Meditar no trabalho
Seja qual for a tua profissão, para uns momentos antes de ires trabalhar e toma consciência da tua razão e motivação para fazeres o que fazes em termos laborais. Seja ela qual for — necessidade, vocação, realização pessoal, realização profissional, busca de conforto na vida, riqueza, reconhecimento, estatuto social, prestígio, poder, conformismo, pressões alheias, etc. —, contempla que em todos esses ou outros casos o que realmente buscas é estares bem, seres feliz e livre de mal‑estar e sofrimento. Vê então se serás só tu ou se todos, cada um à sua maneira, não buscam precisamente o mesmo. Se constatares que assim é, podes começar a sentir, gradualmente, maior conexão com todos, dando um outro sentido, mais amplo e positivo, à tua motivação inicial.
Podes treinar‑te nesta via sentindo e repetindo esta aspiração, com estas ou outras palavras:
“Possa o meu trabalho contribuir para o meu bem e para o bem de todos, sem qualquer exceção! Que eu possa orientar todas as experiências da minha vida profissional para descobrir e realizar o meu melhor potencial e contribuir para uma sociedade e um mundo melhores!”
Ao fazeres isto, podes na verdade começar a ir trabalhar com um outro espírito, mais positivo, e descobrir no trabalho estímulos, oportunidades e motivos de aprendizagem, crescimento e satisfação que neste momento nem sequer imaginas. Contudo, também podes descobrir que, na verdade, o teu trabalho, pelas mais variadas razões, não está a contribuir nem pode contribuir para o teu bem nem para o bem dos outros. Podes constatar o que porventura já sabes, mas que evitas reconhecer, pelo incómodo que isso traz: que o teu trabalho é um impedimento à realização da tua vocação e aspiração mais autêntica e profunda, além de não ser o mais benéfico para os outros, podendo mesmo ter contornos menos éticos e estares a ser pago para contribuir para uma atividade que, direta ou indiretamente, lese outros seres (o que, se virmos bem, é muito frequente nas mais diversas profissões). Se for o caso, abandona o conformismo e começa a procurar alternativas, mesmo que à partida não pareçam tão compensadoras em termos financeiros ou satisfatórias em termos de imagem e estatuto social, respeitando sempre as tuas necessidades concretas e as daqueles pelos quais és responsável.
Caso elas não surjam imediatamente, não desistas. Podes sempre cultivar a aspiração de encontrares uma alternativa que corresponda de forma mais equilibrada e satisfatória tanto às tuas necessidades de sobrevivência como à tua necessidade de realização pessoal e humana. Essa aspiração não te deixará cair na inércia e na desistência. Não arrisques viver uma vida inteira a fazer alguma coisa que contrarie e violente profundamente os teus mais profundos sonhos e aspirações, pois isso faz muito mal, não só a ti, como a todos os teus entes queridos e pessoas com quem te relacionas e ainda à sociedade e ao mundo como um todo. E, como infelizmente muitos testemunham, é um dos remorsos mais duros e amargos no momento da morte: termos passado ao lado da vida que queríamos ter vivido.
Seja como for, dedica‑te com a melhor motivação ao trabalho que neste momento tens, contemplando que, para além do muito que possa haver a melhorar na instituição, no local de trabalho e no relacionamento profissional e humano entre chefes e colegas, estás a desfrutar de uma oportunidade de que muitos estão privados, permitindo‑te ter os recursos necessários para viveres a tua vida, para te dedicares nas horas livres a outras atividades mais gratificantes e oferecendo‑te uma oportunidade para aprenderes e cresceres interiormente com a experiência que estás a ter também, ou sobretudo, com os seus aspetos mais desafiantes. Permite que esta constatação gere reconhecimento e gratidão por todos os que estão envolvidos na tua situação profissional e sem os quais ela não seria possível, levando‑te a desejar retribuir‑lhes tudo o que de bom deles estás a receber.
Dirige‑te para o local de trabalho num estado de plena consciência do movimento do teu corpo e do contacto dos pés com o chão, abrindo bem os sentidos a tudo à tua volta: formas, sons, movimentos. Permite‑te fruir a beleza e riqueza do mundo, sempre presente: contempla o céu e as nuvens, as árvores, plantas e flores, as pessoas e os animais, os sons e os odores. Não te deixes distrair, prender e arrastar por pensamentos e emoções involuntários e transitórios. Vê que podes deixar de alimentar preocupações e ruminações acerca do passado, do presente e do futuro. Sem te desgastares a lutar contra tudo isso, ou a fazer juízos e comentários sobre o que surge na tua mente e sobre ti mesmo, dando‑lhe mais força, aceita simplesmente a sua presença e deixa‑o ir e vir, apenas consciente da sua passagem e da sua transformação contínua.
No teu local de trabalho, experimenta permanecer simplesmente atento ao fluxo da experiência presente, ao longo da tua atividade e das tuas interações com os outros. Se te perderes, deixando a mente divagar em ruminações acerca do passado e do futuro ou enredar‑se em juízos, comentários e reações à experiência presente, toma simplesmente consciência disso e devolve a atenção ao que estás a fazer e a ti mesmo. Podes fazer pequenas pausas, interiores e exteriores (se possível), sentado, em pé ou em movimento, para te reconectares com as sensações no corpo e com a respiração.
