Inês Leitão, autora do livro A maternidade não é para meninos – Como sobreviver a um pós-parto (Oficina do Livro), assume-se como “uma mãe em construção”, para a partir desta afirmação contar a sua experiência e dicas de como sobreviver a um pós-parto. Este é um período maravilhoso e simultaneamente muito complexo na vida de uma mulher. A obra conta com a colaboração de Raquel Robalo Fernandes, especialista em ginecologia e obstetrícia que assina o excerto que aqui publicamos “Dicas para um pós-parto onde se respira melhor”
Lemos na apresentação que nos é feita ao livro que, “na maior parte dos casos, ultrapassamos esse período sem memória de como era a nossa vida antes de trazermos ao mundo o ser minúsculo e mágico que ocupou a nossa barriga durante nove meses para nos ocupar o coração para sempre. No entanto, o pós-parto pode tornar-se um buraco negro para o qual somos puxadas logo depois do nascimento do bebé ou uma espécie de casulo onde nos refugiamos até ao dia em que a luz finalmente irrompe e a normalidade regressa”.
Inês Leitão nasceu em 1981. É licenciada em Estudos Anglo-Americanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pós-graduada em Assessoria Empresarial pelo ISLA. Tem vários livros publicados, entre os quais Pitopeca em África: a história de uma missão em Maputo.
Dicas para um pós-parto onde se respira melhor
Falar de pós-parto é falar de um momento de imensa vulnerabilidade na vida da mulher que acabou de parir e que agora é mãe. Reconhecer essa vulnerabilidade é um ótimo ponto de partida para falarmos de formas de viver este momento com mais apoio e, por isso, para a mulher que o experiencia, com mais confiança, conforto, segurança e bem-estar.
Não há partos iguais, tal como como não há mulheres (e casais, já que cada vez mais o pai vive o seu papel intensamente com grande participação) a viver o momento do nascimento do seu filho de forma igual. Cada parto é um parto, cada mulher é uma mulher, cada casal tem a sua história. E hoje as mulheres podem escolher o tipo de parto que querem viver: há mulheres que pretendem partos naturais, outras que optam por partos intervencionados e qualquer das hipóteses deve ser respeitada e realizada, se não existirem condicionantes.
Espero – e sinto – que as minhas grávidas ganhem, desde a primeira consulta, uma confiança que gosto, e pretendo sempre estabelecer até ao seu pós-parto, apesar de reconhecer que esse é quase sempre o momento de menor apoio médico em todo este processo. O apoio que um médico dá à sua grávida na gestação e no momento do parto não é o mesmo que damos no pós-parto, infelizmente. Deixamos esta fase da nova vida desta mulher para atos de enfermagem e enfermeiros que podem fazer, inclusivamente, um acompanhamento domiciliar à mulher e a esta nova família com estes novos papéis que agora cada um representa. Este acompanhamento é essencial, sobretudo, por exemplo, na amamentação, já que a “subida” do leite na sua grande maioria acontece em casa.
E é em casa que, de facto, a vida destas mulheres começa a mudar profundamente em novas dinâmicas de extrema exigência e de grande intensidade, sobretudo quando são vivenciadas sozinhas – nem sempre a mulher está preparada para o que aí vem. E o pós-parto pode ser vivido de uma forma menos avassaladora para a mulher que agora é mãe? Pode. E vamos ver como.
Como é que um pós-parto se pode tornar um ciclone?
O que acontece muito genericamente no pós-parto é que há uma descida abrupta das hormonas que circularam no corpo das mulheres durante toda a gravidez. Essa descida – verdadeiramente abrupta – leva a que a grande maioria das puérperas possam sentir babyblues. Este condicionamento hormonal pode levar a grande labilidade emocional, respostas exageradas a estímulos e ao aparecimento de sentimentos negativos como a sensação de incapacidade de tomar conta do seu bebé; de pensamentos de insegurança aliados ainda à privação de sono que pode acontecer; à enorme exigência do bebé no seu início de vida; à confrontação desta mulher com o aspeto do seu corpo que sofreu alterações durante a gravidez (a fisionomia da mulher foi profundamente alterada e não regressa imediatamente à normalidade anterior à gestação) – tudo isto cria muitas vezes um cocktail explosivo para pós-partos que podem ser autênticos filmes de terror. Mas quando há uma rede de apoio, comunicação entre o casal e do casal com a sua rede, apoio na amamentação e no cuidado com o bebé, ajuda na gestão da casa, este filme de terror pode bem ser transformado numa boa comédia romântica recordada pela família para sempre, com memórias seguras e ternas do nascimento do seu bebé.
