“Acordei a meio da noite, em fevereiro de 2018, desci, escrevi num pedaço de papel a equação do antropoceno. Parece maluco, mas foi isso”, conta, em entrevista à Lusa.
Na comunidade científica, o entendimento geral é o de que o planeta entrou, na década de 1950, no antropoceno, uma nova era geológica influenciada pela atividade humana, saindo do holoceno, “uma época muito especial, em que o clima estava muito estabilizado”, descreve o cientista.
“O que a atividade humana fez foi tirar o sistema terrestre desse estado de equilíbrio e está a empurrá-lo para uma nova fase, que chamamos de Terra Quente, no estado onde a temperatura média é muitíssimo maior”, explicou.
A equação, que desenvolveu com Miguel Barbosa e que foi publicada em 2019, permite “demonstrar que quaisquer que sejam as condições iniciais do holoceno, dada a tendência da atividade humana como ela existe, está-se a empurrar necessariamente o sistema terrestre para um novo estado em que a temperatura média é muito mais alta. Quão mais alta? Depende da atividade humana. Agora tem de se quantificar a atividade humana. Isso não é nada fácil”.
Mas também não é impossível: “eu só meço a atividade humana pelo seu impacto nos parâmetros do meio ambiente. O clima é um deles”.
Para esse retrato entram “a variação da temperatura, a acidez do oceano, o azoto da estratosfera”, por exemplo, mas também alterações no azoto ou fósforo, “que têm a ver com a atividade biológica, com atividade vulcânica e tectónica”.
Apesar de ser uma descoberta antiga, continua a trazer novos dados para a compreensão do impacto da atividade humana no sistema terrestre, como o seu estudo mais recente, de abril, que prova que “o sistema terrestre pode, devido ao impacto das atividades humanas, comportar-se de forma caótica”.
Bertolami realça que “a física que rege o clima e que permite fazer previsões, em particular previsões das alterações climáticas, já existe há muito tempo” e que, nesta matéria, “nunca houve dissensão entre os cientistas”, mas antes “interesses económicos” que criaram essa narrativa.
“O sistema terrestre é uma coisa muito complicada. A radiação solar atravessa a atmosfera, a atmosfera absorve parte da radiação, por causa da presença de gases de efeito estufa, depois a radiação é refletida por causa das superfícies claras e volta, uma parte dela, para a atmosfera, e, quando volta, é novamente absorvida pelos gases de efeito estufa e uma parte sai para o espaço”, explica.
Todo este processo “tende a aumentar a temperatura do planeta” e “isso é bem-vindo, porque, se não fossem os gases de efeito de estufa, a temperatura média da Terra seria -10 graus, não seria 15 graus Celsius”.
“A variabilidade então surge quando percebo eu mesmo esses parâmetros que estão a variar a todo o tempo, se introduzir um efeito que está sempre na mesma direção continuamente, essa variação vai acontecer, mas com parâmetros diferentes. Com o aumento da concentração de gases de efeito de estufa, a temperatura vai mudar o tempo todo, mas tem uma tendência para crescer. A isso chamamos alterações climáticas”, detalha.
De forma simplificada, “é uma variação do padrão, numa escala de tempo muito grande”.
“A maior parte destes sistemas tem uma temperatura de resiliência da ordem de dois, três graus. Se a temperatura subir três graus, praticamente não temos nenhuma proteção. Quando chegar aí, acabou, o planeta continua, mas não há como sustentar a humanidade nestes termos”.
Por mais que essa ideia seja geralmente aceite na comunidade científica, a sua quantificação é agora mais fácil com a equação de Bertolami, que permite perceber “qual é a ordem de grandeza desse efeito”.
Apesar de ter chegado à fórmula, ainda há trabalho por fazer: “Já tenho a equação do antropoceno. A questão é quais os parâmetros que ponho. O que conseguimos demonstrar, com o Miguel Barbosa, agora na Alemanha, é que os parâmetros falam uns com os outros. Isso é completamente novo”.
“São nove parâmetros conversando com nove parâmetros – são 81 números. Nós estimámos um. Temos que, agora, saber como é que eles falam entre si, é complicado”, prossegue.
Para isso, precisa de tempo e de recursos.
“Propus à Fundação para a Ciência e a Tecnologia um estudante de doutoramento que fizesse isso para Portugal. Zero euros. Nem uma bolsa conseguimos”, lamenta.
Orfeu Bertolami é natural de São Paulo, no Brasil.
Doutorado pela Universidade de Oxford, trabalhou no Institut fuer Theoretische Physik em Heidelberg, na Alemanha, no Instituto de Física e Matemática, em Lisboa, na Divisão Teórica do CERN, no Istituto Nazionale di Física Nucleare, em Turim, no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico e na Universidade de Nova Iorque.
É atualmente professor catedrático no Departamento de Física e Astronomia da Universidade do Porto.
Como físico teórico, trabalha questões de cosmologia, física das astropartículas, gravitação clássica e quântica e física fundamental no espaço e ciência do sistema terrestre.
Tem trabalhado as alterações climáticas, do ponto de vista físico, mas também, em colaboração com a socióloga Cármen Diego Gonçalves, a relação entre as alterações climáticas e a pandemia.
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