A questão do endividamento continua a ser uma das principais preocupações no contexto económico português. Embora se fale frequentemente na dívida pública, a dívida das famílias merece atenção redobrada, especialmente num cenário de subida das taxas de juro, aumento do custo de vida e persistência de baixos salários. Reduzir a taxa de endividamento das famílias portuguesas é um objetivo que exige uma abordagem multifacetada, envolvendo políticas públicas, regulação financeira, reforço da literacia financeira e transformação estrutural da economia.

Em termos estatísticos, o endividamento das famílias portuguesas tem oscilado ao longo dos anos, mas permanece elevado face à média europeia em vários segmentos. A habitação é o principal fator de exposição, representando uma parte significativa do crédito concedido às famílias. Com o agravamento das taxas de juro, muitas destas prestações tornaram-se mais difíceis de suportar, pressionando os orçamentos familiares. A par disso, o recurso ao crédito ao consumo tem também aumentado, sinalizando a existência de dificuldades no equilíbrio entre rendimento e despesa.

Está na altura de parar de tratar a dívida familiar como um problema invisível. Vários fatores estruturais ajudam a explicar esta situação. O primeiro é a estagnação dos rendimentos reais. Apesar de um crescimento económico pontual e da descida do desemprego nos últimos anos, muitos trabalhadores continuam a receber salários que não acompanham o aumento do custo de vida, sobretudo nas áreas metropolitanas. A habitação, os transportes, a alimentação e a energia têm absorvido uma fatia cada vez maior do orçamento familiar, levando muitas famílias a recorrer ao crédito como forma de manter padrões de consumo ou fazer face a imprevistos.

Outro fator relevante é o nível de literacia financeira. Grande parte da população não compreende plenamente os produtos financeiros a que recorre, incluindo as implicações de juros compostos, períodos de carência, ou taxas variáveis. Esta fragilidade pode levar a decisões menos informadas, com consequências duradouras no equilíbrio financeiro dos agregados. Apostar na formação financeira, desde a escola até à vida adulta, pode ser uma das estratégias mais eficazes para a prevenção do sobre-endividamento.

A regulação do setor financeiro desempenha também um papel crucial. Desde a crise financeira global de 2008, os bancos operam sob regras mais apertadas na concessão de crédito. No entanto, continua a haver desafios, nomeadamente na concessão de crédito ao consumo e em práticas de marketing agressivas. Reforçar os mecanismos de avaliação da solvabilidade dos clientes, garantir transparência nas condições dos contratos e monitorizar as práticas comerciais são aspetos fundamentais para assegurar que o crédito é concedido de forma responsável.

Do lado das políticas públicas, o Estado pode atuar em várias frentes. A primeira é a promoção de estabilidade laboral e o aumento da remuneração média. A valorização do trabalho e a redução da precariedade são medidas com impacto direto na capacidade das famílias planearem o futuro e evitarem o recurso sistemático ao crédito. Em segundo lugar, políticas de habitação acessível, particularmente para jovens e famílias com rendimentos médios, podem contribuir para aliviar o peso do crédito habitacional. Finalmente, reforçar os serviços públicos essenciais — saúde, educação, transportes — pode reduzir a necessidade de gastos privados elevados em áreas fundamentais.

A redução da taxa de endividamento das famílias portuguesas não depende de uma única solução, mas de um conjunto coerente de medidas coordenadas entre os diferentes setores da sociedade. Reforçar a literacia financeira, melhorar os rendimentos, garantir o acesso a bens essenciais a preços compatíveis com o nível de vida nacional e promover uma política de crédito responsável são elementos centrais de qualquer estratégia eficaz. O objetivo não é apenas reduzir indicadores financeiros, mas melhorar a resiliência económica das famílias e promover maior estabilidade e justiça social.

Carlos Alvarez
Diretor e responsável pela área de operações da Bravo em Portugal

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