Tal como o autismo, ser pai e mãe, é algo para todo o sempre. E mesmo até quando ainda não o somos, seja pai e mãe, mas também autista, seja porque ainda não nasceu o bebé, ou no caso do autismo, porque ainda não temos o diagnóstico.

Não é por isso que não deixamos de estar a fazer aprendizagens para aquilo que virá acontecer na entrada da vida adulta. E isto aplica-se ao ser pai e mãe, mas infelizmente para muitos adultos que descobrem ser autistas tardiamente.

Não foi o caso da Laura. Mas ela conhece muitas outras mulheres e homens que o souberam já na vida adulta e sabe bem por aquilo que todos eles passaram e do quanto difícil nos dias de hoje se torna para procurar fazer diferente.

O nascimento do bebé da Laura e do Raúl, o momento do parto, não foi apenas o nascimento de mais uma criança. Quer para a Laura, mas também para o Raúl, foi o nascimento de muitas e variadas sensações. Raúl confessou à Laura, dois dias depois do Ricardo ter nascido, que agora ele parecia compreender um pouco melhor a ansiedade constante que a Laura dizia sentir. Não que o Raúl não fosse compreensivo, que o era. Mas agora parecia ter a experiência sentida de uma forma diferente e claramente mais intensa em relação à ansiedade.

Principalmente aquela que sente em relação ao cuidar do bebé, mas também a todo um conjunto de pensamentos que são mais ou menos recorrentes em relação ao futuro. Laura, curiosamente, parece estar mais capaz do que o Raúl neste aspeto e tem sido capaz de o ajudar a lidar com algumas destas dificuldades. Mas principalmente porque ao longo do tempo a Laura se foi desgastando nestas questões e lendo tudo o que havia para ler.

Adaptação e aprendizagem

Mas nem tudo tem estado a ser assim tão fácil, mas também não era suposto. Este é um processo de adaptação e aprendizagem para todos, até para o bebé Ricardo. Laura pensava que as leituras a haveria de capacitar para tudo e mais alguma surpresa que houvesse de acontecer. Mas rapidamente percebeu que não era bem assim.

Os livros não ensinam a compreender todas as características comportamentais, nomeadamente aquelas que são mais singulares e dizem respeito aquele bebé específico. Laura olhava para os livros, tinham as marcações feitas de acordo com o seu sistema habitual para ser mais rápida na consulta da informação. Mas continuava a ser difícil compreender o comportamento do seu bebé, das suas necessidades e também de se conectar emocionalmente a ele.

Já tinha lido algumas destas preocupações em livros e notícias nas redes sociais que subscrevera, mas nunca tinha sentido na primeira pessoa. E quando Laura falou deste aspecto com o Raúl ele disse-lhe que talvez fosse importante falar destas questões com outras mulheres também.

Laura que já tinha feito num passado muito longínquo grupos de competências, perguntou-lhe se seria algo semelhante a isso. Raúl, que nunca tinha passado pela experiência de pai, explicou-lhe que talvez fosse um pouco diferente, e que não tinha sequer de ser em grupo, e que poderia falar individualmente com outra mulher que também já tivesse sido mãe. Ao que Laura lhe respondeu - "tu por vezes esqueces-te de que eu sou autista".

Na verdade, o que Laura estava a procurar dizer ao Raúl é de que as experiências costumam frequentemente ser tão diferentes que leva a muitas situações de incompreensão mútua e como tal os grupos e as partilhas podem acabar por não ser positivos.

"Tu por vezes esqueces-te de que eu sou autista"

Não é por acaso que no espectro do autismo, nomeadamente na gravidez e na maternidade, é muito frequente ouvir que as pessoas se sentem na escuridão até encontrar alguém que as ajude a passar por muitos dos obstáculos presentes. Além disso, é igualmente muito frequente haver um sentimento de maior culpabilização e desvalorização em relação à competência maternal.

E com tudo isto, são muitas as mulheres/mães no espectro do autismo que referem sentir que houve um atraso na vinculação com o seu bebé. Nada parecia fácil em estabelecer a ligação com o bebé. Não era o caso da Laura, até porque o bebé Ricardo era bastante calmo, facto que ainda assim não deixava de preocupar Laura. As preocupações haveriam de crescer e Laura parecia ciente disso.

