A Síndrome do Choque Tóxico (SCT) é uma doença rara, mas potencialmente fatal, que chamou à atenção do público em 1980, quando 812 casos foram descritos em utilizadoras de tampões. Voltou às luzes da ribalta em 2012 quando a modelo Lauren Wasser amputou a perna direita devido a esta síndrome. A segunda perna foi-lhe recentemente amputada, anunciou ontem a namorada da atriz, Jennifer Rovero.
Segundo a médica Elsa Milheiras, existem duas bactérias que podem causar esta doença: o Staphylococcus aureus, presente na pele e mucosas de 30 a 50% dos adultos e crianças saudáveis (narinas, pele, vagina e reto), e o Streptococcus pyogenes.
As estirpes de Staphylococcus aureus envolvidas são as que produzem a TSST-1 ou toxina da síndrome do choque tóxico e a enterotoxina B. Estas exotoxinas são superantigénios, pois ativam simultaneamente grandes quantidades de células imunitárias, as células T, resultando numa produção massiva de substâncias responsáveis pelos sinais e sintomas da síndrome. Embora em 1979-1980 os casos menstruais representassem a esmagadora maioria (91%), atualmente são apenas cerca de metade, estimando-se que atinjam uma em cada 100.000 mulheres. A incidência desta síndrome diminuiu bastante com a retirada do mercado de algumas marcas de tampões.
Usar tampões ainda é um fator de risco
O uso de tampões continua a ser um fator de risco, especialmente os que têm grande capacidade de absorção. É por esta razão que as marcas fornecem folhetos informativos recomendando instruções como mudar o tampão a cada 4-8 horas, usar o grau de absorção mínimo adequado ao fluxo, não esquecer tampões intravaginais e usar preferencialmente pensos higiénicos durante a noite.
Quando não tratada, a STC evolui facilmente para a formação de gangrena, um tipo de necrose causada pela morte de tecido corporal por falta de irrigação sanguínea e consequente falta de oxigénio (hipoxia). Tal não é reversível e obriga à amputação dos membros afetados. No entanto, a SCT pode ter outras causas, ocorrer em todas as idades e em 25% das ocasiões atinge indivíduos do sexo masculino.
A doença surge também na sequência de infeções de feridas cirúrgicas e do parto e também após mastite, septorrinoplastia, sinusite, osteomielite, artrite, queimaduras, lesões da pele (extremidades, perianais e axilares), infeções respiratórias e enterocolite.
Os principais sinais e sintomas incluem: febre igual ou superior a 38,9oC, hipotensão e manifestações cutâneas (eritroderma difuso e mais tarde descamação). Adicionalmente podem surgir arrepios, mal-estar, dor de cabeça, dor de garganta, dores musculares, fadiga, diarreia, dor abdominal, desmaio e outros.
As manifestações clínicas surgem rapidamente, geralmente nos dois primeiros dias após o início da menstruação ou após uma cirurgia. A síndrome do choque tóxico envolve, no mínimo três sistemas, mas pode atingir todos os órgãos e sistemas: gastrointestinal, incluindo o fígado, muscular, urinário, hematológico (anemia, alteração da coagulação), sistema nervoso central, sistema respiratório e sistema circulatório, incluindo o coração.
Sempre que há suspeita de síndrome de choque tóxico numa paciente, deve-se pesquisar o canal vaginal e retirar um tampão que eventualmente esteja presente. Também é importante verificar se existe um foco de infeção e drená-lo.
O tratamento baseia-se na reposição de líquidos (10 a 20 litros de fluidos endovenosos por dia) e vasoconstritores para contrariar a hipotensão grave, assegurando a perfusão dos órgãos. Os antibióticos endovenosos durante uma a duas semanas erradicam a bactéria e previnem as recorrências por eliminar o estado de portador.
A morte por síndrome do choque tóxico costuma acontecer nos primeiros dias após a hospitalização, sendo frequentemente devida a arritmias cardíacas resistentes aos tratamentos, cardiomiopatia, insuficiência respiratória irreversível e, raramente, hemorragia causada por defeitos na coagulação.
A taxa de mortalidade é, por ordem crescente, de 1,8% nos casos menstruais, 3-5% nos casos infantis, 5-6% nos casos não menstruais e 30-70% se a bactéria causadora for o Streptococcus pyogenes.
A imunidade das populações contribui para a raridade da doença, dado que, na quarta década de vida, mais de 90% das pessoas têm anticorpos contra a TSST-1 (toxina da síndrome do choque tóxico). No entanto, a sua ausência também pode justificar a gravidade da síndrome em alguns indivíduos, uma vez que muitos pacientes com a doença nem têm estes anticorpos, nem os desenvolvem após recuperarem.
Não criar imunidade, deixa uma porta aberta para novos episódios da doença. Esta é uma das razões que justifica recomendar às mulheres com um episódio prévio de síndrome do choque tóxico associado a tampões não os voltarem a utilizar nunca mais.
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