Hoje é aquele dia do ano em que somos confrontados com uma mentira ou uma partida de 1 de abril. Ninguém leva a mal, todos estamos preparados para contar uma mentira ou outra entre amigos e familiares, ou colegas de trabalho.

Mas quando a mentira se torna parte do dia a dia, da nossa vida e do modo como lidamos com os outros, aqui a conversa é outra.

Catarina Lucas, Psicóloga, esclarece algumas questões relacionadas com a mentira e como podemos detetar um mentiroso compulsivo.

Mentir é algo natural no ser humano?

Mentir implica inteligência e, na maior parte dos casos, intenção. Assim, alterar os factos para se livrar de uma situação desagradável é uma competência exclusiva do ser humano. Não podemos dizer que seja inato, mas é seguramente aprendido ao longo do desenvolvimento e da socialização. À medida que percebemos que diferentes versões do mesmo facto provocam reações diferentes e trazem mais ou menos benefícios, começamos a introduzir a mentira no nosso dia a dia.

A partir de que idade é que começamos a mentir ou a tomar consciência da mentira?

Começamos a ter consciência da mentira a partir dos quatro, cinco anos, altura em que a criança começa a perceber que há várias formas de narrar uma coisa e que, dependendo disso, poderemos ter mais vantagens ou menos consequências. Não significa que a mentira não possa ocorrer antes disso, mas por norma, é ainda pouco consciente.

Como é que os pais devem reagir quando descobrem que o filho lhes mentiu?

É importante que, numa fase inicial, os pais não discutam com a criança, pois isso levará a que futuramente as crianças escondam coisas ao invés de falar com os pais. Todavia, o comportamento também não deve passar sem que haja uma conversa sobre o assunto e se alerte a criança para o quão errado é mentir. Com o passar do tempo, é importante que esta entenda que os seus comportamentos têm sempre uma consequência, seja boa ou má. E isto é muito importante, já que muitas crianças e jovens agem como se não existisse uma consequência para os seus comportamentos.

Existem “mentiras sem maldade”? Ou seja, aquelas que dizemos porque não queremos magoar alguém?

Existem as mentiras piedosas, aquelas que dizemos para não magoar o outro ou para o poupar ao sofrimento. Viver num mundo onde toda a gente dissesse aquilo que pensava poderia ser muito doloroso e conflituoso, pelo que mentir pode ser considerado normal.

Catarina Lucas, Psicóloga
Catarina Lucas, Psicóloga Catarina Lucas, Psicóloga créditos: Centro Catarina Lucas, Psicologia e Desenvolvimento

Existem vários tipos de mentiras? 

Existe a mentira carinhosa, que serve para alegrar os outros, como a existência do Pai Natal; a mentira piedosa, por exemplo, dizer que se gosta de um corte de cabelo mesmo quando não se gosta; e a mentira maldosa, usada para prejudicar o outro ou obter favorecimentos. Diríamos que as duas primeiras, quando usadas de forma esporádica, não constituem um problema grave.

Porque mentimos?

Mentimos para nos salvaguardarmos, para protegermos a nossa imagem, para evitar consequências ou para não magoar o outro. Mentimos também por medo de represálias ou do sofrimento. Mentimos ainda para facilitar a convivência em sociedade.

Existem as mentiras piedosas, aquelas que dizemos para não magoar o outro ou para o poupar ao sofrimento. Viver num mundo onde toda a gente dissesse aquilo que pensava poderia ser muito doloroso e conflituoso, pelo que mentir pode ser considerado normal.

Quem mente mais: mulheres ou homens?

Diferentes estudos mostram resultados diferentes, pelo que, não temos uma resposta conclusiva para esta pergunta. Contudo, alguns estudos têm chegado a uma conclusão comum, a de que as mulheres mentem mais com intuito de proteger o outro ou não o magoar.

O que é um mentiroso compulsivo? 

Os mentirosos compulsivos ou mitómanos possuem consciência que estão a mentir, embora possam não ter uma compreensão total sobre o impacto da mesma. São pessoas que usam a mentira de forma recorrente, obtendo vantagens ou anulando consequências negativas. Nestes casos, consideramos tal comportamento desadequado e disfuncional, uma vez que provoca sofrimento e constrangimento nos demais.

Que consequências é que a mentira pode ter nas nossas vidas, tanto a nível pessoal como profissional?

A mentira pode ser desastrosa, e se há mentiras piedosas, há outras que são capazes de destruir qualquer vínculo de confiança existente entre as partes. Pode colocar em causa a relação que estabelecemos com o outro, seja no âmbito pessoal, seja no profissional. Além disso, pode também ser destrutiva para o próprio, já que muitas vezes a mentira tem como objetivo proteger-se de si próprio. Em níveis disfuncionais, pode causar sofrimento, constituindo-se já como um problema.

Mentimos para nos salvaguardarmos, para protegermos a nossa imagem, para evitar consequências ou para não magoar o outro.

As redes sociais e a Internet tornaram mais fácil a mentira?

O contacto não direto facilita sempre a mentira. Não encarar o outro de frente ou não o olhar nos olhos faz com que se minta com mais facilidade, já que não se é denunciado pela comunicação não verbal. Além disto, também não estamos sujeitos à nossa própria vulnerabilidade emocional, ou seja, não nos confrontamos com a reação do outro e, isso faz com que nos sintamos menos mal.

Como podemos detetar que alguém nos mente frequentemente?

Existem alguns comportamentos que podem ajudar na deteção da mentira:

- Contacto visual desadequado, podendo manifestar-se pelo desvio do olhar ou, pelo contrário, através de um contacto visual excessivo como forma de disfarçar a mentira;

- Alterações no tom de voz ou entoação;

- Dificuldade em organizar o discurso;

- Ser vago;

- Mudar de assunto;

- Gaguejar;

- Boca seca;

- Expressão facial não concordante com o discurso;

- Mãos transpiradas ou frias, estando muitas vezes escondidas.