Em Portugal, uma em cada três crianças com asma sofre, pelo menos, um internamento hospitalar. Mas o problema das doenças alérgicas está longe de se cingir a essa faixa etária e não afeta apenas a vida dos mais pequenos. Números oficiais do início da década referem que mais de três milhões de portugueses têm de lidar diariamente com este tipo de patologias, apesar da sua incidência nos adultos continuar a ser desvalorizada.
Apesar de não existir cura, novas vacinas e novos medicamentos biológicos, alguns deles ainda em desenvolvimento, prometem modificar a resposta imunológica perante os alergénios. Em entrevista à Prevenir, Morais de Almeida, imuno-alergologista, fala de alguns dos novos avanços e alerta para a necessidade de cuidados preventivos. "A alergia não é uma doença nem uma falta de defesas, antes pelo contrário", garante o especialista.
Muita gente confunde asma com rinite alérgica. Quais as principais diferenças entre as duas patologias?
De facto, se as doenças alérgicas são muito frequentes, as ideias erradas sobre alergias são imensas. Ter alergias é ter asma, é sofrer de rinite, de asma e rinite e de asma e eczema. É ser alérgico a medicamentos e a alimentos. É ter urticária durante meses, anos ou décadas. Em alguns casos é sentir todas estas situações… E não só em si mas também em muitos dos seus familiares. É verdade, as doenças alérgicas têm um forte componente genético.
A alergia é uma doença?
Importa salientar que a alergia não é uma doença, identificando isso sim um distúrbio imunológico que traduz a existência de anticorpos contra alergénios, geralmente proteínas, com que contactamos habitualmente, como é o caso de ácaros, pólenes, alimentos, venenos de insetos e por aí fora…
Substâncias que habitualmente toleramos passam a ser consideradas ameaças para o nosso organismo, mas esta situação pode ser apenas um achado ou então acompanhar-se de sinais e sintomas de diversos órgãos, nomeadamente rinite, asma, eczema, conjuntivite, anafilaxia e por aí fora…
Podemos associar o aparecimento de uma situação alérgica a problemas no sistema imunitário?
A alergia não é uma falta de defesas, antes pelo contrário, pois corresponde a um exagero ou excesso de resposta imunitária. A asma e a rinite são das doenças em que as alergias estão envolvidas. Na criança asmática, a alergia está muito presente, mas não é obrigatória para o diagnóstico. A asma até pode não ser alérgica… Os pais preocupam-se excessivamente com as alergias, mas aceitam mal os verdadeiros diagnósticos das doenças alérgicas. Até os evitam! E assim não se pode resolver o problema.
Quais são as queixas mais típicas?
Dizem-me coisas como "Tenho muitas alergias. Estou sempre a espirrar e depois o nariz fica tapado, não consigo dormir, acordo mais cansado do que quando me deitei. Tenho esperança que passe, embora isto já dure há 10 anos. E é cada vez mais grave"... São estas as queixas típicas de quem sofre de rinite alérgica, a doença alérgica mais frequente e que afeta as vias aéreas superiores de um em cada quatro portugueses, em todos os grupos etários.
É fácil identificar os sintomas de cada uma delas ou são facilmente confundíveis? E em que medida é que estas patologias podem interferir na qualidade de vida dos adultos e das crianças?
A rinite alérgica corresponde então às manifestações de alergia no nariz e nos seios paranasais (rinossinusite), que também se acompanham frequentemente de queixas alérgicas nos olhos, com comichão, lacrimejo e olho vermelho (conjuntivite alérgica). Os sintomas típicos de rinite alérgica são a comichão, o corrimento nasal, os espirros repetidos e a congestão nasal.
A asma também está entre nós, afetando um em cada dez portugueses, sendo mais frequente nas crianças. Tosse, dificuldade em respirar, pieira (sibilos), aperto torácico e cansaço, são as manifestações mais frequentes desta doença inflamatória crónica das vias aéreas inferiores, os chamados brônquios.
