Façamos um breve exercício, tomando como referência as famílias portuguesas, pouco mais de quatro milhões (dados Pordata, 2016). Peguemos num bem de consumo comum, a laranja. No caso vertente, uma laranja que se estragou em casa. Tracemos uma escala temporal curta, uma semana.
Considerando que cada laranja pesa em média 80 gramas, em sete dias, acabarão no lixo 323 toneladas de laranjas. Por ano, 16 800 toneladas. O número é expressivo e é com ele que Iva Pires, docente e investigadora integrada no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, da Universidade Nova, em Lisboa, abre o livro que entregou aos escaparates, “Desperdício Alimentar” (edição Fundação Francisco Manuel dos Santos).
A também professora universitária lança, no mesmo tomo, um convite, para extrapolarmos o exemplo da laranja para as peras. Podemos incluir pão, arroz, refeições completas e já preparadas, o que queiramos. Podemos, ainda, sair do âmbito familiar, aquele onde mais se desperdiça ao longo de toda a cadeia, e pensar em desaproveitamento nas cantinas escolares, na restauração. Ainda é pouco, vamos incluir todo o desperdício anual à escala global, juntando-lhe as perdas nos campos, na distribuição e na produção, em suma “do campo ao garfo”.
Um relatório da Agência das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) dá-nos uma ideia aproximada do problema: Por ano, 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos aptos ao consumo perdem-se ou desperdiçam-se. Um terço de todos os alimentos produzidos. Isto num contexto onde um sexto da população mundial passa fome.
É partindo destes números pesados que conversamos com Iva Pires, percebendo como chegamos a uma sociedade onde as cadeias alimentares nos parecem irracionais. Uma pera produzida na China é-nos apresentada mais barata do que a congénere da região Oeste portuguesa; ou um salmão é mais viajado do que nós. Depois de capturado, ou criado, nos mares da Europa, viaja para a Ásia, onde é processado, retornando ao Velho Continente. Um mundo onde questões de ordem estética por parte dos consumidores, da legislação e das cadeias de distribuição, permitem que, só nos Estados Unidos, 10 milhões de toneladas de alimentos fiquem todos os anos nos campos por colher ou em armazéns das quintas.
Um problema que é de todos. Dos países desenvolvidos onde a sobreprodução empurra para o lixo milhares de toneladas de alimentos; dos países em desenvolvimento onde as perdas por incipientes redes viárias ou de conservação dos alimentos encaminham para o lixo “de 40 a 60% dos frutos e legumes produzidos”, como sublinha a investigadora.
Perdas e desperdício globais que têm um custo objetivo, económico, ambiental e social. De acordo com a FAO, num relatório de 2014, citado por Iva Pires no seu livro, “apontam para um custo total anual de 2,24 biliões de euros, sensivelmente o equivalente ao produto interno bruto de França”.
Um problema global que pode ser mitigado em várias frentes, o que inclui o combate ao desperdício alimentar nas agendas mundiais e onde se inclui a “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, definida pelas Nações Unidas e que elenca 17 objetivos “para transformar o Mundo em nome dos povos e do planeta”, como se pode ler no documento.
Uma batalha de grande escala que também inclui campanhas de consciencialização nas cidades, onde habita mais de metade da população mundial; na implementação da “Economia circular”, reciclando e recuperando, como alternativa à “Economia Linear” que extrai os recursos da natureza, os utiliza uma única vez para os deitar fora.
Encontramos um movimento mundial de respigadores, recuperando ainda nos campos as frutas e vegetais desmerecidos pela estética.
Na fase de produção, procura-se uma redefinição da dimensão das embalagens, adaptando-as a famílias menos numerosas (em Portugal, a dimensão média das famílias passou de 3,3 indíviduos em 1983 para 2,5 em 2016 – Pordata). Ou a recuperação de resíduos alimentares para a produção energética. No fundo, dar uma nova oportunidade aos alimentos antes de os deitar fora.
Em suma, operar contra a inação. “Na União Europeia, estima-se que, se nada for feito, o desperdício alimentar possa ter um crescimento de 40%, atingindo 126 milhões de toneladas até 2020”, conta-nos Iva Pires.
