Corria o ano de 1944 quando se iniciou o primeiro programa de Musicoterapia na Universidade Estatal do Michigan (Estados Unidos da América). Para trás, um vasto número de veteranos de guerra, com traumas físicos e psicológicos em contexto hospitalizar, que recebia a visita de músicos amadores e profissionais.
Pequenas apresentações musicais eram feitas para atenuar o cenário dantesco que se vivia no exterior. E foi aqui que a música através da terapia teve o seu arranque concreto. A partir de 1950, surgem as primeiras associações americanas que permitem a valorização da profissão técnica e a consistência dos resultados terapêuticos. Enquanto o trabalho se ia desenvolvendo, mais teóricos foram surgindo e trabalhando o tema da deficiência, como foi o caso de Paul Nordoff, Clive Robbins, Rolando Benenzon e Juliette Alvin.
Se procurarmos o significado da palavra “deficiência”, a mesma define-se como “imperfeição, falta, lacuna”. Ora, num século onde cada vez mais o ser humano se tenta complementar, instruir e consciencializar, será fácil confrontarmo-nos com este lado diferente de uma realidade cada vez mais frequente? A resposta é “Sim!” E a música, graças à linguagem universal que é, tem esse papel unificador.
Dos diferentes tipos de deficiência existentes (deficiência intelectual, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência múltipla e deficiência motora), a musicoterapia tem a capacidade de tratar todos eles, devido à “utilização da música e/ou dos seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo de clientes, “ num processo da melhoria da qualidade de vida ao nível das “necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas”.
A Musicoterapia parte de uma interação sonora entre o terapeuta e o(s) cliente(s) permitindo a conversação, o canto, a dança, a prática de instrumentos ou a criação de novos sons e canções. Estas dinâmicas, feitas em sessões (semanais ou bimensais que podem ir de 20 a 45 minutos) permitem melhorias ao nível da socialização (em família, com os amigos, com desconhecidos); da verbalização de sentimentos, da escrita ativa e da capacidade de seguir indicações; do desenvolvimento motor (lateralidade, direccionalidade, flexibilidade e agilidade); do progresso da área cognitiva através de jogos sonoros e musicais que potenciam a repetição de ações concretas; da indução das sensações de excitação e relaxamento através do acelerar ou diminuir da respiração, do ritmo cardíaco, da pressão arterial ou do sistema digestivo.
Com esta atividade terapêutica, o cliente ou grupo passa a conhecer melhor o seu corpo, a sua mente, permitindo uma maior auto-expressão e libertação emocional.
Como técnica de musicoterapia da Fundação AFID desde 2015, destaco dois casos de clientes com personalidades e patologias distintas, mas que têm a música como elo de ligação.
Conheci o Rogério e logo me foi dito que adorava música. E era verdade! Standards de Jazz são a sua predilecção. Por ter deficiência intelectual, a música ajudou-o a relacionar-se melhor com os seus pares, a ter paciência para esperar pela sua vez e a expressar as suas emoções.
O Pedro Leote é o outro cliente que merece ser falado. Jovem que tem paralisia cerebral e vê a sua mobilidade condicionada a uma cadeira de rodas, não perde o seu sorriso e gargalhada contagiante. Por gostar de ouvir música portuguesa, incita a terapeuta a interpretar os temas que mais gosta, fazendo com que seja ele a terminar cada verso do poema. Neste caso, a musicoterapia foi importante para o Pedro no sentido de desenvolver a verbalização de frases simples e a movimentação dos membros superiores através da prática de instrumentos de percussão.
Por: Margarida Arcanjo, Musicoterapeuta na Fundação AFID Diferença
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