Considerado pela Organização Mundial de Saúde uma das maiores ameaças à saúde pública, o tabagismo é, segundo esta organização internacional, responsável, direta ou indiretamente, pela morte de cerca de sete milhões de pessoas em todo o mundo. Face a essa ameaça têm sido lançadas, no mercado, alternativas que alegam ser menos nocivas para a saúde do que o cigarro clássico, nomeadamente o cigarro eletrónico e, mais recentemente, o tabaco aquecido. Mas será que é mesmo assim? As opiniões dividem-se.
As muitas certezas são, afinal, condicionadas. Ainda é cedo para um conhecimento extenso e aprofundado sobre os efeitos destes produtos na saúde. Ana Figueiredo, médica pneumologista, ex-coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica porquê. "Apesar de já sabermos alguns dos efeitos nocivos do cigarro eletrónico e do tabaco aquecido, ainda não temos dados globais suficientemente conclusivos devido à sua curta existência", esclarece a especialista.
"As empresas tabaqueiras estão a apostar nestas novas técnicas, pois defendem que podem ser uma forma menos nociva de fumar, especialmente o IQOS [sigla de I quit ordinary smoking], mas convém lembrar que foram necessárias décadas para a ciência provar os malefícios do cigarro clássico", refere Ana Figueiredo. "Dizer que o recurso a estes dispositivos se trata de uma utilização inócua ou mesmo menos nociva é, neste momento, sinónimo de uma conclusão prematura e um erro grave", adverte a médica.
O estudo "Eletronic cigarrettes, an aid in smoking cessation, or a new health hazard?", da autoria de Konstatinos Farsalinos, investigador do Departamento de Cardiologia do Onassis Cardiac Surgery Center, na Grécia, confirma a opinião da especialista portuguesa. "Existem poucas dúvidas de que os cigarros eletrónicos são menos nefastos do que fumar, mas não há acordo sobre o nível da redução do risco. Contudo, há consenso de que não são totalmente inócuos", refere o relatório final da investigação.
O argumento da não combustão
É uma das desculpas mais usadas por fabricantes e vendedores. "O facto de, nestes novos dispositivos, não existir combustão [o que faz com que não haja libertação de agentes tóxicos pelo fumo ou pela cinza] não é argumento suficiente para garantir que o seu uso é menos nocivo", considera mesmo Ana Figueiredo, explicando que, "se se avaliarem as substâncias que são inaladas, existem, de facto, menor quantidades de hidrocarbonetos e outras substâncias que sabemos ser nocivas", esclarece ainda a médica pneumologista.
"Mas isso não quer dizer que não tenham outras também perigosas ou as que são usadas não sofram alterações perigosas depois de aquecidas", sublinha Ana Figueiredo. "Falamos de substâncias que não têm um efeito imediato a nível de reações do organismo logo após serem inaladas, mas a ciência já nos ensinou que qualquer ar inalado que não seja puro pode ser um perigo. E tanto as substâncias que compõem um cigarro eletrónico como o tabaco aquecido podem provocar lesões a nível do sistema respiratório e restante organismo, uma vez que, sendo reativas, a sua influência irá sentir-se no resto do corpo", alerta também a especialista.
"Enquanto pneumologista, aquilo que devo transmitir é que essas formas de fumar não são hábitos saudáveis", refere. As conclusões do artigo científico "Possible hepatotoxicity of IQOS", publicado no jornal Tobacco Control, associam a exposição ao IQOS a "uma toxicidade que não foi associada aos cigarros" no fígado. "Embora o IQOS exponha os seus utilizadores a níveis mais baixos de várias toxinas do que os cigarros convencionais, expõe-os a níveis mais elevados de outras toxinas", garantem os autores do documento.
O impacto nas novas gerações
Ainda não podem ser medidas com rigor mas estas novas e alternativas formas de tabagismo terão, seguramente, consequências futuras. "A desvalorização dos potenciais efeitos nocivos do cigarro eletrónico e do tabaco aquecido e o aspeto estético interessante e atrativo destes gadgets, pode, diretamente ou indiretamente, servir de justificação para os mais jovens começarem a fumar", alerta ainda Ana Figueiredo. A preocupação da especialista é confirmada no estudo do investigador grego Konstatinos Farsalinos.
O cientista constatou, na análise que fez, que os adultos que nunca fumaram não tendem a experimentar o cigarro eletrónico mas, em contrapartida, entre os adolescentes, existe "uma considerável experimentação, incluindo os que nunca tinham fumado", descobriu. A mesma investigação que levou a cabo adianta que "dados recentes mostram uma tendência para a redução da experimentação dos mais jovens, enquanto o uso regular parece estar largamente confinado a fumadores", sublinha Konstatinos Farsalinos.
"É necessária a realização de mais estudos que avaliem as interações complexas entre fumar e o recurso ao uso do cigarro eletrónico por parte de adolescentes e o impacto dos cigarros eletrónicos na prevalência do ato de fumar entre adolescentes", defende. "É preciso ver se os cigarros eletrónicos podem significar uma fonte de danos ou uma redução de danos nesta população. Parece que este continuará a ser um assunto controverso e o debate sobre os seus efeitos durará mais anos", antevê mesmo o grego.
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