Há, contudo, que encontrar para o problema uma definição agregadora. Não há consenso quanto à definição do que é desperdício alimentar. Logo, como quantificá-lo? E, sendo assim, como lutar contra o problema à escala global? Duas questões que deixamos à nossa interlocutora nesta conversa.
Gostaríamos de iniciar esta nossa conversa com um exemplo prático e que nos é próximo. Perceber quanto desperdiça por ano uma família portuguesa e como a redução desse número poderia contribuir favoravelmente para a economia doméstica dessa mesma família?
Não existem estatísticas sobre o desperdício alimentar, o que temos são estimativas. São utilizadas diferentes metodologias, logo podem chegar a resultados diversos. Agora, o que é transversal a todos os estudos é a evidência do elevado volume de desperdício. Em Portugal o estudo PERDA aponta para 100 quilos de alimentos para o lixo, por ano e por pessoa. No contexto dos outros países da Europa e dos Estados Unidos, são as famílias as grandes responsáveis pelo desperdício alimentar, entre 30 a 40%.
No fundo são as próprias famílias que estão a pagar este desperdício do seu orçamento familiar. Pequenas alterações de comportamento e atitudes, não só podem reduzir o desperdício, assim como o impacto ambiental decorrente da produção dos bens, mas também poupando dinheiro. Um estudo norte-americano aponta que uma família média, de quatro pessoas, pode estar a deitar no lixo, por ano, entre 1300 a 2300 dólares em alimentos que comprou e não consumiu. Para Portugal não temos valores, mas não andará longe.
Alargando a abordagem. Há números que nos tracem a dimensão do problema do desperdício alimentar à escala global?
Sim. O relatório da FAO de 2011 foi muito importante porque voltou a despoletar este tema do desperdício alimentar. À escala global, estamos a deitar fora um terço de todos os alimentos produzidos. Ou seja, não são consumidos e acabam no lixo 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos adequados ao consumo humano.
Não existem estatísticas sobre o desperdício alimentar, o que temos são estimativas. São utilizadas diferentes metodologias, logo podem chegar a resultados diversos.
Quando refere que o relatório da FAO voltou a despertar para esta questão, dá-nos a entender que o desperdício alimentar não é um tema recente, antes despertámos de novo para uma realidade antiga.
Na verdade, é um tema relativamente recente. No passado os alimentos produzidos eram usados de uma forma mais eficiente. No entanto, uma primeira reunião mundial, em Roma, sobre alimentação, na década de 1970, já alertava para a necessidade de reduzir o desperdício alimentar. Entretanto deu-se o boom económico após a Segunda Guerra Mundial, a produção de quantidade enormes de alimentos, o sistema agrícola evoluiu muito em termos de eficiência, o que permitiu fornecer às famílias nas economias mais desenvolvidas, muitos alimentos passaram a chegar ao consumidor a custo reduzido. As famílias deixaram de ter consideração sobre o que gastam em alimentos. Controlam mais o que gastam na compra dos medicamentos, porque os percecionam como um produto caro. Já os alimentos, consideram não pesar tanto no orçamento familiar.
Contudo, é diferente falarmos de perdas de alimentos face ao desperdício alimentar. Gostaria que enquadrasse.
Para sermos corretos deveríamos falar nas duas questões. Por uma questão de comodidade falamos só no desperdício. Perdas são as que acontecem no início da cadeia, na pós-produção, por exemplo colheitas que se perdem depois de uma intempérie, ou o peixe capturado e que é devolvido ao mar por não ter valor comercial.
Já o desperdício alimentar refere-se ao final da cadeia, à distribuição, à restauração e às famílias. As razões são distintas. Quando falamos de perdas, muitas vezes é difícil evitar essas situações. Por exemplo, estas podem ocorrer por força da baixa do preço do produto o que inviabiliza a colheita de vegetais. No que toca ao desperdício alimentar, as razões prendem-se às nossas escolhas enquanto consumidores e, em grande parte, poderia ser evitado. Aí devemos atuar.
A não existência de uma definição clara e consensual para o tema tem sido um entrave ao combate do desperdício alimentar?