1. Arranjem a vossa rede de apoios como se traçassem um plano de combate
O pós-parto pode e deve ser preparado antecipadamente. Planeamento pode ser fundamental aqui. Eu costumo brincar e perguntar às minhas grávidas “onde está a mãezinha?”, porque neste momento importa encontrar um elemento feminino que ajude esta mãe e este casal. Pode ser uma mãe, uma sogra, uma amiga, uma vizinha. Tem é de ser um elemento feminino porque só este elemento feminino vai compreender a dureza do que está a acontecer com esta mulher e pode ajudar do ponto de vista pragmático. Não é só o bebé que chora ou a mãe que tem dores. Para além de tudo o que está a acontecer a esta mulher agora na sua vida, o mundo em casa continua. Há uma gestão que tem de fazer. Não deixou de haver roupa para lavar, lixo para levar à rua, comida para fazer, roupa para passar. E, nesta fase, o casal também tem de estar aberto para um apoio que vem de uma terceira pessoa, com a inevitável intromissão. O casal tem de estar muito alinhado nisto porque só assim esta ajuda pode funcionar. A presença deste terceiro elemento tem de ser bem absorvida, não pode haver anticorpos porque também não é altura de uma puérpera gerir relações familiares disfuncionais ou qualquer outro tipo de questões de egos em conflito.
O ideal? O ideal será que a nossa puérpera possa encontrar um terceiro elemento que não necessite de perguntar o que é que pode fazer por ela, mas imediatamente possa adivinhar do que esta mulher precisa sem que a pergunta surja. A ajuda perfeita seria feita por bola de cristal: adivinhada e concretizada.
As mulheres em pós-parto muitas vezes não querem pedir. Adivinhar e executar as suas necessidades (fazer comida, lavar roupa, estender a roupa, ficar com o bebé para a mãe tomar banho com tempo) seria sempre o ideal.
2. Comuniquem, comuniquem, comuniquem (e sejam um Messi e um Cristiano Ronaldo a jogar na mesma equipa)
Os filhos trazem ao casal uma enorme alegria, mas são também um enorme teste de competência em equipa. Este casal tem de estar mais unido e alinhado do que o Futebol Clube do Porto na Champions League porque este desafio é sempre para ganhar. É preciso que a mãe seja um Messi e o pai encarne a rapidez de pernas de um Cristiano Ronaldo: os dois devem estar cientes disso e podem brincar com isso à vontade. Quando um bebé tem cólicas durante vários dias e várias noites, não pode ser só a mãe que se levanta para dar colo ou cuidar; o pai tem um papel aqui. Se houver uma boa relação de casal, uma boa equipa construída, este pós-parto vai ser muito melhor para a mulher e consequentemente para a família.
As mulheres têm condicionamentos sociais e culturais muito grandes: a ideia de que biologicamente fomos concebidas e estamos preparadas para aguentar tudo é falsa, injusta e verdadeiramente desgastante para a mulher. Muitas vivem o seu pós-parto sozinhas e à sua própria custa: à base da sua energia, da sua saúde mental e isso é um enorme erro ou pelo menos é algo a evitar ao máximo.
A boa notícia é que, com o tempo, vamos conhecendo melhor o nosso bebé, que também já nos conhece melhor a nós, e os dias e as noites vão sendo menos desafiantes. Mas as mulheres, não podem, nem devem estar sozinhas no seu pós-parto. Isso é tudo o que não queremos que uma mulher sinta: solidão e isolamento.
3. Façam coisas que vos permitam sentir tão maravilhosas como se na vossa sala de estar todas as noites fossem noites de entrega de Óscares de Hollywood cheias de glamour
Durante o pós-parto a mulher tem de lidar com vários tipos de sentimentos, nomeadamente a saudade e a culpa quando, por alguma razão, deixa o seu bebé com alguém. É importante combater essa culpa. Podemos marcar coisas que nos mimem e nos façam bem porque, às vezes, precisamos de sair daquele ninho e essas saídas também são necessárias à saúde mental desta mulher.
Por exemplo, se uma mulher gosta de ir ao ginásio, arranja alguém que durante duas horas fique com o seu bebé e vai. E depois volta a sentir muita saudade e culpa, mas não deixa de o fazer. A culpa vai sendo ultrapassada. Uma mulher também pode marcar um jantar com as amigas: vai e diverte-se com as suas amigas durante um determinado período combinado e depois volta novamente para o seu bebé, com saudade e energias renovadas.
Enquanto casal funcionem em equipa sempre, conversem, percebam e de alguma forma aprendam a gerir o cansaço de ambos, mas sobretudo sejam gentis um com o outro. São muitas mudanças em pouco tempo, são aprendidos novos papéis em casa e não há nada que prepare um casal para um primeiro filho a não ser a vivência. O meu desejo é que possam viver esta fase o melhor possível. E, já agora, que possam dormir também.
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