A rinite alérgica pode afetar muito a qualidade de vida e associar-se a várias complicações, sendo uma causa importante de absentismo escolar e profissional. Já a asma tem um grande impacto social, responsável por elevados custos e diminuição da produtividade, condicionando muitos recursos a urgências e hospitalizações, sendo ainda responsável por mortes preveníveis.
Em 2015, publicámos um artigo, "Archives of diseases in childhood", onde demonstramos que, em Portugal, uma em cada três crianças com asma tem pelo menos um internamento motivado por esta doença durante a idade pediátrica. Falta de diagnóstico e de medidas preventivas justificam estes intoleráveis números.
Apesar da prevalência, estes problemas alérgicos já são valorizados ou continuam a ser menosprezados?
Quer na criança, quer no adulto, a asma é pouco valorizada e a rinite ainda menos. As alergias respiratórias surgem frequentemente na infância, embora possam manifestar-se em qualquer idade. É essencial reconhecer os sintomas, anteriormente referidos, para se chegar a um diagnóstico e tratamento corretos.
Se abandonada a uma evolução não controlada, a asma pode levar a alterações das vias aéreas e as crises podem ser graves e até fatais. Se a rinite não é controlada, a asma pode surgir ou, se já se manifestou, é mais grave. Tape o seu nariz e espere alguns minutos. Sinta o efeito ou será que já o costuma sentir...
Como é que estas doenças podem ser controladas?
A asma e a rinite podem ser bem controladas e este objetivo está ao alcance de quase todos os doentes com asma e/ou com rinite. Controlo significa qualidade de vida, dormir bem, não se cansar, poder estudar, trabalhar, ter uma vida social normal, rir, fazer exercício, apostando-se num programa que possibilita tudo isto. É a sua vida, ou a do seu filho, que pode estar a ser muito afetada. E não o deve ser!
É importante alertar que são doenças inflamatórias e que devem ser tratadas como tal, sendo necessário usar medicação preventiva de uma de forma regular. Não tenha medo dos medicamentos, mas vigie o seu efeito. Os corticoides inalados, para o nariz ou para os brônquios, tal como os anti-leucotrienos, estão na primeira linha do tratamento da asma e da rinite. Com os anti-histamínicos não sedativos resolvem-se a maioria dos sintomas de rinite.
E de conjuntivite alérgica também. Na primavera surgem ou agravam-se os espirros, a comichão no nariz e nos olhos, a obstrução nasal, o cansaço, a tosse e a falta de ar. Mas, não, outra vez? É impensável continuar a passar mal! Existem maneiras de afastar os alergénios, ao contrário do que muitos julgam. Existem medicamentos muito seguros e eficazes. Não dão sono, não alteram o apetite, dominam a alergia.
Com o passar do tempo, estes problemas tendem a agravar-se ou a situação melhora?
Esperar que a alergia passe com a idade está muito distante da realidade. E até existem vacinas anti-alérgicas que podem modificar o curso das alergias respiratórias, quase que levando à sua cura!
A que se deve a estreita relação de causa/efeito reciproca que se verifica entre as doenças respiratórias alérgicas?
Uma via aérea única, uma inflamação crónica, agressões e desencadeantes que são comuns, a genética, justificam a estreita relação entre asma e rinite alérgica. Cerca de 80% dos asmáticos têm rinite alérgica e cerca de 40% dos doentes com rinite têm asma, da criança ao idoso.
Qual é, então, a melhor estratégia terapêutica para prevenção e tratamento destas patologias?
Antes de mais, os alérgicos não devem ter medo do tratamento, pois não são estes que cronicamente, dia após dia, ano após ano, década após década, lhes perturbam a qualidade de vida, por não estar diagnosticada e consequentemente não estar controlada a sua patologia alérgica.
O tratamento divide-se em várias abordagens, mas baseia-se, primeiro, num diagnóstico bem feito. E este, com demasiada frequência, não foi ainda efetuado. E não é muito difícil de o fazer, seja na criança, seja no adulto. Fale com o seu médico e refira os seus sintomas ou os dos seus filhos. As medidas de evicção são igualmente um dos pilares do tratamento e não devem ser esquecidas.
