Entre 31 de outubro e 12 de novembro vai decorrer em Glasgow, na Escócia, a 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), onde é esperada mais de uma centena de chefes de Estado e de Governo, que deverão apresentar os compromissos e planos dos respetivos países para o combate ao aquecimento global.
A propósito do acontecimento, considerado fundamental para uma nova fase de luta contra as alterações climáticas e contenção das emissões de gases com efeito de estufa, a Lusa falou com quatro associações portuguesas de defesa do ambiente, com todas a salientarem a importância de serem apoiados nessa luta os países mais pobres, que são os que menos contribuem para as emissões de gases, mas que são também os que mais sofrem com as alterações climáticas.
Francisco Ferreira, da Zero, considera que a COP26 será decisiva na questão do financiamento para pagar os esforços de mitigação de emissões e adaptação dos países às alterações climáticas, “pois os países com responsabilidades históricas nas emissões devem compensar os países mais afetados pelas alterações climáticas, normalmente países pobres”.
O dirigente da Zero lembra que o compromisso de mobilizar 100 mil milhões de euros por ano para apoiar os países menos desenvolvidos não foi cumprido e cita a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que estima que “os países desenvolvidos ainda estão 20% aquém de cumprir essa meta”.
“Nesta COP, deverá ainda encontrar-se uma forma de os países vulneráveis serem indemnizados pelos danos e perdas já sofridos nos seus territórios decorrentes de fenómenos extremos, os quais cada vez mais têm como causa o aquecimento global”, adiantou.
Ana Marta Paz, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), lembra também que a COP26 deve aumentar o apoio financeiro aos países em desenvolvimento, e o coletivo ambientalista Climáximo espera que saia da reunião de Glasgow um plano de financiamento para mitigação nos países do hemisfério sul.
Afirmando que os custos da inação são muito mais elevados que os custos da ação, Catarina Grilo, da Associação Natureza Portugal (ANP/WWF), que trabalha em associação com a internacional “World Wide Fund for Nature”, espera que as promessas dos tais 100 mil milhões sejam cumpridas e que da COP26 saia um novo objetivo pós-2025 para o financiamento do combate às alterações climáticas.
A COP26, acentua a Zero, não visa obter um novo acordo internacional, já que esse foi alcançado na COP21 em 2015 em Paris. Em Glasgow os países vão prestar contas, estabelecer regras de avaliação e apresentar metas climáticas atualizadas e como as vão cumprir até 2030, para que a temperatura global não suba além dos 1,5 graus celsius (ºC) em relação aos valores médios da época pré-industrial.
“Este entendimento é fulcral, pois o mundo atualmente está completamente fora desse caminho. As emissões globais, de acordo com o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas), aumentarão 16% até 2030 (em relação a 2010) caso os governos não aumentem o seu nível de ambição, sendo que, para cumprir os 1,5ºC, é necessário um corte de 45% nas emissões até 2030”, explica Francisco Ferreira.
Nas declarações à Lusa também a LPN diz que os compromissos de redução de emissões apresentados há seis anos em Paris não são suficientes, e que espera “novos compromissos com ambição superior”.
E Ines Teles, do Climáximo, vai mais longe, afirmando que “apesar dos papéis assinados e declarações celebradas, as emissões continuam a aumentar. Isto acontece porque as próprias instituições políticas são desenhadas não para proteger as pessoas e o planeta, mas o lucro das empresas”.
E cita um relatório recente que mostra a influência na União Europeia de seis companhias petrolíferas para dizer que da COP26 se espera, como de outras COP anteriores, “muitas declarações de vitória por parte dos governos, muito ´greenwashing´ e muitas palavras vazias não-vinculativas”.
A ANP/WWF apresentou um manifesto para a COP26 no qual estabelece cinco grandes prioridades, afirmando que este já não é o momento nem de desculpas nem de processos de intenções, é o momento de acelerar a descarbonização o mais rapidamente possível.
É o momento, diz a associação, de transformar a economia e afastar os combustíveis fósseis, de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, de travar a perda da natureza, restaurando os ecossistemas terrestres e marinhos, de apoiar os mais vulneráveis (pessoas ou ecossistemas), e de apresentar objetivos mais ambiciosos de cortes de emissões de gases com efeito de estufa.
São esses os objetivos que têm de ser cumpridos em Glasgow, considera a ANP/WWF, que defende que os fluxos financeiros do setor privado devem ser alinhados com os objetivos climáticos internacionais, e que sejam eliminados gradualmente os subsídios prejudiciais.
Ana Marta Paz, da LPN, acrescenta como outro objetivo a elaboração de uma resolução sobre o restauro de áreas naturais. “É fundamental, a par da eliminação do uso de combustíveis fósseis, reconhecer o restauro dos ecossistemas e as soluções baseadas na natureza como medidas altamente eficientes para a mitigação das alterações climáticas, e que trazem ainda outros múltiplos benefícios”, disse à Lusa.
Além das propostas para limitar o aquecimento global diz o grupo Climáximo que seria um bom resultado saído de Glasgow a eliminação em todos os espaços de negociações dos 'lobbies' das empresas de combustíveis fósseis, e uma moratória global em todos os novos projetos de combustíveis fósseis.
Mas, Inês Teles acrescenta que "existe 0% de probabilidade de algum destes resultados serem realizados”.
Francisco Ferreira, pela Zero, não é tão pessimista, mas é cauteloso, afirmando que “um bom resultado na COP26 dependerá da capacidade de os países alcançarem um acordo que garanta resultados em três eixos: maior ambição, mais financiamento climático, mais justiça”.
Com as metas de redução de gases com efeito de estufa definidas pelos países até ao momento haverá um aumento das emissões até 2030 em 16% e haverá um aquecimento global de mais 2,4ºC até ao final do século. Por isso, diz a Zero, é fundamental aumentar a ambição.
Na área da cooperação e financiamento, defende a Zero, é preciso assumir na COP26 novos compromissos para aumentar os níveis de financiamento, garantindo um montante global coletivo de pelo menos 600 mil milhões de dólares para o período 2020-2025. Para adaptação e para mitigação.
E também criar compensações pelas perdas e danos. Francisco Ferreira explica porquê: Os impactos das alterações climáticas são já uma realidade e são os países e populações mais pobres e vulneráveis que mais sofrem as suas consequências, nomeadamente furacões, inundações, fogos, secas ou mesmo a elevação do nível médio do mar e consequente erosão da linha costeira.
Estima-se, diz, que as perdas e danos causados pelas alterações climáticas até 2030 tenham um custo económico entre 290 e 580 mil milhões de dólares, só nos países em desenvolvimento. A COP26 tem o desafio de estabelecer um mecanismo para compensar esses prejuízos.
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