Nouriel Roubini é um dos analistas económicos mais influentes do mundo, apelidado de “Dr. Catástrofe”, até que as suas previsões acerca da crise imobiliária de 2008 e a Grande Crise Financeira se tornaram uma realidade. Em Mega-Ameaças (edição Planeta), o autor, professor emérito de economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque e fundador e presidente da Roubini Macro Associates, apresenta uma análise lúcida e realista da situação atual que vivemos.
Roubini traça dez ameaças que, entre si, estão ligadas, se sobrepõem, reforçam e potenciam. Ameaças tão sérias que o autor as vê como superlativas, da pior crise da dívida que o mundo já viu, à inflação, ao crescimento do populismo, à ascensão de uma nova competição de superpotências entre a China e os EUA, à normalização das pandemias, à crise climática, ao impacto da inteligência artificial nos nossos empregos, ao colapso demográfico e à desglobalização da economia.
Ao longo das perto de 400 páginas da presente obra o autor lança a debate questões como: “Deve um país entrar em guerra? Deve um governo resgatar uma indústria? Devem os decisores de política impor um imposto sobre o carbono elevado para diminuir as alterações climáticas globais? A propósito destas perguntas esclarece Roubini no prólogo ao livro: “Para decisões como estas, os cidadãos individuais têm muito pouca capacidade de intervenção, mas graves consequências podem afetar todos nós”.
“Os riscos e as ameaças escondem-se à espreita em toda a parte, mas alguns são lentos e alguns muito mais perigosos do que outros. Alguns dos mais perigosos são dos mais morosos”, esclarece Nouriel Roubini que, na presente obra, pretende “chamar a atenção para as maiores ameaças que enfrentamos no planeta, quer sejam morosas ou não”. Isto num mundo em que, de acordo com o autor, “enfrentamos uma mudança de regime de um período de relativa estabilidade para uma era de grave instabilidade, conflito e caos (…) atualmente, vacilamos à beira do precipício, o chão foge-nos de debaixo dos pés”. Ameaças para as duas próximas décadas que o investigador vê com evidência a sua manifestação “já em 2022”.
“Eu preferia parecer otimista quanto às nossas perspetivas futuras (…) desejaria prever isso, mas não posso. As mega-ameaças que enfrentamos reformularão o nosso mundo”, sublinha Nouriel Roubini.
Entre as mega-ameaças que o investigador, docente e conselheiro identifica estão as alterações climáticas e o seu agravamento. Roubini detalha causas, efeitos e futuros para esta questão no capítulo X do seu livro; capítulo que intitulou Um Planeta Inabitável? e do qual publicamos um excerto.
Um Planeta Inabitável?
A não ser que viva em terras altas em latitudes frescas com muita água potável e terras aráveis ricas, prepare-se para partir. Se a providência o colocou no sítio certo, espere muita companhia nova de pessoas deslocadas pelo aquecimento global; companhia humana e microbiana.
O debate sobre as causas das alterações climáticas faz perder tempo precioso. “É inquestionável que a influência humana aqueceu a atmosfera, os mares e a terra. Ocorreram alterações generalizadas na atmosfera, no mar, na criosfera e na biosfera”, reportou o Painel Intergovernamental sobre Alterações climáticas em agosto de 2021. “O aquecimento global de 1,5 °C e 2 °C será ultrapassado durante o século XXI a menos que ocorra uma grande redução das emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa (GEE) nas próximas décadas”. Menos de um ano mais tarde, na primavera de 2022, uma nova investigação científica sugeriu que o mundo corria um maior risco de experienciar um aquecimento global de 1,5 °C nos próximos cinco anos.
Podemos ignorar os boletins ou então fazer alguma coisa. Até ao momento, o histórico tem sido lamentável. Num relatório de 1965, cientistas alertaram o presidente Lyndon Johnson para a acumulação de carbono na atmosfera. Desde então, temos sobretudo hesitado. Entretanto, os perigos não param de aumentar.
