Vivemos atualmente tempos loucos. De um dia para o outro, por causa da pandemia, a nossa rotina ficou totalmente irreconhecível. O levantar cedo, escolher o que vestir e ir numa correria para o carro, para o autocarro ou para o comboio rumo ao escritório ou ao local de trabalho deu lugar a dias a trabalhar a partir de casa com uma roupa confortável para as reuniões via computador, com as calças de pijama vestidas, em muitas das situações, como alguns foram revelando com o tempo.
O trabalho remoto não é uma novidade mas, às vezes, ainda hoje, é visto como um bicho de sete cabeças para muitas empresas que ainda não se adaptaram aos tempos modernos. O que mudará na forma de trabalhar das empresas quando esta pandemia terminar? Estarão mais aptas e recetivas ao teletrabalho? Krystel Leal, freelancer, especialista em estratégia digital e em marketing de conteúdos, fundadora do projeto Nomadismo Digital Portugal, tem um palpite.
Esta profissional considera que a atual situação vai aumentar a consciencialização das possibilidades que o digital proporciona, mas diz não estar muito otimista de que o teletrabalho se torne algo mais comum para as empresas. Krystel Leal considera que a situação de isolamento não veio ajudar as empresas que não estavam motivadas para a aplicação do trabalho remoto. "Sem processos internos, sem metodologias, adaptação e treinamento, a experiência dificilmente vai ser positiva. Nestes casos, acredito que possa até surtir o efeito contrário", vaticina Krystel Leal.
No entanto, as empresas que já tinham a vontade de implementar o trabalho remoto e que estejam a ser acompanhadas por consultores especializados e/ou por equipas dedicadas a implementar esse tipo de trabalho, podem estar a testar processos de organização interna, a aumentar a literacia digital dos profissionais e a diferenciarem-se no mercado. A principal vantagem para as empresas que têm processos de teletrabalho bem definidos é reconhecida por inúmeros especialistas.
"Permite-lhes adaptar-se rapidamente a situações como esta, mas também a situações como terem um empregado a trabalhar remotamente durante alguns dias, semanas ou meses, sem que isso prejudique toda a equipa ou objetivos. As empresas e os trabalhadores que não desenvolvam competências de adaptabilidade tecnológica vão ficar para trás, seja em situações de pandemia, seja em situações em que sentem que a tecnologia e os automatismos estão a aumentar a sua presença", acrescenta.
Disciplina é a palavra-chave
Construir uma rotina de trabalho em casa não é uma tarefa fácil, principalmente para os mais distraídos, mas é possível, como muitos foram percebendo ao longo do confinamento e do estado de emergência. "Trabalhar a partir de casa, é trabalhar num local que não é, por norma, associado a trabalho e que está recheado de distrações visuais e sonoras", refere Krystel Leal. Exige disciplina, paciência e uma definição de limites entre aquilo que é a vida pessoal e a vida profissional.
Se assim não o for, corremos o risco de colocar em causa a nossa própria sanidade mental, como muitos também foram sentindo com o passar do tempo. Contudo, o trabalho remoto tem muitas vantagens, como por exemplo, ouvir música quando e ao volume que nos apetecer ou não ter de ouvir o nosso colega do lado a falar ao telemóvel com a família ou a tratar de assuntos pendentes enquanto estamos a tentar arranjar a concentração necessária para trabalhar. É tudo uma questão de hábitos.
Comece cedo e estabeleça horários. O primeiro passo é não adiar o início do seu dia de trabalho. Adelaide Miranda, autora do livro "Guia prático da proatividade", publicado pela editora Capital Books, aconselha que aproveite o tempo que não perde nas viagens até ao local de trabalho e que comece a trabalhar à hora em que, normalmente, saía de casa, como muitos (também) se habituaram a fazer. "A melhor forma de garantir a produtividade é mantendo um horário regular de trabalho", defende.
Por isso, estabeleça sempre uma hora de entrada e de saída, considerando as alturas em que é mais produtivo, dando também importância aos tempos de pausa e às horas de refeição, que não deve descurar. "Devemos garantir que temos pausas durante o trabalho e também separar o tempo pessoal do tempo laboral. Da mesma forma que comunicamos a nossa disponibilidade, devemos também comunicar o período em que não estamos disponíveis", esclarece Adelaide Miranda.
Caso não viva sozinho, deverá combinar horários precisos para não ser perturbado nem distraído, sempre ajustados à dinâmica empresarial da organização em que labora para não deixar os seus colegas sem resposta(s) se for caso disso. "Um truque que utilizo com o meu marido, que agora está a trabalhar a partir de casa, é que sempre que ele me vê com os auscultadores postos é porque estou a trabalhar. Foi esse o acordo visual que estabelecemos", confidencia Krystel Leal.
A importância de planear e organizar
Para quem não está habituado a trabalhar remotamente, uma dica útil é "pegar numa folha de papel e escrever tudo o que fazia no local de trabalho, que horários tinha, com quem falava, quando o fazia e que materiais utilizava", defende Krystel Leal. Depois deste passo, planear e organizar é fundamental. Para Adelaide Miranda, devemos definir as tarefas semanais e diárias no final do dia anterior, considerando o que ficou por fazer e adicionando novas tarefas.
Também é importante definir prioridade e graus de dificuldade. "Começar pela tarefa mais difícil é a chave principal", acrescenta. Contudo, não é só a organização do trabalho que é importante. "O meu maior conselho é que não percam a componente de comunicação. Criem canais de comunicação internos em plataformas como o Slack ou o [Microsoft] Teams e continuem a conversar diariamente com os vossos colegas, e se possível façam chamadas rápidas com vídeo", acrescenta.
A importância da roupa
A roupa faz parte da nossa identidade e estabelece limites. Trabalhar de pijama só vai parecer ser confortável até determinada altura. Mantermos a nossa rotina de higiene e vestirmo-nos vai "alertar o cérebro de que está na hora de trabalhar e não de relaxar", sublinha Adelaide Miranda. É essencial ainda que liberte ao máximo o espaço de trabalho de distrações visuais. "Devemos ter à nossa volta e ao alcance da vista apenas objetos e materiais necessários ao trabalho", refere Krystel Leal.
Ficar longe da televisão, evitar o contacto com filhos e/ou companheiros, colocar os telemóveis em modo de voo e estabelecer um horário para verificar as possíveis notificações são algumas das recomendações de Adelaide Miranda. Krystel Leal, fundadora do projeto Nomadismo Digital Portugal, acrescenta outras regras. Dicas essenciais sobre como construir o seu espaço de trabalho em casa que se vão revelar fundamentais para um desempenho profissional irrepreensível:
- Tente trabalhar com o computador à altura dos olhos. Se tiver um portátil, experimente usar um suporte para o portátil para o colocar mais alto, para evitar forçar o pescoço. Se não tiver este suporte, utilize livros ou caixas.
- Trabalhar com luz natural e de frente para a janela aumenta a produtividade, o foco e ajuda também a que force menos a vista.
- Invista numa boa cadeira ergonómica e tenha uns auscultadores com cancelamento de ruído. Mantenha os materiais de escritório perto de si e de uma forma organizada.
- Personalizar o seu espaço com objetos de que goste de maneira a que o ambiente se torne mais agradável também aumenta a motivação e a produtividade. São muitos os especialistas que o defendem.
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