Muitos dos sinais comportamentais que o seu bebé iria evidenciar estariam escrutinados por uma mãe autista e um pai conhecedor desta condição. Haveriam de ser muitas as vezes em que colocariam questões ao pediatra se aquilo que o Ricardo estaria a evidenciar não seria sinal de isto ou aquilo no espectro do autismo. E isto aconteceu, e nem sempre Laura e Raúl se sentiram acolhidos.

E também não foi por acaso que mudaram de pediatra mais duas vezes. Até porque o primeiro quando eles perguntaram em relação ao bebé Ricardo dormir a noite toda sem dar nenhum problema ou noite mal dormida. O pediatra entre outras coisas disse-lhes que eles deviam ajoelhar-se e dar graças por isso. Laura e Raúl não eram católicos e não levaram nada a bem aquela frase.

As pistas visuais da face do bebé eram complicadas de perceber e nem sempre Laura tinha o Raúl por perto para lhe perguntar uma segunda opinião. Muitas das vezes o que fazia era tirar uma fotografia e enviar por mensagem ao Raúl. Mas Laura também fazia muitas outras coisas. E tentava, principalmente quando lhe fazia algum sentido, outras que lia ou ouvia.

E não deixava ela própria de experimentar, na relação com o seu filho, aprender o que ele lhe estaria a querer dizer. As fotografias, e por vezes os vídeos que o Raúl era solicitado a decifrar não era tarefa fácil, mas acabou por o tornar mais próximo do seu filho. Mas não é apenas as pistas visuais, há também os sons e alguns deles mais difíceis de suportar para a Laura.

Raúl ainda lhe disse para ela usar uns fones, mas Laura recusou, dizendo-lhe que queria estar sempre capaz de ouvir o seu bebé. Em relação aos sons, Laura acabou por fazer algo semelhante às fotos das faces. Foi fazendo ficheiros de sons e analisava-os mais tarde com o Raúl. Muitas das situações pelas quais a Laura foi passando ao longo da sua vida levou a que ela fosse criando algumas formas adaptadas de as resolver. E Raúl também foi aprendendo algumas.

Depressão pós-parto: ocorre com maior frequência na mulher autista

A partir de determinada altura, o bebé Ricardo parecia estar mais exigente e a Laura ressentia-se. Os sintomas de depressão pareceram mais evidentes. Era comum estes sintomas e a Laura já tinha lido sobre a depressão pós-parto. E que esta situação ocorre com maior frequência na mulher autista comparativamente à mulher não autista.

Raúl deixou passar uma semana, mas acabou por dizer-lhe que talvez fosse importante chamar a sua mãe e pedir-lhe alguma ajuda. Raúl sabia que aquela frase lhe haveria de causar alguma situação de conflito. A relação da Laura e da sua mãe não era a melhor. Mas Raúl também tinha aprendido que agora as coisas eram muito diferentes e que importava dar uma resposta às situações custasse o que custasse.

E Laura bem que sabia que quando a sua mãe lá chegasse lhe haveria de dizer que aqueles livros todos não a haveriam de fazer dela uma melhor mãe, e que ela própria tinha sido mãe numa altura em que não havia nenhum daqueles recursos.

As dificuldades com a interação social que já eram conhecidas, passaram a ter agora outros contornos. As pessoas, fossem mães ou não, todos pareciam saber fazer as coisas melhor e todas tinham palpites a dar. As mulheres dos amigos de Raúl, que não conheciam assim tão bem a Laura, faziam aquilo que sabiam e faziam umas com as outras e davam conselhos. Demasiados, no pensamento da Laura. E Raúl começou a perceber isso.

Até porque estes conselhos começaram a partir de determinada altura a soar à Laura como se ela não soubesse fazer nada no que dizia respeito ao cuidar do seu bebé. E a mesma coisa se passou quando a Laura teve de recorrer a uma consultora de lactação, porque alguma coisa parecia não estar a correr bem.

E não correu muito bem, porque Laura acabou por não explicar à senhora que ela tem determinadas características enquadradas no espectro do autismo e que, como tal, não bastava a esta consultora dizer à Laura para se sentar e fazer daquela determinada forma.

E depois havia todo um conjunto de perguntas que lhe faziam e que acabavam por responder em relação à sua própria opinião. Por exemplo, umas das primeiras perguntas que fazem à Laura ao fim de algum tempo foi - Não adoras ser mãe? Eu adoro, mais do que tudo!

Não que Laura não estivesse a adorar, porque estava, mas não tudo. E além do mais Laura queria ser mãe da sua própria forma e não de uma qualquer outra.