O facto de iniciar o seu livro com o Epílogo e o terminar com o Prólogo dá-nos uma indicação do que procura com este seu trabalho. O que nos quer demonstrar?

Começo o livro com o epílogo e termino com o prólogo porque procuro demonstrar que cada um de nós, se nos propusermos a isso, pode decidir parte do que queremos ser. A raiz básica desta mentalidade de crescimento é saber que podemos continuar a avançar.

A abrir o seu livro apresenta-nos 13 perguntas. O que pretende alcançar junto do leitor com estas perguntas?

As 13 perguntas com que inicio o livro pretendem motivar o leitor a um ato de introspeção, refletindo sobre si mesmo a partir da sua perspetiva pessoal. A partir daí, tudo o mais pode emergir naturalmente, desvendando os diferentes aspetos da mentalidade de crescimento e permitindo avaliar até que ponto somos capazes de mudar.

Porque é que a palavra “inspiração” é para si tão importante?

Porque transmite a ideia de que nem tudo o que fazemos, nem tudo o que pensamos, vem da parte consciente do nosso cérebro. Fazemos muitas coisas, temos ideias das quais não temos grande consciência de onde vieram e é a isto que chamamos inspiração. Isso não significa que provenham de conhecimentos prévios, de experiências prévias, até mesmo daquelas chamadas instruções que demos ao nosso cérebro.

Quando começamos a pensar em algo, mesmo que não encontremos uma solução, o nosso cérebro continua a pensar no assunto e dá-nos uma resposta que muitas vezes interpretamos como inspiração.

Gostaria de o ouvir em relação a um tema que também traz para o seu livro. Um razoável número de investigadores sustenta que, hoje, apresentamos um QI inferior face há algumas décadas. Contudo, no seu livro contraria esta abordagem. Quer partilhá-la connosco?

Em meados da década de 1980, um estudo científico do psicólogo Robert Flynn mostrou que o QI aumentava cerca de três pontos a cada década, e interpretou isso como uma melhoria da nutrição, que favorece o desenvolvimento do cérebro, e uma melhoria dos sistemas educativos.

David Bueno Torrens é doutorado em Biologia e professor e investigador na secção de Genética Biomédica, Evolutiva e do Desenvolvimento da Universidade de Barcelona. Foi investigador, entre outras, na Universidade de Oxford (Inglaterra), no Laboratório Europeu de Biologia Molecular (Alemanha), na Universidade de Innsbruck (Áustria). Publicou 70 artigos científicos em revistas especializadas e colabora regularmente com diversos meios de comunicação social, tendo sido distinguido com prémios de comunicação científica e de neuroeducação. Pelo seu contributo para a neuroeducação e divulgação científica, já recebeu vários prémios, entre eles, o Prémio Europeu de Divulgação Científica (2010) e o Prémio Joan Lluís Vives para o melhor livro sobre ciência e tecnologia (2022).

Em meados da década de 2010 e por volta de 2015, outros investigadores replicaram este trabalho, olhando para as últimas décadas, e viram que o quociente de inteligência tinha vindo a diminuir até sete pontos a cada década nas últimas três décadas. Os investigadores interpretaram estes dados afirmando que uma pior nutrição, fast food, alimentos com muitas gorduras trans, pode prejudicar a construção do cérebro e aquilo a que chamaram a deterioração do sistema educativo.

Fiz uma observação dizendo que se o teste de inteligência que é aplicado em 2015 é o mesmo que fora aplicado em meados do século XX, mas o sistema educativo mudou. Talvez não estejamos a valorizar corretamente o que significa a inteligência no presente.

Porquê?

Porque em meados do século XX, a inteligência significava ter um certo conhecimento, e agora é claro que é preciso ter conhecimento, mas acima de tudo significa aplicá-lo a diferentes contextos. Estes testes devem ser atualizados para avaliar se a inteligência diminuiu realmente ou simplesmente mudou.

A inteligência é a capacidade que temos de aplicar o que sabemos em novas situações. Talvez estejamos a aplicar bem, mas as situações que são novas agora não são as mesmas que eram novas há cem anos.

A educação no século XXI deve focar-se acima de tudo no empoderamento dos alunos. Devem estar conscientes de que a educação está nas suas mãos.

Leva para o livro o seu contributo de como deve ser a educação neste início de século XXI. Em que pilares deve assentar esta educação de acordo com o propósito que traz para o livro?

A educação no século XXI deve focar-se acima de tudo no empoderamento dos alunos. Devem estar conscientes de que a educação está nas suas mãos, não apenas nas mãos dos seus professores e das famílias. Os alunos devem ser não só os protagonistas, mas também os realizadores das suas próprias vidas e da sua própria educação.

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Isto que referi atrás significa que há que ter muita clareza sobre o que precisa de se saber. É preciso saber as coisas, é preciso decorar as coisas, mas não as mesmas coisas de hoje como há 50 ou cem anos. Por isso, primeiro, há que saber o que é preciso saber e, segundo, acima de tudo, como se pode aplicar.

