Li um artigo no jornal The Guardian que fazia a seguinte pergunta - "Porque é que eles têm de ser brilhantes? O problema do autismo nos filmes". Sinto que a questão foi ao encontro de muitas coisas que vou pensando através desta mesma pergunta e não apenas no autismo.
Porque é que temos de ser brilhantes? Seja quem formos, autistas ou não autistas?! Um pouco à semelhança de alguns movimentos mais recentes que parecem advogar a importância da felicidade, do sermos positivos, etc.
Temos de ser brilhantes na escola. Para que depois possamos ser brilhantes no trabalho. Até porque as empresas procuram sempre pessoas brilhantes. Também precisamos de ser brilhantes nas relações, sejam nas amorosas, mas também em todas as outras. E logo depois, passamos a ter de ser pais brilhantes.
Em acumulação com o sermos profissionais, conjugues e amantes brilhantes. Além de no dia a dia nos irem recordando da importância de sermos cidadãos brilhantes. E avós brilhantes. Não esquecer os avós. E já no fim da vida costumam perguntar-nos - A tua vida foi brilhante? E se ninguém nos perguntar, nós próprios nos vamos encarregar disso mesmo! E se nunca perceberam isso vão espreitar as prateleiras de uma livraria e contem os livros que prometem ensinar-nos a ser brilhantes!
Como podemos ver, ainda que com algum dramatismo, o ser brilhante parece ser uma característica vital a qualquer um de nós. E quando não o somos, ficamos com a sensação de sermos relegados para a escuridão.
Uma coisa é certa, o cinema de uma forma geral parece ter captado muito bem essa necessidade e importância do sermos brilhantes. E desde o início da 7ª arte que nos traz esta ideia da importância do sermos brilhantes. Por exemplo, quantos de nós não quiseram já ser igualmente brilhantes a algum actor ou atriz, seja em que plano da vida estejamos a falar? Adoro a forma dela dançar, ou a capacidade que ele tem de surfar. E o que dizer da competência social de muitas dessas personagens e de como as suas relações amorosas parecem ser sempre intensas e variadas!?
Talvez alguns possam perguntar: E porque não? Qual o problema de haver esta ideia do ser brilhante?
Há algum problema em as pessoas serem brilhantes? Talvez algumas pessoas precisem de acreditar que conseguem ser brilhantes! Certamente que não há problema em sermos brilhantes. E seremos todos, dependendo do enquadramento que tivermos, em vários aspectos e momentos da nossa vida. E compreendo que as pessoas possam necessitar de acreditar que conseguem ser brilhantes. Ou até mais importante, as pessoas acreditarem em si próprias. E talvez isso possa ser o ser brilhante!
Mas voltando novamente à notícia e pergunta do jornal The Guardian relativa à forma como o autismo e as pessoas autistas parecem ser representadas no cinema e nas séries. Muito do que possa acrescentar em relação a isso já foi dito anteriormente. Até porque penso de forma muito semelhante em relação à questão do porquê termos de ser brilhantes, sejamos autistas ou não autistas!
Se tiverem a oportunidade de ouvir a opinião de uma pessoa autista que está a ver ou já viu um filme ou uma série em que entra uma personagem que representa uma pessoa autista, penso que irão ter uma melhor perspetiva do assunto comparado com aquilo que pode aprender com este meu texto. Mas ainda assim vou procurar dar o meu contributo.
Uma primeira coisa que é apontado é o porquê de o ator ou atriz que está a representar a pessoa autista não ser ela própria autista. Depois coloca-se a questão da representatividade daquilo que é o espectro do autismo e não apenas uma parcela do que é o autismo. Ou seja, porque é que os autistas não verbais raramente são representados no ecrã? E nem sequer vou falar do filme da Sia!! Mas se tiverem oportunidade vejam "The Reason I Jump", porque parece sem dúvida mostrar não apenas um excelente exemplo e real da pessoa autista não verbal.
Mas também tem o condão de poder ajudar a desconstruir aquilo que se pensa sobre a pessoa com esta condição e características. Mas também é possível ouvirmos questões acerca do porquê de as personagens autistas serem apresentadas como quase sempre brilhantes. Ou seja, sejam crianças, jovens ou adultos, parecem ser brilhantes ou vir a tornarem-se brilhantes ao longo do filme ou da série. Por exemplo, a série "The Good Doctor".
Mas também retrocedendo alguns anos atrás ao já histórico filme e nem sempre pelas melhores razões, Rain Man. Ou seja, de que as pessoas autistas têm estas características brilhantes, seja de inteligência, memória ou outra. E sublinho que o problema não é o facto de isso acontecer. Ao longo do meu percurso profissional a acompanhar pessoas autistas conheço muitas com essas e outras competências brilhantes, tomando esse mesmo enquadramento.
Talvez um dia cheguemos ao ponto em que as personagens autistas de um filme ou série possam ser elas próprias representadas por actores autistas. E que não estão apenas a fazer aquele mesmo tipo de papel, e possam também representar outras personagens não autistas ainda que eles sejam autistas. Ou que também possam chegar os dias em que as próprias personagens autistas não são todas elas repletas das características de um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo.
É como se houvesse esta ideia de que uma pessoa autista tem de ter todas estas características. Ou então haver algum receio por parte da produção do filme ou série de os telespectadores não perceberem que é uma personagem autista.
Talvez tudo isto possa ser mais normalizado e ainda assim cheio de pessoas brilhantes. E todos estarem bem com isso. Isso seria brilhante!
Se pretende colocar questões ou entrar em contacto com o Psicólogo Clínico Pedro Rodrigues, pode fazê-lo através do email pedro.rodrigues@pin.com.pt.
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