Verdadeiramente, não existe ainda um consenso, a União Europeia, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), as Nações Unidas, a academia, continuam a trabalhar no assunto. Por exemplo, devemos, ou não, incluir as cascas da batata na lista de bens considerados no desperdício alimentar. Antigamente eram usadas, hoje não o são, por terem produtos químicos. Podem existir razões culturais que justificam o desperdício. Agora, o importante é percebermos que não podemos ficar parados enquanto não chegamos a uma definição consensual. Até porque, é comum a todos os relatórios o facto de existir um elevado volume de perdas e desperdício alimentar.
É claro que enquanto não chegarmos a uma definição, também não temos uma metodologia que nos permita quantificar e comparar o desperdício entre diferentes países. Acresce que não conseguindo quantificar, também não podemos comparar no futuro se estaremos melhor ou pior. Por isso advogo mais investigação para chegarmos à definição.
O desperdício alimentar é um tema exclusivamente dos países desenvolvidos?
Não. Na verdade, se usarmos a distinção entre perdas e desperdício alimentar, o que os dados nos mostram é que nos países menos desenvolvidos, há um volume elevado de perdas no início da cadeia. Se for ao fim do dia a um mercado de uma capital africana, ou mesmo asiática ou na América do Sul vai encontrar toneladas de alimentos no lixo. Isso acontece porque não há redes de frio adequadas para conservar os alimentos. Muitas vezes, o pequeno agricultor vai a pé de sua casa para o mercado e tem uma janela temporal muito curta para vender os bens alimentares em bom estado. Se não os vende nesse dia, não os levará de regresso à aldeia. Os próprios mercados não têm condições para armazenar. Volumes elevados, de 40 a 60% dos frutos e legumes produzidos perdem-se no início da cadeia por inexistência de redes viárias, de frio e formas de armazenamento adequadas. Quando chegam à família, os produtos são usados de forma mais eficiente. Significa que para a estimativa de 1,3 mil milhões de toneladas que referi, contribuem as perdas em economias mais frágeis e desperdício nas mais evoluídas.
Neste momento, a fome, a subnutrição, a insegurança alimentar, afetam mais de 800 milhões de seres humanos. Não vamos encontrar explicação para estes problemas nas razões técnicas, nem na escassez de produção.
É demagogia afirmar que as perdas e desperdício de alimentos poderiam suprir a fome no planeta?
Não é demagogia. Neste momento, a fome, a subnutrição, a insegurança alimentar, afetam mais de 800 milhões de seres humanos. Não vamos encontrar explicação para estes problemas nas razões técnicas, nem na escassez de produção. Produzem-se alimentos mais do que suficientes para nutrir todos os seres humanos no planeta. A redução do desperdício podia ser parte da solução. Por exemplo, se reduzíssemos para metade o desperdício alimentar, poderíamos canalizar esses alimentos para seres humanos nas condições que referi.
Como bem diz no seu livro, na redução do desperdício alimentar não haveria perdedores, só ganhadores. Face a esta evidência como continuamos com estes números alarmantes?
Sim, é verdade. Digo isso no livro porque a redução das perdas e desperdício é uma situação win-win, em que todos ganham. Ganha o ambiente porque, no fundo, a produção agrícola é uma das atividades com maior impacto ambiental, dada a perda de biodiversidade, a quantidade de agrotóxicos utilizada, erosão dos solos, o impacto da produção de alimentos nas alterações climáticas. Há que discutir e repensar o sistema alimentar atual, a forma como estamos a produzir, a distribuir e consumir os alimentos. E estamos a esquecer o papel importante do desperdício alimentar. Se formos mais eficientes na utilização dos alimentos que estamos a produzir e que já deixaram a sua pegada ambiental, estamos a minorar impactos.
É uma problemática complexa, onde também operam questões éticas e económicas, porque estamos a pagar por alimentos que deitamos fora.
Há alimentos mais viajados do que nós. Um exemplo é aquele que nos dá no seu livro com a viagem do salmão, da Europa para a China e de novo para o nosso continente. Para quem está de fora a cadeia de distribuição parece irracional. Qual é a lógica subjacente?