Isso abrange todos os aspetos das competências de aprendizagem, dos conhecimentos e da educação

Brincar. Esta é uma palavra que se traduz num ato que, hoje, parece estar em extinção. As nossas crianças e jovens trocam a brincadeira no mundo físico pela atividade digital. Vê isto como um perigo ao desenvolvimento saudável do nosso cérebro e ao que fazemos com ele?

Trocar a brincadeira no mundo físico pela brincadeira no mundo digital é um perigo para o desenvolvimento saudável do cérebro. Um número crescente de artigos aborda esta questão. As crianças e os adolescentes aprendem sobre si próprios e sobre o seu ambiente não só através dos seus sentidos, visão, audição, tato, olfato e paladar, mas também através dos seus próprios movimentos, do seu próprio corpo, brincando, interagindo, subindo a uma árvore. Os jogos digitais não envolvem nenhum destes aspetos.

O brincar digital é só ver e ouvir, não há outros sentidos envolvidos e o que isso faz é que o cérebro não amadurece da melhor forma e pode até, nos casos mais graves, levar a uma dissociação do cérebro do corpo, da mente do corpo, das pessoas e há cada vez mais casos relatados em consultórios médicos de jovens que não identificam o seu corpo como seu, que o veem como estranho, que não se sentem confortáveis ​​​​com a forma como são e isso pode até levar a algum tipo de transtorno nos casos mais graves.

Trocar a brincadeira no mundo físico pela brincadeira no mundo digital é um perigo para o desenvolvimento saudável do cérebro.

Existe um "pico" na vida em que o cérebro atinge o seu melhor desempenho, ou estamos constantemente a desenvolver diferentes capacidades ao longo da vida?

Desenvolvemos diferentes competências ao longo da nossa vida. Há uma quantidade infinita de aprendizagem que chega às nossas vidas ainda antes do nascimento. Começamos a adquirir conhecimento do exterior através de experiências, especialmente as experiências socioemocionais da nossa mãe, e mantemo-lo até ao fim dos nossos dias.

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A única exceção seriam algumas doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, mas, fora isso, o nosso cérebro desenvolve competências ao longo da vida. Ora, há alguns momentos em que essa capacidade é máxima. Para a aprendizagem, é máxima durante a infância e a adolescência. É quando o cérebro está mais plástico, mais maleável, que tem mais facilidade em incorporar qualquer tipo de nova aprendizagem.

E quanto à utilização, a melhor fase, ou melhor, a fase em que o cérebro tem um melhor desempenho, é na juventude e nos primeiros anos da vida adulta. Isto porque já acumulámos muitas aprendizagens e experiências da infância e da adolescência, e o cérebro ainda mantém uma grande plasticidade. Com o passar dos anos, porém, o cérebro vai perdendo essa plasticidade. É por isso que as grandes invenções, as grandes descobertas, em geral, deram-se e dão-se com pessoas que vivem os primeiros anos da vida adulta.

cérebro
cérebro créditos: Freepik

O seu livro centra-se na ideia de uma mentalidade de crescimento. Quer, de forma breve, explicar-nos o que se trata esta mentalidade?

A mentalidade de crescimento é um conceito da psicologia proposto pela psicóloga norte-americana Carol Dweck há cerca de 30 anos. Dweck trabalhava sobre o conceito de coeficiente de inteligência e percebeu que, entre os estudantes universitários que estudava, alguns acreditavam que a sua inteligência era fixa, que já vinha determinada e que, por mais que se esforçassem, não poderiam mudá-la.

Carol Dweck chamou a estas pessoas indivíduos de mentalidade fixa. Já outros acreditavam que, com trabalho, esforço, entusiasmo, otimismo e tendo propósitos na vida, qualquer característica mental, incluindo a inteligência, poderia ser desenvolvida. Esses foram chamados de mentalidade de crescimento.

Hoje, esta ideia aplica-se não apenas à inteligência, mas a qualquer aspeto da nossa vida mental, como criatividade, empatia, socialização e resiliência. Em qualquer um desses aspetos, podemos ter uma mentalidade fixa ou uma mentalidade de crescimento.

No entanto, isto não é algo binário. Existe uma escala de nuances entre estes dois extremos – podemos ser mais ou menos fixos, ter um pouco de mentalidade de crescimento ou uma mentalidade fortemente voltada para o crescimento. Além disso, podemos ter uma mentalidade fixa para certas coisas e uma mentalidade de crescimento para outras.

Ter uma mentalidade de crescimento permite-nos viver com mais otimismo, motiva-nos com mais facilidade e, o que considero fundamental, aumenta a nossa sensação subjetiva de bem-estar. Para mim, isso é essencial para viver uma vida com dignidade.