Deixa tudo o que surgir na mente — pensamentos, palavras, imagens, emoções — ir e vir, sem te fixares nisso, seja por rejeição, seja por adesão e identificação. Acolhe e aceita integralmente tudo o que surgir, abre‑te a toda a experiência, seja ela qual for — incluindo stress, ansiedade, impaciência, irritação, raiva, desmotivação, desânimo, desespero, medo —, contemplando a sua impermanência e a sua transformação contínua, como nuvens no céu da consciência que és. Estás consciente disso, não és isso. Experimenta mudar gradualmente o teu sentimento de identidade dos pensamentos, emoções, narrativas e reações habituais que, quase sempre involuntariamente, surgem no espaço da consciência para esse mesmo espaço da consciência, vasto e sempre presente.
Podes descobrir e reconhecer gradualmente esta presença aberta e consciente que és e aprender a repousar nela, descontraidamente e à vontade, em qualquer situação da tua vida laboral: interações agradáveis ou desagradáveis com chefes, subordinados, colegas, clientes e público em geral, reuniões longas, aborrecidas e cansativas, trabalho stressante e árduo, pressões várias, prazos‑limite de tarefas a cumprir, enviar e responder a e‑mails, chamadas telefónicas, etc.
Podes também, nas referidas pausas ou ao longo das tuas atividades, explorar a experiência de estares mais atento ao espaço onde trabalhas, às linhas arquitetónicas, ao mobiliário, às plantas, à decoração e à diversidade de objetos. Sente a temperatura ambiente e abre os sentidos às formas, cores, sons, odores, movimentos e seres humanos ou animais à tua volta. Reconhece como nada disso está separado de ti, pelo simples facto de aparecer na tua consciência. Repara bem nos seres humanos ou animais ao teu redor: não há neles uma intimidade como a tua, uma mesma busca de estarem bem e não sofrerem? Não há, nos humanos, as mesmas motivações, os mesmos anseios, receios e expectativas, os mesmos sofrimentos, conflitos e dificuldades, as mesmas experiências de contentamento e alegria, que te acompanham na vida e na atividade laboral? Está bem atento à sua linguagem mais imediata, à postura e movimento dos seus corpos, aos seus gestos e expressões faciais, ao modo como pegam nos objetos e os transportam. Escuta atentamente as suas palavras, os seus silêncios, o tom, ritmo e pausas das suas vozes. Vê e sente‑os à transparência e poderás começar a experienciá‑los por dentro. Poderás descobrir, a pouco e pouco, que tudo isto acontece em ti, que de nada estás separado, que o teu ser ilimitado e profundo abrange e abraça tudo o que percecionas. Poderás descobrir, a pouco e pouco, que és tudo isto…
Dedica‑te assim, com atenção plena, mas descontraída, às tarefas da tua vida profissional, procurando executá‑las o melhor possível, para benefício de todos os envolvidos e para o benefício imediato de te desenvolveres interiormente, cultivando uma presença plena, consciente, generosa e altruísta em tudo o que fazes. Podes mudar assim, gradualmente, a tua perspetiva e atitude em relação ao trabalho: em vez de o veres como uma necessidade e um fardo, e por vezes uma tortura, podes apreciá‑lo como uma preciosa oportunidade de contribuíres para o bem comum (se a tua profissão cumprir de algum modo esse requisito ético) e de desenvolveres competências e recursos externos e internos, também ao nível dos relacionamentos humanos, que de outro modo permaneceriam como potencialidades ignoradas ou irrealizadas. Uma vez que o mundo global do trabalho, a cultura dominante e a sociedade em geral não promovem isso, procura ser uma alternativa viva, assumindo a tua atividade profissional como uma oportunidade de experienciares a sacralidade da vida através da contemplação em ação posta ao serviço dos outros e de um bem maior, o despertar das consciências. Vê no trabalho uma via para desenvolveres sabedoria, amor e compaixão, procurando cooperar e não competir. Celebra e regozija‑te pelo sucesso e florescimento dos outros como se fossem teus, em vez de os encarares como uma derrota e perda pessoais, ferindo‑te com a tua inveja. Assim contribuirás para a mudança das mentalidades e das instituições, convertendo‑te num exemplo inspirador para os outros.
Estando plenamente presente em cada uma das tuas atividades, repousando na consciência como o espaço que tudo experiência, poderás sentir que tudo o que fazes é um fim em si mesmo e não um meio para outra coisa. Recuperarás assim, a outro nível, a experiência de quando eras criança e brincavas, plenamente absorvido na experiência presente. O trabalho deixará então de ser um tormento, ou algo que fazes a contragosto, cheio de resistências, como um mal necessário, para ser um jogo, uma atividade lúdica e recreativa.
A própria perceção da passagem do tempo transformar‑se‑á e poderás sentir que vives e vês tudo sempre pela primeira vez. Com o maravilhamento de uma eterna juventude e espírito de principiante. Ao leres isto podes sentir estranheza e até repulsa, pois há na verdade condições de trabalho que são muito duras e desafiantes. É natural e compreensível que sintas isso, mas nada é impossível e, se tentares aplicar estas ou parte destas sugestões, poderás surpreender‑te ao ver as mudanças de perceção que podem gradualmente trazer, mesmo nas tarefas, condições e situações mais difíceis.
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