Na verdade, não existe uma lógica do ponto de vista ambiental. O que podemos, de facto, dizer hoje é que os produtos que consumimos são mais viajados do que nós próprios. Isto acontece porque o sistema alimentar tornou-se muito complexo e organiza-se à escala global. Há países que produzem uma grande quantidade de um determinado alimento. Mas há a irracionalidade no facto de importarmos pera da África do Sul quando a temos tão próxima, a nossa Pera Roxa, do Oeste.
As longas cadeias de valor que, penso, só beneficiam os grandes importadores e distribuidores. Não beneficiam os produtores locais, pois os preços são baixos na origem, nem beneficiam o consumidor que paga mais por isso e consumindo produtos que não terão mais qualidade. São apanhados verdes, amadurecidos artificialmente. O ambiente também não beneficia, há uma pegada de carbono muito pesada.
Não nos podemos esquecer que este mundo é globalizado. Produzir local e consumir local é uma meta. Mas como atingir esse objetivo sem prejudicar economias frágeis que vivem da exportação?
Na verdade, não existem soluções simples. Vivemos numa sociedade complexa. Quando escrevi o livro ponderei essa questão. A União Europeia produz açúcar a partir da beterraba e outros alimentos em estufas, com elevados custos ambientais. Seria mais lógico importar esse açúcar de países produtores. Em alguns casos pode ser mais sustentável importar alimentos que são produzidos no seu contexto ambiental, mesmo incorrendo na pegada carbónica. Há que ter em conta que muitos países do hemisfério sul, contam com economias que se sustentam na exportação de produtos para o hemisfério norte.
Há a irracionalidade no facto de importarmos pera da África do Sul quando a temos tão próxima, a nossa Pera Roxa, do Oeste.
Há números que também nos chocam, nos EUA estima-se que 10 milhões de toneladas de alimentos fiquem nos campos ou nas quintas por estéticas, a chamada “fruta feia”. Vivemos numa ditadura da estética?
Sim. Acabou por surgir como um efeito perverso da legislação da União Europeia e Estados Unidos, que impõe normas sobre a cor, calibre, forma para algumas frutas e legumes. A ideia quando surgiu era para proteger o consumidor final face à concorrência desleal. Ou seja, não estou a pagar mais por uma maçã com um determinado calibre face à congénere mais pequena. Acabou por, no fundo, levar as famílias a associarem essas características da cor, do calibre, da dimensão, à qualidade. Isto trouxe-nos a uma ditadura da estética. Na União Europeia, estima-se que entre 25 a 30% do desperdício de frutas e legumes se prende a essa ditadura da estética. O consumidor não quer, por exemplo, uma cenoura torta e acaba por deixá-la no hipermercado. Logo, as cadeias de distribuição fazem uma triagem muito rigorosa na origem.
São perdas relacionada com a nossa atitude como consumidores. Felizmente estão a ser dados passos importantes para contrariar essa situação. Em Portugal temos, por exemplo, a Cooperativa Fruta Feia que resgata essa fruta e a vende, em cabazes, a preços mais baixos às famílias. Nos Estados Unidos, uma artista chamada Sarah Phillips, organizou um movimento, também estético, “Os Produtos Feios São Bonitos” e veicula fotografias de produtos feios, incentivando os consumidores a comprá-los. As próprias cadeias de distribuição já têm áreas onde é possível encontrar a “fruta feita” a preços mais acessíveis, ou canalizam-na, assim como vegetais, para sopas.
As pessoas têm de perceber que não existe uma relação direta entre o aspeto e a qualidade. Uma vez mais com benefício próprio para os orçamentos familiares. Ganham estas, o ambiente e os produtores.
Há por outro lado um movimento global de respigadores, certo?
Sim. Nos Estados Unidos há uma instituição, considerada a maior respigadora do mundo que usa voluntários. Quando um produtor assinala que não vai apanhar os produtos no campo porque o preço baixou, envia a informação para a associação. Os voluntários vão apanhar e entregam a família e instituições. Outro interessante exemplo é a Falling Fruit que cartografa as árvores onde se pode apanhar fruta. Isto no mundo inteiro. É um convite a refeições grátis. Gostaria, ainda, de recordar o filme “Os Respigadores e a Respigadora”, de Agnès Varda, que nos recorda as pessoas que, nos campos, colhiam as espigas após a colheita.