Ter uma mentalidade de crescimento permite-nos viver com mais otimismo, motiva-nos com mais facilidade e, o que considero fundamental, aumenta a nossa sensação subjetiva de bem-estar.

Gostava de o escutar um pouco mais a fundo sobre a passagem de uma mentalidade fixa para uma mentalidade de crescimento. Em que condições se dá esta passagem?

Uma das propostas mais ousadas de Carol Dweck foi sugerir que, independentemente de uma pessoa ter uma mentalidade fixa, ao lhe explicarmos que o cérebro é plástico, moldável e que está constantemente a criar conexões, ela pode perceber que, se se dedicar, pode desenvolver novas habilidades ou aperfeiçoar as que já possui.

Face a esta explicação, essa pessoa com mentalidade fixa pode passar a ter uma mentalidade de crescimento. Mas será que isto realmente acontece? Fiz um estudo sobre este tema há alguns anos e as conclusões são interessantes.

Primeiro, há pessoas com uma mentalidade extremamente fixa. Por mais que expliquemos, talvez elas nunca adotem uma mentalidade de crescimento. No entanto, podem tornar-se um pouco menos fixas, e isso, por si só, já vale a pena.

Por outro lado, se o ambiente social e familiar em que vivem também tem uma mentalidade fixa, ao retornarem a esse meio, o seu cérebro tenderá a voltar ao padrão original. Isto reforça a importância de cercar-se de amigos, colegas e um ambiente social com mentalidade de crescimento para cultivá-la constantemente.

Outro ponto relevante é que se percebeu que, se quem explica estas ideias possui uma mentalidade de crescimento genuína, essa pessoa consegue convencer e gerar mudanças no entorno. Por outro lado, se quem explica tem uma mentalidade fixa e apenas repete essas informações mecanicamente, dificilmente convencerá alguém.

Isto ocorre por causa dos chamados neurónios-espelho, que são ativados da mesma forma tanto quando realizamos uma ação, quanto quando vemos outra pessoa a realizá-la. Perceber que alguém tem uma mentalidade de crescimento ativa as nossas próprias possibilidades de continuar a crescer, tornando essa influência muito mais intensa e eficaz.

Portanto, para mudar de mentalidade, o primeiro passo é ter propósitos claros, saber para onde queremos ir e nos cercarmos de pessoas com mentalidade de crescimento para que possamos cultivá-la continuamente.

educa o teu cérebro
educa o teu cérebro créditos: Ideias de Ler

A felicidade é um estado que depende em grande parte do nosso cérebro. Existe alguma forma cientificamente comprovada de "educar" o cérebro para ser mais feliz?

Gosto de diferenciar felicidade e bem-estar. A felicidade é um estado muito intenso, quase eufórico, mas passageiro. A felicidade acaba. Não podemos ser felizes o tempo todo. Por isso, prefiro falar de bem-estar.

O bem-estar é mais sutil, mas não tem prazo de validade. Dentro do bem-estar, é claro, existem momentos de felicidade que são muito valiosos, mas não devemos educar-nos para a felicidade e sim para o bem-estar.

Trata-se daquela sensação de nos sentirmos razoavelmente confortáveis sendo quem somos, fazendo o que fazemos e estando com as pessoas com quem convivemos. Para isso, é essencial focarmo-nos em aspetos positivos de nós mesmos, das nossas ações e das nossas relações.

Isto significa desenvolver uma visão mais otimista e esperançosa de nós mesmos, do nosso trabalho e do nosso ambiente. E, como o cérebro é plástico, este vai criando conexões que facilitam, pouco a pouco, a aquisição dessa sensação de bem-estar, de estar à vontade.

Hoje, muitas pessoas procuram melhorar o seu desempenho cognitivo através de hábitos como a meditação, o exercício físico e a alimentação. Quais são as práticas mais eficazes para manter um cérebro saudável ao longo da vida?

Existem muitas maneiras de manter um cérebro saudável ao longo da vida. O exercício físico, por exemplo, é uma delas. Um exercício moderado com mais de 20 minutos de duração ativa a plasticidade neuronal, que é essencial para incorporarmos novos aprendizagens e experiências.

A alimentação também desempenha um papel fundamental. A melhor recomendação para um cérebro saudável é uma dieta equilibrada, desde que não haja problemas metabólicos específicos, caso em que é essencial seguir as orientações médicas. Mas, em geral, uma alimentação variada, sem excessos, é o ideal.

Práticas como meditação, ioga e tai chi ajudam a relaxar o cérebro e também estimulam a plasticidade neuronal. São especialmente úteis quando vivemos sob altos níveis de stresse.

Se o stresse for apenas ocasional, algo pontual que vai e vem, não há necessidade de adotar estas práticas, pois o cérebro se autorregula naturalmente. No entanto, se o stresse for crónico e persistente, as técnicas que referi podem ser valiosas para manter o cérebro saudável e preservar uma sensação de bem-estar ao longo da vida.