endogenamente, através da exposição da pele ao sol, sendo os restantes 10% provenientes de uma alimentação variada e equilibrada.
Voltando à idade pediátrica e ao conceito dos 1 000 dias como janela de oportunidade para a promoção da saúde e prevenção da doença para a vida, é fácil perceber a importância da saúde nutricional da grávida (mesmo antes da conceção) na programação da saúde do seu descendente, sendo tal facto, como é óbvio, também aplicável à vitamina D. Efetivamente, uma gestação que decorra em situação de défice materno em vitamina D, está associada a menor desenvolvimento de recetores em todas as células do feto e a maior risco de compromisso do seu crescimento, bem como a maior risco de complicações obstétricas, alertando para a necessidade da mulher, mesmo antes de engravidar, ter em atenção o seu status de vitamina D.
De acordo com as recomendações, a mulher grávida, deve ingerir uma dose diária de vitamina D de, no mínimo, 600 UI/dia, podendo no entanto, para garantir níveis de 25OHD (o biomarcador sérico da vitamina D) acima dos 30 ng/mL (nível de adequação), serem necessárias doses na ordem dos 1 500 – 2 000 UI/dia.
Por outro lado, na lactante (mulher a amamentar) os valores recomendados poderão ser ainda superiores, uma vez que a amamentação cursa com elevadíssimas exigências metabólicas, na dependência da necessidade em manter a saúde e a homeostasia materna e, em simultâneo, produzir um alimento o mais completo possível para o seu filho. Daqui se depreende a necessidade da mulher, antes, durante e após a gravidez, manter uma alimentação variada e equilibrada, com ingestão regular de alimentos ricos em vitamina D (peixe gordo do tipo salmão, sardinha, arenque, cavala ...; fígado de peixe; gema de ovo; cogumelos e lácteos) e um estilo de vida ativo e ao ar livre, com uma exposição solar regular mas regrada, respeitando as precauções recomendadas para a prevenção do envelhecimento e do cancro cutâneo. Haverá situações em que as doses recomendadas dificilmente serão atingidas apenas com base em medidas comportamentais, tornando-se necessário, e sempre após confirmação laboratorial e por indicação médica, a suplementação farmacológica com vitamina D.
Após o nascimento, e durante o 1º ano de vida, existe uma contra-indicação formal à exposição solar, principal fonte de vitamina D na espécie humana. Por outro lado, a alimentação deve ser exclusivamente láctea, preferencialmente com leite materno, até o mais próximo possível do 6º mês, data a partir da qual ocorre a diversificação alimentar, ou seja a introdução gradual e progressiva de outros alimentos até à inclusão na dieta familiar, cerca dos 12 meses de idade.
É fácil depreender a dificuldade em atingir as recomendações da ingestão diária em vitamina D nesta fase particular da vida, mesmo que alguns alimentos infantis sejam fortificados (fórmulas lácteas, farinhas, etc.), razão pela qual a suplementação universal é recomendada. Efetivamente, a literatura suporta e os comités (European Society of Paediatric Gastroenteroly Hepathology and Nutrition, American Academy of Paediatrics e Endocrine Society) e organismos governamentais (Direcção Geral da Saúde) recomendam a suplementação universal (de todos os lactentes) durante o 1º ano de vida ou, caso completem o ano durante o outono / inverno, a manutenção da suplementação até à primavera. Posto isto, todos os lactentes deverão efetuar suplementação com vitamina D, numa dose diária de 400 UI /dia. A não realização desta suplementação poderá comprometer, não apenas a saúde óssea e o crescimento, mas também a saúde em geral, na trajetória da vida.
Importa termos em conta que, muito embora esta recomendação universal, em Portugal, e de acordo com os resultados do Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento Infantil (EPACI Portugal 2012), cerca de 31% dos lactentes portugueses não efetuam suplementação regular com esta vitamina. A necessidade de haver uma rotina de administração diária nesta fase da vida e a falta de informação acerca da sua importância poderão estar na origem desta elevada percentagem de incumprimento. Cabe aos pais conhecerem as consequências para a saúde dos seus filhos e cabe aos profissionais de saúde, em cada consulta de saúde infantil, confirmarem o cumprimento da terapêutica e reforçarem a importância do mesmo.
Depois do ano de idade (1- 70 anos), deve ser garantida uma ingesta diária de 600 – 800 UI/dia e a partir dos 70 anos de 800 UI /d. De acordo com a ESPGHAN e a AAP, cabe aos educadores a promoção de um estilo de vida saudável à criança/adolescente, baseado numa dieta variada e equilibrada e em atividade diária ao ar livre. Cabe ao profissional de saúde, em cada consulta de saúde infantil, destetar grupos de risco de carência em vitamina D (obesidade, pele escura, inatividade e pouca exposição solar para além de certas patologias), ponderando nesses casos a suplementação nos meses de outono e inverno, com a dose de 400UI/dia, em associação à promoção de um estilo de vida e a hábitos alimentares saudáveis.
As explicações são da médica Carla Rêgo, pediatra do Hospital CUF Porto.
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