A procura de soluções envolve cada vez mais economistas e cientistas do clima. Além de se conceberem medidas para que a vida seja sustentável na Terra, alguém tem de dizer como as iremos pagar. Ninguém exemplifica mais esta convergência do que William Nordhaus, economista laureado com o prémio Nobel e meu antigo colega na Universidade de Yale. Nordhaus aceitou o galardão em 2018 por uma palestra subordinada ao tema “Alterações climáticas: O Derradeiro Desafio da Economia”. O autor é prudente, até mesmo cético, em relação às nossas expectativas. “A mudança tecnológica retirou os humanos dos padrões de vida da Idade da Pedra”, disse Nordhaus ao seu público. “A mudança do clima ameaça, nos cenários mais extremos, deixar-nos no ponto de partida em termos económicos”. Nordhaus afirma que o aquecimento global é “a mais significativa de todas as exterioridades ambientais”, expressão que descreve custos não suportados por quem os impõe. “Ameaça o nosso planeta e ensombra o nosso futuro como um colosso. É especialmente pernicioso porque envolve tantas atividades do quotidiano, afeta todo o planeta, fá-lo durante décadas e até séculos, e, acima de tudo, porque nenhuma ação unilateral poderá ter qualquer efeito na diminuição das alterações”. Na sua alarmante obra Choque Climático: As Consequências Económicas de Um Planeta Mais Quente, os autores Gernot Wagner e Martin Weitzman vaticinam “o potencial de alterações que mudarão o planeta conforme o conhecemos”. Os autores enquadram o desafio corretamente: “Em primeiro lugar, a mudança climática é um problema de gestão de riscos, um problema de gestão de riscos catastróficos à escala planetária”.
Esta catástrofe não deve apanhar ninguém desprevenido. Os relatos sobre a mudança climática enchem livros, documentários, podcasts, jornais, revistas, filmes e talk shows televisivos. Então, porquê tão pouca ação? Tantos filmes de ficção científica retratam ameaças alienígenas que apagam as diferenças entre pessoas que se unem na defesa da humanidade.
As alterações climáticas deveriam gerar a mesma resposta global, mas até agora, isso não aconteceu. Este triste facto deita por terra a minha anterior convicção em respostas partilhadas a ameaças à existência. Eu era demasiado otimista. Esta mega-ameaça tem um custo paralisante.
Tantos filmes de ficção científica retratam ameaças alienígenas que apagam as diferenças entre pessoas que se unem na defesa da humanidade.
“Os cálculos são assustadores”, escreve a autora Elizabeth Kolbert em Sob um Céu Branco: A Natureza do Futuro. O seu livro anterior sobre as alterações climáticas, A Sexta Extinção, valeu-lhe um bem merecido prémio Pulitzer. Manter as temperaturas médias dentro de limites representa uma maciça deslocação, alerta ela. “Para começar, isso implicaria renovar sistemas agrícolas, transformar o fabrico, mandar para a sucata os veículos a gasolina e a gasóleo e substituir a maioria das centrais elétricas do mundo”.
A International Energy Agency diz que o carvão é a maior fonte de emissões de carbono a nível mundial. A redução da utilização em 2020 pareceu um desenvolvimento promissor. “Porém, 2021 destruiu essas esperanças”, reportou a Agency. Pelo contrário, a procura por carvão retomou um caminho rumo a um novo máximo histórico.
No programa espacial, o fracasso noutro planeta não é uma opção. Infelizmente, esse mantra não se estende às alterações climáticas na superfície da Terra. Parece que queremos fracassar. “Tal como quando ouvimos o despertador a tocar pela manhã”, disse à BBC George Marshall, fundador da Climate Outreach, “e carregamos no botão para suspender”.
Há pelo menos alguns ténues sinais de esperança. Um relatório publicado em outubro de 2021 pelos UN High-Level Climate Champions, pelo Climate Action Tracker, pela ClimateWorks Foundation, pelo Bezos Earth Fund e pelo World Resources Institute salientou significativos progressos na frente ambiental. A eletricidade gerada por fontes eólicas e solares cresceu a uma taxa anual de 15 por cento ao longo dos cinco anos anteriores e são agora ambas mais rentáveis do que nunca na maioria dos sítios do que a energia do carvão. Em 2020, as vendas de veículos elétricos representaram perto de 5 por cento dos veículos ligeiros, ultrapassando por cinco anos seguidos 50 por cento da taxa de crescimento anual composta.
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