Os principais alergénios respiratórios são os ácaros e os pólenes, sendo também de referir os animais domésticos e os fungos. Alguns alergénios relacionam-se também com as profissões, sendo muito importante identificar as alergias para ser possível efetuar intervenções específicas.
Que cuidados é que quem sofre destas doenças deve ter em casa?
Para evitar os alergénios em casa, presentes nos alergénios de ácaros, fungos e animais de companhia, ventile e controle a humidade, aspire regularmente o colchão e lave as almofadas e a roupa da cama a 60º C, evite revestimentos em alcatifa ou mobílias acolchoadas, reduza o número de peluches e limpe o pó com pano humedecido e aspire a casa com aparelho equipado com filtro de alta eficiência.
Se tem animais domésticos, evite que os mesmos frequentem os quartos de dormir e não tenha plantas no quarto. Finalmente, não menos importante mas ainda pouco divulgado é o efeito nocivo do tabaco para os alérgicos, talvez o mais importante fator irritativo para as vias aéreas pois aumenta o risco para o aparecimento de asma e infeções respiratórias. Nos asmáticos, é um fator desencadeante de crises graves, idas à urgência e internamentos, associando-se a maior mortalidade e diminuindo a resposta à medicação.
Pelo menos os pais, devem tomar consciência deste problema, deixando de fumar ou que outros fumem perto dos seus filhos, em casa e no carro, o que nem sempre sucede, como podemos constatar facilmente na nossa vida quotidiana. Não esqueça que a criança pode não conseguir manifestar o seu mal-estar. Não prejudiquem a vossa saúde e, principalmente, não prejudiquem a saúde dos vossos filhos.
No que se refere a investigação médica e científica, quais foram as descobertas mais marcantes dos últimos anos e quais as que ainda estão por fazer?
As doenças alérgicas, não tendo cura, são doenças crónicas onde se pretende como principal objetivo obter o controlo e, assim, permitir uma adequada qualidade de vida, da criança ao idoso, como também defendem outros especialistas. Podemos estar décadas sem sentir qualquer sintoma de alergia, é verdade, mas esta situação será tanto mais provável quanto mais controlados, acompanhados e supervisionados estivermos…
Assim sendo, entre os principais desenvolvimentos da última década, salientaríamos a importância da introdução do conceito de controlo na abordagem da asma e da rinite alérgica que permite viver com uma alergia sem sentir o seu impacto. E estar controlado é passar bem, ter exames de função respiratórias normais ou quase normais, mas também garantir uma boa evolução futura sem deixar que a doença comprometa o nosso bem-estar.
No nosso país, desenvolvemos ferramentas inovadoras na forma de questionários para auto-avaliação do controlo da asma e da rinite, como é o caso do CARAT e do CARAT Kids – Teste de Controlo da Asma e da Rinite Alérgica, para crianças e para adultos, os quais se encontram traduzidos em muitas línguas e a ser usados em vários continentes, sendo recomendados por grupos de trabalho patrocinados pela Organização Mundial de Saúde.
E, a nível de tratamentos farmacológicos, quais são as novidades?
A esse nível, destacaríamos igualmente o aprofundamento que foi obtido na otimização dos tratamentos farmacológicos, nomeadamente promovendo as suas associações, bem como na intervenção com vacinas anti-alérgicas, podendo estas modificar a resposta imunológica perante os alergénios e, assim, alterando a história natural destas doenças, caminhando no sentido da cura.
Mas ainda não chegámos lá! Ainda há aqui um caminho que está a ser percorrido… Finalmente, se bem que sejam úteis apenas para uma minoria de casos mais graves, situações que são de muito difícil controlo, realçamos que se encontram disponíveis ou em fase final de desenvolvimento, há vários anos, medicamentos inovadores, biológicos, que podem ser uma esperança para quem mais sofre com asma e rinite alérgica.
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