É muito importante o filme de Agnès para nos alertar para essa situação. No tempo dos nossos pais e avós pouco se perdia nos campos. Mesmo depois da venda nos mercados, as famílias voltavam ao local de produção para fazer a respiga.
Em seu entender a rotulagem também contribui para o desperdício alimentar?
Sim, os estudos na União Europeia [Eurobarómetro] apontam que nos 28 países membros, só cerca de 47% dos consumidores sabe identificar de forma correta a rotulagem. Quando têm dúvidas sobre o prazo de validade, deitam fora na primeira data. Não identificam a diferença entre a “consumir até...” e o “consumir de preferência antes de …”. Torna-se complexo para o consumidor saber como agir. Isso, claro, contribui para um elevado volume de desperdício alimentar na União Europeia. Esta, está a pensar numa forma mais simples de rotular.
Os estudos na União Europeia [Eurobarómetro] apontam que nos 28 países membros, só cerca de 47% dos consumidores sabe identificar de forma correta a rotulagem.
E as embalagens, deveria ser repensado o seu tamanho?
Sim, ou ir ainda mais longe, uma vez que falamos da necessidade de reduzir o plástico, deveríamos repensar a forma como vendemos os produtos. Por exemplo, a venda a granel. No passado tudo era assim vendido. Atualmente existem lojas de venda a granel por toda a Europa. Locais onde compro apenas aquilo que eu quero e nas quantidades que quero.
No que respeita às embalagens, as cadeias de distribuição não seguiram a redução do tamanho médio das famílias. Há muitas pessoas que vivem sozinhas por diversas razões e que se queixam de não encontrarem, nos supermercados, embalagens dimensionadas para o seu contexto doméstico.
A indústria alimentar é responsável por mais de 50% das embalagens utilizadas à escala global e, muitas vezes, com uma única utilização.
Desperdiçamos menos em períodos de crise económica?
Sim. Em Portugal não temos, infelizmente, forma de quantificar esse facto, quando fizemos o estudo do PERDA e entrevistámos as famílias, foi em plena crise económica, e percebemos que estavam sensibilizadas para a situação dramática de outras famílias. Por exemplo, levavam as sobras para o almoço do dia seguinte, compravam menos quantidade de alimentos. No fundo, em períodos de crise, as pessoas usam de forma mais eficiente o que compram.
Contudo, parece ser uma questão de conjuntura. Quando volta o desafogo aumenta o desperdício. Há números que sustentem esta realidade?
Sim, por isso é que não podemos reduzir o desperdício apenas com legislação. Ou seja, não o podemos proibir. Onde há que investir é na mudança de comportamentos e atitudes. As pessoas podem levar tempo e resistir à mudança, mas no futuro será mais consistente a alteração de hábitos. É fundamental investir em campanhas de sensibilização junto das famílias, dos consumidores. Por exemplo Seul, capital da Coreia do Sul, está a investir em grandes campanhas junto da população. Isto numa cidade com milhões de habitantes.
Em Portugal, desperdiçamos muito nas escolas? Se sim, está a ser feito algo para contrariar esse número?
Encontrei muitos relatórios que mostram um elevado volume de desperdício, nomeadamente nas cantinas. Enquanto docente, constato isso no dia a dia. Há uma atitude displicente. Os alunos pagam um valor relativamente baixo, por vezes nem tendo noção do custo associado à refeição. Por vezes surge a resposta, “quero tudo a que tenho direito” e, no final, fica metade da comida no prato. Aqui podemos desenvolver campanhas interessantes. Por exemplo, os alunos despejarem o desperdício num recipiente para perceberem o acumulado. Ou, sublinhar a quantidade de perda e associá-la aos investimentos que se podiam fazer na escola, no ginásio, no laboratório de química, ou mesmo numa viagem. No fundo, tornar esse desperdício em algo útil para a comunidade escolar. Mais uma vez, há que saber informar.
E na restauração, há números em Portugal que nos deem uma imagem do desperdício?
No restaurante podemos ter um papel muito importante, pedindo uma caixinha no final e trazer para casas. Os alimentos que ficam na cozinha podem ser doados, os que nos chegam ao prato, vão diretamente para o lixo se não consumidos.
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