Todos nós já passámos por uma situação semelhante. Uma tristeza que parece não querer deixar-nos, uma sensação de frustração que nos imobiliza ou uma raiva tal que, irritantemente, nos leva a reagir contra as pessoas ou situações erradas. Geralmente, passados uns minutos, umas horas, uns dias, já regressámos ao nosso estado normal. Mas e quando ficamos presos nesta rede de emoções e nada parece libertar-nos dela?
Será que devemos procurar um psicólogo? Qual é a fronteira entre um problema de simples resolução e uma situação grave? Para responder a esta e muitas mais questões, conversámos com Vítor Rodrigues, psicólogo clínico, e esclarecemos todas as nossas (vossas) dúvidas.
Qual é o motivo mais frequente para procurar a ajuda de um psicólogo?
Penso que, em geral, a motivação mais frequente é o sofrimento com que a pessoa não está a conseguir lidar, nomeadamente ansiedade e/ou fobias específicas, tristeza, raiva mal expressa. Claro que este sofrimento pode surgir em diversos quadros de perturbação psicológica, com intensidades variáveis.
E quais são os motivos que deveriam levar alguém a uma consulta?
Até certo ponto os mesmos, com a ressalva de que, muitas vezes, as pessoas (sobretudo os homens) deixam o sofrimento intensificar-se demasiado antes de concluírem que não conseguem lidar com ele ou que o preço que estão a pagar é muito elevado. No entanto, é claro que há diretivas gerais.
Diria que devemos procurar ajuda quando sentimos que não estamos a ser capazes de gerir os nossos sentimentos, pensamentos e/ou comportamentos de um modo que seja satisfatório. Outro indício surge quando começamos quase a estranhar o caráter ou a intensidade das nossas reações, muitas vezes sem compreender bem o que nos está a acontecer.
O que explica essas reações incompreensíveis?
Nesse caso, podemos admitir que existem razões inconscientes para o comportamento, como nas fobias ou nas aversões inexplicáveis, ou nas obsessões e nos comportamentos repetitivos.
Por outro lado, existem situações fortemente patológicas em que determinada pessoa pode estar tão envolvida em pensamentos delirantes, angústia intensa ou outras formas de sofrimento, que pode tornar-se perigosa para si mesma, para terceiros ou para bens patrimoniais.
Em termos práticos, a que sintomas devemos estar atentos?
Falamos em perturbação no momento em que a tristeza ou a ansiedade começam a perturbar a vida mental, emocional e comportamental de uma pessoa produzindo um sofrimento com o qual já não consegue lidar adequadamente e impedindo-a de funcionar de modo satisfatório no trabalho, nas relações interpessoais e até no relacionamento consigo próprio.
Pode dar-nos alguns exemplos?
Sim, claro que sim. Quando a ansiedade já não nos deixa dormir, quando o medo nos impede de fazer a vida que costumávamos fazer ou mesmo, em situações geralmente mais graves, quando começamos a desconfiar de tudo e de todos, a sentir-nos perseguidos ou a desenvolver ideias muito estranhas.
Da sua experiência, qual é o problema mais difícil de tratar?
A dificuldade no tratamento depende do cruzamento de, pelo menos, três fatores. O tipo de problema apresentado por determinada pessoa, as capacidades dessa pessoa (inteligência, sensibilidade, flexibilidade, possibilidade de se autoconhecer, por exemplo) e o treino e habilidade específicos do terapeuta.
Dito isto, é claro que algumas perturbações costumam ser especialmente difíceis na maioria dos casos, para a maioria das pessoas e dos terapeutas. Entre elas figuram os TOC (transtornos obsessivo-compulsivos) e algumas psicoses.
O desabafo, por si, já é uma forma de terapia?
O desabafo pode ser importante, produzindo alívio momentâneo e ajudando a clarificar, para o paciente e para o terapeuta, a natureza de um problema. Entretanto, ficar só pelo desabafo, pode ajudar a viciar o paciente nas consultas e até tornar-se antiterapêutico, às vezes, simplesmente desabafar faz-nos repetir o que já é patológico e perturbador, de algum modo reforçando as vias nervosas e psicológicas da perturbação, por terem maior uso.
Assim, importa começar pelo desabafo mas, depois, fazer alguma coisa terapêutica, com os materiais que o desabafo revela. É como, após contar uma história, encontrar ou reformular a moral dela, ou aprender a contá-la de outra maneira, ou perceber que a história até é diferente do que parecia. Ou como encontrar a história verdadeira por detrás de outra, mais superficial.
Os homens têm mais dificuldade em procurar ajuda?
Eu, com base na minha experiência pessoal, costumo pensar que os homens têm menos autorização social que as mulheres para sentir emoções e confrontar-se com elas. As mulheres podem sentir vulnerabilidade, medo, tristeza, ansiedade e podem sentir necessidade de apoio, proteção e auxílio. Muitos homens, em contrapartida, receiam ser tidos como indignos do seu papel masculino de força, independência, virilidade, se mostrarem tais fraquezas.
Por isso, costumam sentir-se autorizados socialmente a sentir raiva, uma ponta de tristeza, irritabilidade e pouco mais. O resto pode fazê-los recear que a sua virilidade seja posta em causa. Talvez pelas mesmas razões, costumam ter uma inteligência emocional inferior à das mulheres.
Como devemos escolher um psicólogo?
Há vários parâmetros recomendáveis. Devemos procurar um profissional competente (o que implica, por vezes, que ele seja recomendado por alguém) mas também um profissional que tenha alguma afinidade connosco. Por exemplo, se somos religiosos, um psicólogo que seja cético e contrário à religião poderá ser uma péssima escolha. Se temos interesses filosóficos elevados, o psicólogo deverá ser culto.
Acresce que o nosso psicólogo deve ser alguém com probabilidade de êxito ao ajudar-nos a lidar com o nosso problema específico. Por isso, importa saber quem é (como pessoa) e também o que sabe fazer (como profissional). Um psicólogo que tenha êxitos firmados no auxílio a pessoas com problemas semelhantes ao nosso e que, além disso, seja capaz de empatizar connosco, como pessoas, será certamente uma boa escolha.
O que acontece durante uma consulta
Vítor Rodrigues, psicólogo clínico, explica as várias abordagens que podem surgir em consulta:
- Dar sentido
Em alguns casos, "trata-se sobretudo de escutar o paciente e ajudá-lo a expressar-se e a encontrar sentido", esclarece o especialista.
- Fomentar a confiança
A terapia pode residir "no desenvolvimento de uma relação de confiança mútua em que as palavras (e a escuta do que é dito e não dito) são o principal instrumento", sublinha Vítor Rodrigues.
- Conhecer o corpo
Há situações em que "é importante o conhecimento do corpo e o trabalho com ele, em exercícios diversos como dança, focalização em partes do corpo, trabalho sobre a postura", sublinha o psicólogo clínico.
- Melhorar a atitude
"Ajudar o paciente, através de relaxamento, hipnose, meditação ou respiração, a entrar num estado mental especialmente favorável ao autoconhecimento e à reprogramação de si mesmo", aponta ainda o especialista.
Texto: Teresa D'Ornellas com Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)
Comentários