Tendo em conta que até 90% dos eventos cerebrocardiovasculares são evitáveis e que a dislipidemia é o fator de risco modificável com mais impacto no prognóstico dos indivíduos com diabetes e pré-diabetes, é necessário calcular e estratificar o risco cardiovascular global (RCVG) destes doentes, colocando, nomeadamente, a tónica sobre os doentes de alto e muito alto risco. Em Portugal, dois em cada três adultos têm o colesterol elevado, ultrapassando os valores-alvo de controlo.

Esse limiar de controlo varia consoante o nível de risco individualizado de cada doente. Todavia, para os doentes de alto e muito alto risco cardiovascular (CV), é forçoso que os índices de colesterol LDL permaneçam abaixo de 70 mg/dL. A este propósito, é imperativo passar a mensagem de que estes valores não são negociáveis, nem prescindíveis: combater de forma eficaz e sustentada o RCVG dos nossos doentes passa, obrigatoriamente, por intervir com rigor sobre a sua ficha lipídica, de modo a garantir que atingem e mantêm os valores-alvo de colesterol LDL (low-density lipoprotein) ao longo do tempo.

A estatina certa na dose certa

Ao abordarmos o tratamento das dislipidemias, há também mitos que importa desconstruir. Um deles é o de que a dieta tem um impacto pronunciado sobre a ficha lipídica dos doentes, quando, na realidade, isso não se verifica. Na maior parte dos casos, a dieta tem um impacto modesto no valor de colesterol total e colesterol LDL. Este pode ser um instrumento adicional e coadjuvante no controlo de outros componentes do RCVG, mas não altera significativamente o quadro de dislipidemia. Como tal, embora a alteração dos estilos de vida não seja despicienda, a terapêutica farmacológica é essencial.

É precisamente no manejo dos fármacos que reside outro dos grandes desafios que enfrentamos a este nível. No nosso país, continua a ser comum a administração de doses reduzidas de estatinas: a maior parte dos doentes, em Portugal, cumpre um regime terapêutico de 20 mg de sinvastatina ou 10 mg de atorvastatina, mas estas estatinas, nestas doses, são quase sempre insuficientes para atingir os valores-alvo de colesterol LDL, particularmente nos doentes de alto e muito alto risco CV que mais têm a beneficiar com uma redução mais pronunciada desses mesmos valores.

Por conseguinte, é crucial perceber se a estratégia terapêutica adotada é ou não suficiente para atingir o alvo – e de que é necessário corrigi-la, quando assim não acontece. Só desta forma se pode procurar prevenir o prejuízo decorrente de uma dislipidemia descontrolada e de um RCVG desnecessariamente elevado, com risco acrescido de ocorrência de enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral e morte de causa vascular. Como se pode ver no gráfico em anexo, muitos dos doentes portugueses estão fora dos seus alvos terapêuticos em termos de colesterol LDL.

Não é demais enfatizar que a esmagadora maioria dos doentes deve ter os seus índices de colesterol LDL controlados, sendo as estatinas uma arma privilegiada para o fazer.

Contudo, é fundamental utilizar a estatina certa na dose certa, por forma a obter o máximo benefício terapêutico. Constituindo a terapêutica standard para combate à dislipidemia, as estatinas não são, porém, suficientes para que muitos doentes atinjam e mantenham o seu alvo terapêutico, sendo por vezes necessário recorrer a associações com o ezetimiba, um inibidor da absorção intestinal de colesterol.

Em populações de muito alto risco CV, como são os doentes idosos ou com diabetes, justifica-se que a terapêutica hipolipemiante passe por estatinas seguras e muito eficazes, seja em monoterapia, seja recorrendo à associação do ezetimiba. Só através de um controlo precoce e eficaz da ficha lipídica dos nossos doentes de risco poderemos sair vitoriosos na luta diária contra o RCVG e os eventos cardiovasculares.

Um artigo do médico Pedro Monteiro, Cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.